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Artigos destacam impactos do registro inadequado da ocupação profissional em estudos epidemiológicos
Imagem: starline, Freepik
As bases de dados sobre adoecimentos e mortalidade são uma das fontes mais importantes de coleta para estudos epidemiológicos. São dados que também embasam a formulação de políticas públicas e a gestão de vigilância em saúde, inclusive de trabalhadores.
Apesar da relevância, muitas vezes, essas bases não apresentam todas as informações necessárias ou as apresentam de forma incompleta. Essa deficiência impacta a tomada de decisão em todos os níveis de gestão do sistema de saúde, tornando-se um problema de saúde pública.
Essa temática é recorrente em três artigos publicados no dossiê temático Epidemiologia, Saúde e Trabalho, da Revista Brasileira de Saúde Ocupacional. Eles destacam que a informação sobre “ocupação” ou “profissão” é uma das que figura entre aquelas com baixa qualidade nas bases de dados.
Informações de ocupação e síndromes respiratórias
O artigo Incompletude da variável profissão/ocupação nos bancos de síndrome gripal, síndrome respiratória aguda grave e mortalidade, Brasil, 2020-2021 identificou que, no período analisado, as bases de dados de síndrome gripal, síndrome respiratória aguda grave e mortalidade apresentam 94,7%, 97,7% e 17%, respectivamente, de informações incompletas relativas à ocupação ou profissão.
Além de afetar a qualidade dos dados que subsidiam tomadas de decisão relacionadas à gestão em saúde do trabalhador, o incorreto registro dessa informação pode dificultar o enfrentamento de surtos e pandemias em tempo real, a exemplo do ocorrido na pandemia da Covid-19. “O acesso a dados abertos de boa qualidade em tempo real, durante a ocorrência de surtos, permite que pesquisadores e tomadores de decisão possam utilizar as evidências científicas para subsidiar o controle de doenças e agravos à saúde”, destacam os autores.
Outra problemática decorrente é a contribuição para o processo de invisibilização dos trabalhadores mais impactados ao longo do período de estudo. “A ausência de informações sobre a saúde dos trabalhadores e o impacto da doença em grupos específicos, como profissionais de saúde e da educação, dificultaram as orientações de políticas públicas, tanto para restrição quanto para retorno das atividades”, completam.
O estudo aponta a necessidade de articular ações intersetoriais para encontrar soluções para o problema da falta de dados no campo da Saúde do Trabalhador, envolvendo diversos atores sociais, como, por exemplo, Ministério do Trabalho e Previdência, Ministério da Saúde, Ministério da Educação, sindicatos. Entre as possíveis soluções, cita a melhoria dos sistemas e a capacitação e a conscientização dos profissionais de saúde sobre a importância do preenchimento correto de informações nas fichas de notificação.
Mineração
Os outros dois estudos que também utilizaram bases de dados envolvendo profissão/ocupação são O trabalho terceirizado e por turnos está associado ao aumento do risco de Covid-19? Descobertas de um estudo com trabalhadores da mineração e Covid-19: perfil de trabalhadores brasileiros em uma companhia de mineração e a dinâmica dos casos comunitários. Ambos investigaram risco de exposição durante a pandemia da Covid-19 em mineradores e observaram limitações nas informações.
Os artigos destacam que a mineração é atividade econômica considerada essencial, não podendo ser interrompida durante o período da pandemia. Em decorrência, a maioria dos trabalhadores da área seguiu atuando presencialmente, o que pode ter aumentado sua exposição ao vírus durante o trabalho.
Além do risco inerente à situação, mineradores estão mais sujeitos a problemas de saúde respiratória agudos e crônicos característicos da profissão. Isso amplifica o risco de infecção pelo SARS-CoV-2.
Terceirização e trabalho por turnos
Em O trabalho terceirizado e por turnos está associado ao aumento do risco de Covid-19? Descobertas de um estudo com trabalhadores da mineração, os resultados respondem positivamente à pergunta do título do artigo.
O estudo investigou dados de mais de 10 mil trabalhadores de cinco unidades de uma empresa multinacional de mineração localizadas em três estados brasileiros. Identificou que terceirizados e trabalhadores por turnos apresentam maior risco de infecção quando comparados aos empregados diretos e que não trabalhavam em turnos.
Em relação aos trabalhadores terceirizados, o estudo considera o fato de poderem ter menos acesso a equipamentos de proteção, testes, vacinação e licença por doença do que empregados diretos da empresa. Também menciona mais insegurança no emprego e mais pressão para trabalhar mesmo quando sintomáticos, aumentando o risco.
Já o trabalho por turnos acrescenta outros riscos resultantes da perturbação do ritmo circadiano e da privação do sono, como problemas cardiovasculares e diminuição da imunidade, deixando o trabalhador mais vulnerável a doenças infecciosas.
Assim, além do risco de doenças respiratórias intrínseco à atividade de mineração, todos esses outros podem se somar, fragilizando ainda mais o trabalhador. E quando combinados trabalho por turnos e trabalho terceirizado, observaram aumento gradual de risco para infecção por Covid-19.
O artigo destaca algumas limitações do estudo que podem levar a imprecisões, como a categorização de risco ocupacional dos trabalhadores e a ausência de informações sobre as ocupações e setores dos empregados e terceirizados. Isso, no entanto, não diminui seu pioneirismo, sendo o primeiro estudo a avaliar o impacto da pandemia no trabalhador terceirizado no período pré-vacinação. Também é o primeiro a estabelecer uma ligação entre Covid-19 e o trabalho terceirizado e por turnos em ambientes não relacionados à saúde.
Casos de Covid-19 entre trabalhadores e a dinâmica dos casos nos municípios
Também com trabalhadores de uma mineradora multinacional do Brasil, o artigo Covid-19: perfil de trabalhadores brasileiros em uma companhia de mineração e a dinâmica dos casos comunitários traz análise de dados de 2020 a 2021 de mais de 17 mil trabalhadores. O estudo investigou casos de SARS-CoV-2 entre trabalhadores da mineração e a dinâmica dos casos nos municípios onde suas unidades estão instaladas.
Em seus resultados, identificou que mulheres, adultos de meia-idade, residentes do estado do Rio de Janeiro, empregados, trabalhando em turnos e classificados como tendo alto risco ocupacional foram os perfis com mais testes positivos, quarentena e sintomas.
Em relação à dinâmica de casos, observou que as cinco unidades da mineradora apresentaram incidência acumulada de Covid-19 superior à dos municípios onde estão localizadas. “A concentração e a mobilidade dos trabalhadores das mineradoras para os municípios onde estão localizadas as unidades influenciam a dinâmica de transmissão da doença nessas áreas”, apontam os autores.
Os resultados sugerem ainda que empregados e mulheres talvez sejam mais testados que os terceirizados, o que pode justificar o fato de apresentarem mais sintomas, quarentenas e casos de Covid-19.
No entanto, o artigo destaca, assim como o anterior, a dificuldade em obter informações de qualidade sobre as ocupações e a área de atuação dos trabalhadores. Apesar disso, salienta que compreender características clínico-epidemiológicas, sociodemográficas, ocupacionais e distribuição dos casos de Covid-19 nos municípios de mineração é importante para a prevenção da ocorrência da doença nos locais de trabalho e nos municípios.
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