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Com auditório lotado, Fundacentro reflete sobre saúde e segurança dos trabalhadores
Um momento para homenagear as vítimas de acidentes e doenças do trabalho. Dia de casa cheia, com trabalhadores, pesquisadores, especialistas em segurança e saúde no trabalho (SST), sindicalistas, atores do movimento social, representantes de instituições públicas. Espaço para debater e refletir sobre as condições de trabalho, buscando fortalecer os laços de solidariedade, promover a saúde e a vida. Também se reconheceu a saúde do trabalhador como direito inalienável. Assim foi o 28 de abril na Fundacentro, em São Paulo/SP.
O tema “Panorama da Saúde do Trabalhador: Desafios para a Reconstrução” foi debatido em dois blocos. Um formado por representantes de instituições públicas e especialistas em SST. O outro com representantes de Centrais Sindicais e do Movimento Social. Por fim, houve a cerimônia de posse do presidente da Fundacentro, Pedro Tourinho.
Dados da Previdência Social apontam 2.556 mortes no trabalho em 2021, o que equivale a média 213 óbitos por mês e 7 por dia. Foram registrados 536.174 acidentes do trabalho no mesmo ano, o que resulta em média de 44.681 por mês, 1.468 por dia, 61 por hora.
Caminhos para a reconstrução
Se esta mesa formada por especialistas técnicos pudesse ser resumida em duas frases, seriam a saúde do trabalhador é um direito fundamental e não se constrói políticas públicas sozinho. “Não tenho a menor dúvida de que é apenas construindo pontes entre os diversos setores que partilham deste desejo de ver uma sociedade que compreende que não há modelo para o desenvolvimento que possa prescindir de práticas seguras no trabalho”, afirmou o presidente da Fundacentro, Pedro Tourinho.
Em sua avaliação, um Brasil melhor e mais justo é compatível com mais oportunidades e mais empregos dignos. “Só juntando diversos atores que vamos dar a força devida para essa pauta”, concluiu. E foi isso que o evento fez. Lotou o auditório da Fundacentro em São Paulo e trouxe representantes de diversas frentes.
O procurador do Ministério Público do Trabalho, Patrick Merísio, destacou que as instituições públicas e privadas têm que atuar em conjunto “para enfrentar esse cenário terrível de adoecimentos e mortes”. Ele vê uma falta de respeito à vida humana. “Como cantava Elza Soares, a carne negra é mais barata, a carne do trabalhador também é a mais barata”, apontou.
Representando o GT Saúde do Trabalhador da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), o médico e professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista), Ildeberto Muniz de Almeida, ressaltou que no dia 28 de abril os mortos são celebrados, e os vivos convocados para lutar pela vida. Para o pesquisador, os acidentados no trabalho passam por uma segunda violência, quando a investigação do acidente coloca a vítima como culpada.
Também apresentou a “Nota Pública É preciso falar sobre a segurança e saúde do trabalhador”, em que aponta a necessidade de novos modelos de gestão da área e a refundação das estruturas da saúde do trabalhador como direito humano, com a articulação entre os ministérios, participação das universidades, órgãos de pesquisa, Ministério Público e instituições internacionais como a Opas (Organização Pan-Americana da Saúde). Outros apontamentos foram: rever o papel dos Cerests (Centros de Referência em Saúde do Trabalhador), criar Frentes parlamentares em defesa dos trabalhadores e realizar audiências públicas no Congresso Nacional sobre questões da área.
Outro médico presente na mesa foi René Mendes, pela Frente Ampla em Defesa da Saúde dos Trabalhadores, que tem uma vocação ecumênica, apostando na união e reconstrução, e nasceu de uma necessidade de articulação entre profissionais da SST e instituições correlatas. “A reconstrução é necessária, mas insuficiente se for na mesma base do passado. Não é apenas resgatar o que se perdeu, mas avançar condizente com a necessidade da classe trabalhadora”, afirmou René Mendes. Defendeu a necessidade de criar possibilidades de ausculta e debate das propostas que os movimentos sociais e sindicais construíram em 2022.
A articulação esteve presente na fala do engenheiro e professor da USP (Universidade de São Paulo), Rodolfo Vilela, que representou o Fórum Acidentes do Trabalho na mesa, já que essa é a base do Fórum AT, criado em 2008 como iniciativa da Faculdade de Saúde Pública da USP e da Unesp de Botucatu. Pesquisadores se articulam e se juntam neste “movimento de esperançar”. Vilela relatou situações de perseguição e bloqueio de projetos vivenciadas na gestão anterior da Fundacentro.
“Esse período fascista, conseguimos sair por um fio, temos que somar força, não existe possibilidade de ação em saúde do trabalhador sem a participação do trabalhador ativo. É o objeto que nos move, se é grande, ninguém consegue dar conta sozinho. Não podemos ser gavetas isoladas”, defendeu Rodolfo Vilela.
O Instituto Walter Leser da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (IWL) também reúne diferentes atores desde 2021 e nasceu da necessidade de traçar melhores expectativas para romper o isolamento. A médica e pesquisadora da Fundacentro, Maria Maeno, foi a representante do IWL. Maeno criticou como nos últimos anos expressões como segurança jurídica, modernização e inovação levaram ao desmonte das instituições e da área.
“A saúde do trabalhador é um direito humano e constitucional e, portanto, inalienável, irrenunciável. No entanto, até hoje não há uma ação continuada e orquestrada de governo, universidades, movimento sindical, movimentos sociais e populares para tornar realidade o que nossa Constituição já determina: ‘que as políticas sociais e econômicas devem visar à redução do risco de doença e de outros agravos’”, afirmou Maeno.
É preciso construir uma Política Nacional Intersetorial de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora, com a participação do chamado núcleo duro do governo, como a Casa Civil, de pastas que definem o modelo econômico do país e as condições determinantes dos acidentes e adoecimentos e daquelas que visam a proteção social, como a Saúde, o Trabalho, a Previdência e Assistência Social, os Direitos Humanos, a Igualdade Social, as Mulheres, junto a representantes de todos os movimentos sociais correlatos, para que não se perca jamais a realidade dos territórios”, defendeu. Leia a fala da médica na íntegra.
Acidentes e adoecimentos no trabalho
A mesa ainda contou com o coordenador técnico do Diesat (Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde e dos Ambientes de Trabalho), Eduardo Bonfim, que mostrou como as vítimas da violência e de acidentes no trabalho são invisibilizadas. Citou caso de jovem aprendiz de 16 anos: “Completando três meses, ele estava carregando peças de automóvel por meio de um elevador, que estava com o motor desativado. Ele usava uma corda para erguer essas peças, e foi nela que ele teria se enroscado e morrido em março de 2023”.
Bonfim destacou que na última década 6.774.543 acidentes foram notificados. Nesse cenário de violência no trabalho e aumento de transtornos mentais, vê como desafio representar a classe trabalhadora. “Nós assumimos nosso papel de representar a classe trabalhadora a partir do seu saber e por isso estamos desenvolvendo um processo formativo com o Conselho Nacional de Saúde, com o Ministério Público do Trabalho, com as Centrais Sindicais, que vem libertando e dando voz a cada um, mesmo quando invisibilizado”, relatou. “Quando a gente consegue partilhar saberes e perspectivas, a gente consegue transformar... Estamos em constante luta de classe”, concluiu.
“As vítimas de acidentes e doenças de trabalho estão em todos as atividades econômicas”, foi o que afirmou a auditora-fiscal do trabalho e representante da SIT (Secretaria de Inspeção do Trabalho), Viviane Forte. Para enfrentar a questão, a SIT lançou em 27 de abril a Canpat 2023 (Campanha Nacional de Prevenção de Acidentes do Trabalho), que tem como tema “Segurança e Saúde no Trabalho como princípio e direito fundamental - Riscos Psicossociais relacionados ao Trabalho”.
“No transporte de carga, nós temos motorista, que é a ocupação que mais registra óbito. Nós temos o setor da construção, onde os trabalhadores morrem de queda, soterrados e de choque elétrico, de forma preponderante, há várias outras causas. Na indústria, nós temos o problema de exposição às máquinas que não estão protegidas, que às vezes causam óbitos, às vezes causam acidentes graves como amputação, esmagamento. Nós temos o problema da exposição aos riscos químicos no setor industrial. Nos frigoríficos, grande incidência de adoecimentos assim como no setor de confecção e costura”, completou a auditora.
O Conselho Nacional de Saúde também se fez representado pela conselheira Fernanda Magano. Neste ano, a 17ª Conferência Nacional de Saúde tem como tema “Garantir Direitos e Defender o SUS, a Vida e a Democracia – Amanhã Vai Ser Outro Dia”. Magano destacou a importância do controle social, inclusive durante a pandemia, e das muitas lutas a se realizar. Uma delas é a antimanicomial.
Nesse sentido, outra ação importante é a 5ª Conferência Nacional de Saúde Mental, que será realizada de 16 a 19 de maio de 2023. O tema será “A Política de Saúde Mental como Direito: Pela defesa do cuidado em liberdade, rumo a avanços e garantia dos serviços da atenção psicossocial no SUS”, e como eixo principal “Fortalecer e garantir Políticas Públicas: o SUS, o cuidado de saúde mental em liberdade e o respeito aos Direitos Humanos”.
Representatividade social
O evento contou com representantes de Centrais Sindicais e Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Cleo Caetano, secretária de Saúde e Segurança do Trabalho da UGT (União Geral dois Trabalhadores), ressaltou que temos que falar em todos os espaços sobre a saúde e segurança dos trabalhadores e buscar a transversalidade. Ela avalia que é preciso olhar para as pessoas em vulnerabilidade, em situação de rua, LGBTQIA+. O trabalho é um direito de todos e “sem saúde não há vida”.
Já a dirigente nacional do Setor de Saúde do MST, Alexsandra Rodrigues, chamou atenção para as necessidades de trabalhadores e trabalhadoras rurais. “Só conhece a realidade quem vivem nela. Políticas são construídas com a participação do povo”, alertou. Por isso, discutem alimentação, moradia, uso de agrotóxico e contaminação. Há acidentes e falta de EPIs (Equipamentos de Proteção Individual) para população do campo. É preciso produzir alimentos saudáveis que não agridam a vida. Um evento importante, nesse sentido, é a Feira Nacional da Reforma Agrária, que ocorre no Parque da Água Branca em São Paulo/SP, entre os dias 11 e 14 de maio.
Nilza Pereira, secretária geral da Intersindical - Central da Classe Trabalhadora, destacou o processo de reconstrução para retomarmos os nossos trabalhos. “Nosso desafio é discutir saúde e segurança dos trabalhadores, não acidentes e adoecimentos”, apontou. Já José Freire, secretário de Saúde do Trabalhador da CUT (Central Única dos Trabalhadores), refletiu sobre o desafio de compreender a organização do trabalho. “Vimos nos últimos anos incisiva precarização do trabalho com terceirização até na atividade-fim, reformas trabalhista e previdenciária”, alertou.
Pela CSP Conlutas, Luiz Carlos Prates (Mancha) defendeu a revogação das reformas trabalhista, previdência e do ensino médio. Em sua avaliação, é preciso traçar caminhos de luta e resistência em defesa da saúde do trabalho. “Acidentes do trabalho são uma pandemia. Segundo a OIT, a cada 15 segundos morre no mundo alguém por acidente ou doença do trabalho. Transformações estão ocorrendo no mundo trabalho, novas tecnologias, mas acidentes e doenças continuam por conta do sistema capitalista que não permite que isso acabe. Trabalho deveria ser fonte de vida, mas é fonte de morte. Cada vez mais precarização. Trabalho informal sem notificação. O trabalho não pode continuar levando a morte, ele é para libertar”, concluiu.
Luis Carlos de Oliveira (Luisinho), secretário nacional de Segurança e Saúde do Trabalhador Força Sindical, destacou a batalha travada por representantes de trabalhadores nas discussões das Normas Regulamentadoras para tentar manter direitos e conquistas dos trabalhadores. Em sua avaliação, é preciso estar alerta. “Questão do ódio está rondando nossa sociedade. Não é o ódio da vítima contra o agressor. É daqueles que querem aumentar a exploração da classe trabalhadora. A elite que quer continuar oprimindo”, finalizou.
Posse
O secretário executivo do Ministério do Trabalho, Francisco Macena, deu posse ao presidente da Fundacentro, Pedro Tourinho. “Acompanhei a ansiedade dos funcionários da Fundacentro para que se iniciasse uma nova presidência. Estamos reconstruindo o Ministério”, disse Macena. Entre os desafios a serem vencidos, está a subnotificação de acidentes e doenças relacionadas ao trabalho. Para ele, Pedro Tourinho é uma pessoa que tem compromisso com a saúde e pensa na integração com a sociedade e com movimentos sociais. Em sua avaliação, a experiência dele ajudará a desenvolver políticas públicas em SST.
“Quero me dirigir a esse público muito diverso que temos aqui hoje, temos uma pluralidade muito significativa. Quero agradecer a equipe dos servidores da Fundacentro com quem tenho compartilhado anseios e a construção cotidiana de um projeto que entende o papel importante que a Fundacentro tem a cumprir”, afirmou Pedro Tourinho. “Nossa tarefa é recuperar e reconstruir, dar condições de trabalhar, pesquisar e dialogar. Estamos abrindo as portas para que o movimento sindical, os movimentos sociais e o setor produtivo venham pautar a Fundacentro”, convidou o presidente.
Nesse sentido, a cerimônia de posse também contou com a presença do presidente do Conselho do Sesi (Serviço Social da Indústria), Wagner Freitas. “Sesi será parceiro da Fundacentro. A questão do acidente e do adoecimento do trabalho é extremamente onerosa. É melhor fazer investimento na prevenção do que ter custo no tratamento”, disponibilizou Freitas. A mesa ainda contou com a presença do deputado federal Kiko Celeguim, dos deputados estaduais paulistas Paulo Batista dos Reis e Luiz Cláudio Marcolino e das vereadoras Guida Calixto e Paolla Miguel, ambas da cidade de Campinas/SP, e da vereadora pela capital paulista, Luna Zarattini.
Saiba mais
Assista ao vídeo completo do evento no canal da Fundacentro no YouTube.
“Nota Pública É preciso falar sobre a segurança e saúde do trabalhador” do GT Saúde do Trabalhador da Abrasco.
Frente Ampla em Defesa da Saúde dos Trabalhadores.
Assista ao a lançamento da Canpat 2023 em 27 de abril pela SIT.
Feira Nacional da Reforma Agrária
Fundacentro na Mídia
Brasil tem sete mortes por dia causadas por acidentes de trabalho – Agência Brasil.
No dia das vítimas de acidentes de trabalho, entidades apontam ‘invisibilidade’ do trabalhador – Rede Brasil Atual.
Reportagem da TVT sobre o 28 de Abril – Assista ao vídeo a partir de 6min até 10min20seg.