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COP30
Especialistas defendem cultura como eixo central para o financiamento climático e o desenvolvimento sustentável
Foto: Filipe Araújo/MinC
A centralidade da cultura no debate sobre as mudanças climáticas e a urgente necessidade de criar mecanismos de financiamento para a proteção do patrimônio foram os temas dominantes da mesa-redonda Cultura e Adaptação Climática – Financiamento para o Patrimônio Cultural como Bem Público Global, realizada nesta quinta-feira (13) no Pavilhão Brasil da COP30, em Belém (PA). O evento, organizado pelo Ministério da Cultura (MinC), reuniu especialistas, gestores públicos e representantes de comunidades tradicionais para debater os desafios e as soluções para integrar a agenda cultural às estratégias de enfrentamento da crise climática.
Márcio Tavares, secretário-executivo da Pasta, revelou que o Brasil vive o maior ciclo de investimentos em cultura de sua história, com cerca de 4 bilhões de dólares aplicados recentemente. Ele anunciou que uma nova pesquisa sobre o impacto da renúncia fiscal demonstrará que cada real investido em cultura gera um retorno de quase sete reais para a economia. “Não estamos falando de gasto, estamos falando de um objetivo concreto de construção de um direito de cidadania e de um investimento com alto potencial de retorno”, declarou.
O debate, moderado por Leandro Grass, presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), expôs um consenso: o patrimônio cultural, em suas múltiplas expressões materiais e imateriais, é um dos ativos mais vulneráveis aos eventos climáticos extremos e, paradoxalmente, um dos menos contemplados pelos fundos de financiamento climático.
Inamara Mélo, diretora do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), apresentou o Plano Clima e Adaptação, que pela primeira vez inclui um objetivo específico para a proteção do patrimônio cultural. Com mais de 800 ações previstas, o plano envolve 25 ministérios e busca engajar estados e municípios através da iniciativa Adapta Cidades. “Essa não é uma agenda ambiental, é uma agenda multissetorial. A cultura tem muito a contribuir, não apenas na preservação, mas enquanto linguagem para a construção da democracia”, afirmou.
Sergio Díaz-Granados, presidente executivo do Banco de Desenvolvimento da América Latina e Caribe (CAF), apontou os obstáculos técnicos e conceituais para o financiamento. “A agenda cultural não está vinculada com a agenda climática. Não há uma taxonomia verde para a cultura e há muita dificuldade em medir qual que é o benefício cultural na questão climática”, explicou. Apesar dos desafios, ele anunciou que a CAF investirá 2 bilhões de dólares na Amazônia até 2030, com uma estratégia que integra biodiversidade, clima e cultura.
Representando a perspectiva dos povos originários, Cristiane Pankararu, do Povo Pankararu, destacou que o financiamento é crucial não apenas para a preservação, mas para o combate a uma “sequência de crimes”, como o racismo ambiental e estrutural. Ela defendeu a proteção de espaços sagrados e do patrimônio imaterial – os cantos, as danças, os saberes – que são fundamentais para a manutenção dos modos de vida e para o equilíbrio ambiental. “Precisamos de mecanismos para criar e manter esses espaços. O que lucra mais? Um espaço de pintura rupestre ou um espaço com energia eólica? O imaterial é o que você sente, o que você escuta”, questionou.
O papel da ciência na superação dessa lacuna foi abordado por Luciana Carvalho, pesquisadora da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA). Ela defendeu que a universidade deve produzir evidências que demonstrem o papel da cultura para o desenvolvimento sustentável com justiça social, superando a visão que por vezes trata a diversidade cultural como um obstáculo ao progresso.
Meredith Wiggins, do World Monuments Fund, complementou, ressaltando a importância de unir fundos públicos e privados e de criar indicadores que permitam às comunidades acessar financiamentos de forma mais eficaz.
A mesa concluiu com um chamado à ação, ecoado por Cristiane Pankararu, para “reflorestar mentes para a cura da terra”, um processo educativo de retorno às origens e de valorização da pluralidade de saberes. A mensagem final reforçou que cuidar do patrimônio é uma responsabilidade compartilhada e que o financiamento para a cultura não é um custo, mas um investimento estratégico na resiliência, na identidade e em um futuro mais sustentável para todos.