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Saúde do Trabalhador
Pesquisadores mostram desafios de estudos epidemiológicos ocupacionais na área rural
Os estudos epidemiológicos ocupacionais na área rural apresentam complexidade metodológica. Pesquisadores da Universidade Federal de Pelotas (Ufpel) e da Universidade Federal do Rio Grande (Furg), a partir de literatura e, principalmente, por experiências vivenciadas em suas pesquisas, apresentam os principais desafios nesse tema e como vencê-los, especialmente, no trabalho de campo, onde ouvir os trabalhadores é essencial.
Entre os desafios citados, estão poucos estudos epidemiológicos com trabalho agrícola no Brasil, amostras com números reduzidos e ausência de análise multivariada. É importante colher dados primários devido às limitações dos dados secundários e às dificuldades de acessá-los. Com planejamento adequado, é possível realizar pesquisas científicas com representatividade sobre a relação saúde-trabalho na atividade agropecuária.
O caminho para se alcançar esse resultado é trilhado no artigo Estudos epidemiológicos ocupacionais em área rural: desafios metodológicos, publicado no Dossiê RBSO 50 anos - um olhar sobre o passado, o presente e o futuro da Saúde do Trabalhador, e no terceiro seminário on-line em celebração ao cinquentenário da Revista Brasileira de Saúde Ocupacional (RBSO).
Segundo a médica e doutora em Epidemiologia, Neice Müller Xavier Faria, é crescente a importância da produção agrícola no Brasil, e as características produtivas são bem diversificadas. “O impacto dessas condições produtivas na situação da saúde é visível e mensurável, tanto do trabalhador como da população rural. Nós temos muitos desafios, o projeto, o trabalho de campo, a análise, aspectos logísticos, a abordagem de riscos, mas esse artigo traz uma série de reflexões importantes e detalha uma série de sugestões práticas”, explica. Dessa forma, é possível realizar estudos de grande complexidade.
Neice Faria é pesquisadora da Ufpel e uma das autoras do artigo, ao lado do professor adjunto da Faculdade de Medicina da Furg, Rodrigo Meucci, e da médica epidemiologista e professora da Ufpel, Anaclaudia Gastal Fassa. Faria e Meucci participaram do seminário on-line da RBSO, coordenado pelo editor chefe da publicação, Eduardo Algranti.
“O que eu gostaria de deixar destacado é a imersão no processo de trabalho. É fundamental conhecer todos os detalhes. Sem isso é praticamente impossível fazer um trabalho de campo e atender às necessidades científicas e da comunidade”, afirma Rodrigo Meucci, que também é fisioterapeuta epidemiologista, com pós-doutorado em Saúde Pública.
Outro aspecto destacado por ele é o retorno que a pesquisa traz para a sociedade. “O nosso estudo propiciou a capacitação de médicos e enfermeiros na época que estavam atuando nas unidades básicas de saúde da família. Eles participaram da pesquisa como avaliadores, mas receberam treinamento”, relata. Esses profissionais afirmavam que atendiam pessoas com sintomas de intoxicação, mas não se davam conta da relação com o trabalho. Eram trabalhadores que usavam agrotóxicos. “A pesquisa foi para responder lacunas científicas, mas ao mesmo tempo trouxe um retorno de capacitar os profissionais para melhorar a qualidade da atenção à saúde daquela população”, conclui Meucci.
Caminhos da pesquisa
Tanto o artigo quanto o seminário trazem os principais aspectos a serem considerados durante estudos epidemiológicos ocupacionais na área rural. “Estudo populacional em área rural não é uma tarefa simples, então a nossa ideia é compartilhar o que a gente aprendeu e apresentar sugestões práticas para futuros estudos”, explica Neice Faria. São experiências acumuladas em várias pesquisas, algumas com dados secundários, mas a maioria com dado primário.
A qualidade dos resultados depende do desenho metodológico e de amostra adequada. A primeira questão a ser considerada é a seleção da população alvo e do local de estudo. Essas delimitações precisam ser claras e bem definidas. Por exemplo, trata-se de um estudo sobre população rural ou trabalhadores agrícolas? Escolhido o local, é necessária logística para o trabalho de campo. Segundo os autores, o grupo acumula “experiências excelentes” com as Equipes de Saúde da Família.
Outra discussão que permeia esse tipo de pesquisa é o uso dos termos trabalhador rural, historicamente mais usado, ou agrícola, que se relaciona ao tipo de atividade. Também é necessário olhar para a pluriatividade, pois há trabalhadores agrícolas com outra fonte de renda e exposição adicional. Existe ainda a diferença entre agricultor e produtor rural. Quem serão os entrevistados nessa diversidade de cenários?
É preciso refletir sobre a delimitação do local de trabalho: se é uma propriedade – área no nome de alguém ou de empresa; um estabelecimento agrícola/rural – tem produção agrícola; ou uma unidade produtiva – várias pessoas de mesma família ou empresa produzem de forma conjunta. Outro aspecto a ser definido é o contexto produtivo, trata-se de agricultura familiar ou patronal/empresarial?
Os entrevistados devem ser escolhidos com critérios claros. Para selecionar a amostra de forma representativa, os pesquisadores recomendam seleção aleatória, considerando o contexto, os objetivos e as características do município. Uma boa amostragem em área rural permite que se evidencie o risco caso ele exista.
Deve-se estar atento a escolha dos entrevistadores, que devem ser treinados e ter habilidade para entrevistar e registrar as informações. É importante remunerá-los e realizar estudo piloto, para só ir a campo depois de novo treinamento. Recomenda-se não ultrapassar o tempo dos ciclos agrícolas durante o trabalho de campo, para se alcançar pessoas com níveis de exposição semelhantes.
Outros pontos explorados são os indicadores econômicos; a exposição aos agrotóxicos; coleta de amostras biológicas; a caracterização dos Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e de que forma são utilizados; as interferências climáticas; os deslocamentos e as questões logísticas. Por fim, os autores recomendam o uso de instrumentos validados, que variam conforme o foco pretendido, ou que se faça estudo de validação.
Saiba mais
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