Pronunciamento do presidente Lula durante lançamento do programa Mais Professores para o Brasil, em 14 de janeiro de 2025
Gente, antes, eu estava preocupado com essa música, Camilo [Santana, ministro da Educação], porque eu levantei seis horas da manhã para fazer uma pequena caminhada, estava chovendo, eu fui fazer uns exercícios, aí eu comecei a pensar em uma música para o dia de hoje, aí procurei pensando e encontrei uma do Ataulfo Alves, a música famosa da professorinha. Aí eu fiquei olhando, ouvi com o Ataulfo Alves, depois ouvi com o Nelson Gonçalves, e ele só falava uma vez na professora. Aí falei: “É preciso uma que tenha mais vezes a palavra professor e professor”. Aí encontrei essa música da Leci Brandão [deputada estadual pelo estado de São Paulo, cantora e compositora], e falei: “Vamos de Leci Brandão, sabe, para homenagear os professores.” E falei para a Janja: “Coloca isso aí, manda o Stuckert [Ricardo Stuckert, secretário de Produção e Divulgação de Conteúdo Audiovisual da Secretaria de Comunicação da Presidência da República] preparar para a gente poder homenagear os professores. Eu estava preocupado, porque não fala professora, só fala professor, eu não poderia pedir para vocês, agora só fala professor, fale professora, porque a maioria dos professores, das professoras, são mulheres nesse país. Graças a Deus. Bem, eu quero cumprimentar o meu querido companheiro Camilo Santana, ministro da Educação, meu companheiro General Amaro, ministro do Gabinete de Segurança Institucional [da Presidência da República], nossos companheiros deputados federais e deputadas, Rafael Brito, presidente da Frente Parlamentar Mista da Educação [deputado federal Rafael Brito, presidente da Frente Parlamentar Mista da Educação], ministro da Educação, e quero cumprimentar a Dorinaldo Malafaia, [deputado federal e vice-líder do governo no Congresso Nacional], do PDT do Amapá, e a professora Luciane Cavalcante [deputada federal], do PSOL, de São Paulo.
Quero cumprimentar a Tarciana Medeiros, presidenta do Banco do Brasil. Quero cumprimentar o Heleno Araújo, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação [CNTE]; cumprimentar o Vitor de Angelo, presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação [Consed]. Cumprimentar o Alessio Costa Lima, presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação [Undime]; Manuella Mirella, presidenta da União Nacional dos Estudantes [UNE]. E quero cumprimentar os representantes professores das cinco regiões do país: Silvia Almeida, de Licínio de Almeida, na Bahia, que falou. Maria Elisa Aparecida Simões, de Cascavel, Paraná; Adriana de Sousa, de Itatiba, São Paulo. João Tadeu Maia Júnior, de Sobradinho, Distrito Federal; e Alessandra Pinheiro Tavares, de Boa Vista, Roraima.
Bem, meus companheiros e companheiras, os dados que o companheiro Camilo mostrou no PowerPoint demonstram que o Brasil, durante muito tempo, não teve nenhuma responsabilidade de cuidar da educação desse país. Se a gente for olhar a linha do tempo, esse país tem 525 anos de descoberta e esse país só tem praticamente 105 anos da sua primeira universidade federal, atrás de todos os países da América Latina.
É importante lembrar que, em 1920, quando nós criamos a nossa primeira universidade federal, a chamada Universidade Brasil, que se pegou um monte de faculdade que existia no Brasil e se criou a Universidade Brasil, porque o rei vinha de Bruxelas para visitar o Brasil e um rei tinha que receber título de doutor honoris causa. Então se criou a Universidade pensando em dar um título para o rei e não pensando na educação do povo brasileiro. E eu, de vez em quando, fico me perguntando porquê tanto menosprezo à educação desse país, porque tanto menosprezo na formação do nosso povo, porque tanto menosprezo quando a elite brasileira sabia que nenhum país do mundo iria se desenvolver sem que antes tivesse investimento na formação do nosso povo.
É a formação intelectual do nosso povo, a nossa formação profissional, que faz com que o país possa crescer economicamente, que faz com que o nosso país possa crescer culturalmente, que faz com que o nosso país possa ter competitividade e qualidade nas coisas que ele faz. Fora disso, nós seremos um país que nunca seremos levados em conta. E é por isso que eu acho muito estranho e queria que vocês compreendessem que quem está falando tudo isso é um cidadão brasileiro que não tem diploma universitário e que, possivelmente, de todos que estão aqui, seja o que menos frequentou um banco de escola. O que menos frequentou.
Eu tenho certeza que até os companheiros da televisão – estão lá atrás a imprensa – certamente estudaram mais do que eu. Eu, depois de estudar só até o quarto ano do ensino fundamental naquele tempo, porque, depois, você tinha que fazer o ginásio. Eu fui fazer um curso no Senai para aprender uma profissão e me tornar torneiro mecânico. E é exatamente por essa razão que eu tenho uma obsessão pela educação.
É porque eu não tive chance e porque não tive um diploma primário que eu tenho uma obsessão que os advogados, os médicos, os empresários que foram ministros, que foram governantes desse país não tiveram. Porque certamente eles já tinham se formado e certamente os donos de engenho mandavam os seus filhos estudarem na França, na Inglaterra, nos Estados Unidos, na Espanha, em Portugal. Então, a educação do povo não era necessária, porque o povo tinha que cortar cana, tinha que capinar, tinha que colher café, que era o que a gente fazia até metade do século passado.
Então, para que formar esse povo? E eu, então, tomei uma decisão de que era importante a gente cuidar da educação nesse país, senão a gente não saía do limbo em que a gente se encontrava. Tive sorte de ter, até antes do Camilo, o melhor ministro da Educação do Brasil, que foi o companheiro Fernando Haddad [ministro da Fazenda]. E o companheiro Camilo entrou com a missão de que ele teria que ser melhor do que o Haddad e, portanto, teria que fazer mais. Essa é a tarefa dele.
Era como se a gente encontrasse alguém para jogar mais do que o Messi, para jogar mais do que o Maradona, para jogar mais do que o Pelé. E nós temos que encontrar. E você tem mais dois anos para provar que você tem condição de fazer isso. Veja, e quando o companheiro Camilo mostrou aqueles dados da quantidade de gente que não tem o diploma, da quantidade de evasão escolar, da quantidade de desinteresse pela educação nesse país, nós temos que procurar de quem é a culpa.
Eu, pela minha pouca idade, eu discuti muito nesse país sobre a questão dos educadores do país, Heleno [Araújo, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação]. Eu discuti muito o problema da alfabetização e era impressionante a quantidade de ideias que se tinha nesse país, a quantidade de fórmula mágica sobre como é que a gente ia alfabetizar esse país. E a disputa entre nós era tanta que a gente acabou não alfabetizando e acabou piorando o aprendizado da molecada até o segundo ou terceiro ano de escola.
Porque a Covid, ela trouxe uma fotografia mais contundente para nós, mas nós já sabíamos, pela Prova Brasil, que, quando eu cheguei aqui no governo, em 2003, era uma amostragem de 400 mil alunos que a gente fazia e nós resolvemos decidir fazer a Prova Brasil com todo mundo, porque não é possível que a gente não tenha a preocupação de medir se as pessoas estão aprendendo ou não.
Uma vez um intelectual importante no Brasil me disse uma coisa. Numa palestra ele me disse o seguinte: “Ô, Lula, quando a gente está falando uma coisa e a pessoa que está nos ouvindo não aprendeu, é porque a pessoa é burra. Mas se a gente continua falando pela segunda vez e a pessoa ainda não aprendeu, a pessoa continua burra. Mas, se na terceira vez, a gente falar e a pessoa não aprendeu, burro é quem está falando, porque não se pode conceber alguém falar três vezes e não se fazer entender por quem está ouvindo”.
Essa é uma coisa muito extraordinária, porque, no Brasil, nós já tivemos muita discussão, — Camilo, possivelmente você não era nascido — e a gente deveria fazer prova para medir se o aluno estava aprendendo por mês, por semestre, por bimestre, se a gente deveria, no final do ano, fazer prova para saber se ele passou de um ano para o outro. Isso era uma discussão enfervecida aqui no Brasil. E tinha gente que achava que a gente não tinha que medir nada, a gente tinha que passar a criança direto, sem saber se a criança estava aprendendo ou não. O resultado é que nós estamos colhendo este país que você mostrou. Esse é o dado correto.
E por isso é que nós tomamos a decisão, num convênio com quase 5.600 prefeitos, de que nós queremos chegar, até 2030, com, no mínimo, 80% das crianças brasileiras, até o segundo ano de escola, alfabetizadas. Não é um compromisso do ministro da Educação, não é um compromisso só do presidente da República, é um compromisso da sociedade brasileira, é um compromisso de todos nós.
Inclusive, é um compromisso da UNE. Ao invés de vocês irem para a rua, pedindo conquista, pedindo coisa, seria muito importante que você estivesse com bandeira, entrar na sala de aula para saber se as crianças estão aprendendo. Porque tem uma coisa, Camilo, muito engraçado. Uma criança que tem um pai e uma mãe com uma certa formação, sabe, que consegue fazer a tarefa de casa da criança, ensinando a criança, é uma coisa. E os milhões que não têm a mãe e o pai com nenhuma qualidade de aprendizado e que têm uma lição, uma tarefa de casa, e ele não tem quem ajude ele? Quem é que vai cuidar desse menino? Quem é que vai ensinar essa criança? Ele vai passando semanas e semanas e semanas sem que haja um auxílio. No tempo do Haddad, a gente discutia contratar o professor para que ele só cuidasse disso.
Se uma criança não estivesse bem, ele tinha que ir para uma sala especial para ele poder avançar na educação. Porque, senão, as pessoas não aprendem. Então, o professor, além da grandeza que o Camilo falou, além da grandeza da música, é importante que a gente, ao terminar uma aula, a gente pergunte se as pessoas que estavam ouvindo aprenderam o que a gente falou. Porque pode ser que tenha um ou dois ou três que não entenderam. E se não entender aquela aula, não entenderá a segunda. E se não entender a segunda, não entenderá a terceira. Aí essa criança passa a ser uma criança um pouco atrasada diante dos outros. Então, quem é que vai tomar conta disso se o governo não colocar recurso para incentivar, inclusive, as pessoas a serem professores?
Porque era muito bonito quando professora era motivo de música — ou professor. Mas hoje quem dá aula na periferia das grandes metrópoles desse país sabe que ser professor é um risco. Ser professor é um risco. Esperar ônibus tarde da noite, pegar ônibus de manhã lotado. Chegar na escola sabendo que as crianças estão com preocupação, muitos nem tomaram café em casa. E, às vezes, menino com violência, menino que sai de casa brigado com a mãe porque não comeu, porque não sei lá, e vai tentar jogar sua raiva, na professora e no professor.
Então, se a gente não motivar que o professor e professora sejam uma profissão, sabe, eu diria promissora, uma profissão que dê a eles a certeza de que eles estão trabalhando em benefício das pessoas, e que o estado poderá ajudá-lo, através do município, através do próprio estado, de que esse professor não vai ser molestado, não vai apanhar. Então essas coisas que nós temos que cuidar e que nós estamos fazendo aqui.
Eu acho, Camilo, que o que você anunciou hoje, mais o Pé-de-Meia, porque muita gente entendeu o Pé-de-Meia como gasto. Muita gente entendeu como gasto. “Esse Lula só sabe gastar dinheiro com pobre.” Não é gastar dinheiro com pobre, eu gostaria que ninguém fosse pobre. Eu gostaria que ninguém precisasse dessa ajuda. Mas como é que pode um presidente da República, um ministro da Educação, ficar passivo quando a gente vê que 500 mil crianças, meninas e meninos, são obrigados a deixar a escola para tentar ajudar no orçamento da família?
O que é que vai ser? Daqui a 10 anos, o dinheiro que a gente economizou para não fazer o Pé-de-Meia, a gente está construindo cadeia, está construindo cela para prender esses meninos. Ou está vendo eles envolvidos no narcotráfico. Ou está vendo eles viciados no crack, ou está vendo eles fazendo alguma coisa desencaminhada. Porque é isso que vai acontecer com quem não tem expectativa de futuro. Porque é a expectativa de futuro que faz a gente caminhar, que faz a gente dar os primeiros passos. E é isso que nós fizemos quando criamos o Pé-de-Meia. E como estamos criando agora o Pé-de-Meia [Pé-de-Meia Licenciaturas] para os professores, é porque a gente não quer que os professores sejam aquela pessoa mais desqualificada da prova do Enem. A gente quer que sejam os melhores. A gente quer que sejam os melhores e por isso é que nós temos que pensar muito no salário dos professores, porque a gente não pode elogiar o professor, e na época de pagar o salário, a gente paga uma merreca para o professor, como se ele fosse a última coisa do mundo.
Eu lembro que quando nós criamos o piso dos professores, teve vários governadores que não quiseram pagar, que acharam que a gente estava quebrando alguns estados, e era um piso salarial pequeno. Ou seja, como é que as pessoas... Eu lembro que no governo, me parece que no governo Geisel, tinha um ministro gaúcho chamado Arnaldo da Costa Prieto [ex-secretário de Estado dos Negócios do Trabalho e Habitação], ministro do Trabalho. Eu lembro que esse ministro mandou um projeto de lei para o Congresso Nacional proibindo o professor de fazer greve, proibindo frentista de posto de gasolina fazer greve e proibindo o bancário de fazer greve. Eu pedi licença do sindicato, porque ele ameaçou cassar quem viesse trabalhar contra, e eu vim para Brasília para trabalhar contra. E eu dizia: “ministro, se o senhor quer que professores não façam greve, pague um salário mais decente. Se o senhor quer que frentista não faça greve, pague um salário mais decente. Se você quer que um bancário não faça greve, pague um salário mais decente.”
Agora mesmo nós estamos vendo muita gente dizer: “ah, os trabalhadores não querem trabalhar mais com a carteira assinada em vários lugares do Brasil.” Aí você pergunta para o cara que fala isso: “quanto é que você paga?” “Mil e novecentos”. Pague um pouco mais, pô. Pague um pouco mais para ver se o cara não vai trabalhar. Ou eles acham que as pessoas se conformam em ficar ganhando o Bolsa Família? Não, as pessoas se tiverem uma oportunidade boa, emprego razoável, as pessoas vão trabalhar. Ninguém quer viver de salário auxílio-desemprego ou Bolsa Família. O pobre também tem orgulho. Ele não gosta de… Eu, tinha vergonha. Quando eu estudava, eu recebia caderno, era de uma bolsa do Estado. A gente chamava, a gente pegava livro da caixa. Era um caderno que não era, não tinha aquele espiral. Era o mais mixuruco. E eu só pegava aquele. E eu não me achava legal com aquele caderno. Eu gostaria de arrancar uma folha sem estragar o caderno. Mas eu não tinha. Então, as pessoas mais humildes não gostam de viver de favor. Eles vivem porque não tem.
Eu digo sempre o seguinte: ninguém é peão porque quer. Ninguém não tem profissão porque quer. Ninguém ganha pouco porque quer. Se as pessoas pudessem, todo mundo seria melhor. Todo mundo ganharia melhor. Todo mundo comeria melhor. Todo mundo se vestiria melhor. Todo mundo estudaria melhor.
E para estudar melhor, meu caro Camilo, a escola tem que ser atrativa. A criança, quando levanta de manhã, ela não pode imaginar que ela vai para o sofrimento na escola. Ela tem que ter na cabeça que ela vai para um lugar extraordinário. Vai encontrar uma professora, um professor alegre, que vão cuidar dele, que vão, às vezes, fazer o carinho que ele não recebe na casa dele. É isso que motiva uma criança para a escola. E é por isso que a gente quer que as pessoas não desistam de ser professores.
Por isso estamos dando esse incentivo para qualificar melhor as pessoas. Por isso, gente, eu sou um otimista inveterado. Eu, sinceramente, acho, Camilo, que com esse anúncio aqui, você já pode pensar que daqui a um ano você pode ser o ganhador da bola de ouro da educação brasileira. Você pode imaginar que você pode ser.
Agora, veja, nós já anunciamos mais 100 Institutos Federais nesse país. Nós estamos criando mais não sei quantas extensões universitárias nesse país. Porque não tem outro jeito. Não existe outro jeito. Se um cara com diploma universitário tem dificuldade de arrumar emprego, imagina um peão? Imagina um cara sem profissão? Imagina se ele vai arrumar emprego? Quando você chega para procurar emprego, hoje, até para empregada doméstica, você tem que ter o mínimo de qualificação. Então, companheiro Camilo, companheiros professores, companheiros estudantes, companheiros prefeitos, esse desafio é o mais revolucionário desafio que a gente está fazendo.
E nós temos que enfrentar, nesse instante de desafio, uma outra revolução da mentira, da fake news, de gente que não presta e mente descaradamente. É por isso que nós tomamos a decisão de proibir celular na educação. A gente proibiu para defender as nossas crianças. A gente proibiu para defender os nossos professores, para defender a nossa educação.
Eu disse ontem na minha fala, nós queremos continuar humanistas, nós não queremos virar algoritmo nesse mundo. Nós queremos ter sentimento, nós queremos ter paixão, nós queremos ter solidariedade, nós queremos pedir a vontade de ajudar os outros, estender a mão, conversar. É por isso que a gente tomou essa atitude, até para diminuir a carnificina que se faz na escola, a mutilação de crianças na escola.
Então, eu quero a compreensão de vocês, porque nós somos a extensão de vocês no governo e vocês têm que ser a extensão nossa dentro de uma sala de aula, na comunidade em que vocês vivem.
Por isso, Camilo, parabéns. Parabéns aos professores. Eu espero que estejamos fazendo mais uma obra que possa enaltecer a educação nesse país.
Obrigado, gente.