
Direitos das populações atingidas por barragens
O Brasil dispõe agora de uma abrangente legislação para proteção dos direitos das populações atingidas por barragens, com uma série detalhada de obrigações para as empresas responsáveis e garantias para as pessoas e famílias afetadas por empreendimentos de mineração e hidrelétricas.
Em 15/12/2023, foi sancionada a Lei Nº 14.755 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cuja elaboração contou com a participação do Ministério de Minas e Energia (MME), de outras pastas do Governo Federal, do Congresso Nacional e do Movimento dos Atingidos por Barragens.
O texto determina as obrigações das empresas para efeito de indenizações e reparações. Além da prevenção de desastres, o objetivo é evitar a repetição das situações de violações de direitos e demora excessiva na compensação das famílias e do meio ambiente, como nos casos das tragédias devastadoras de Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais.
Entre outros aspectos, com foco na inclusão social e na defesa dos mais vulneráveis, a norma assegura os seguintes direitos:
- Indenização por perdas materiais
- Reassentamento coletivo como opção prioritária
- Assessoria técnica independente às custas do empreendedor
- Auxílio-emergencial nos casos de acidentes ou desastres
- Reparação por danos morais, individuais e coletivos
- Condições de moradia que reproduzam as anteriores quanto às dimensões e à qualidade da edificação
- Implantação de projetos de reassentamento rural ou urbano
- Escrituração e registro dos imóveis dos reassentamentos.
A lei reconhece formalmente quem são os atingidos por barragens no Brasil e estabelece direitos para essas populações, como indenizações e compensações individuais e coletivas. Também assegura a participação social nas negociações com o poder público e empreendedores privados, nos casos de desastres e também de construção e desativação de barragens.
Em linhas gerais, a lei trouxe os seguintes avanços, entre outros:
- Criação da Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB)
- Especificação dos direitos das Populações Atingidas por Barragens (PAB)
- Instituição do Programa de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PDPAB)
- Estabelecimento de regras de responsabilidade social do empreendedor.
As diretrizes são para aplicação tanto de forma preventiva, no licenciamento ambiental de barragens, quanto para situações decorrentes de vazamento ou rompimento das estruturas.
Além de assegurar o direito das famílias, valorizam-se o licenciamento ambiental correto e a segurança da população que vive perto das barragens, em particular as comunidades tradicionais e de baixa renda.
O programa de direitos deverá financiar ações específicas destinadas a mulheres, idosos, crianças, pessoas com deficiência e pessoas em situação de vulnerabilidade, populações indígenas, comunidades tradicionais e pescadores.
DEFINIÇÃO
A norma define como PAB todas aquelas pessoas ou famílias sujeitas a um ou mais dos seguintes impactos provocados pela construção, operação, desativação ou rompimento de barragens:
- Perda da propriedade ou da posse de imóvel
- Desvalorização de imóveis em decorrência de sua localização próxima ou a jusante dessas estruturas
- Perda da capacidade produtiva das terras e de elementos naturais da paisagem geradores de renda, direta ou indiretamente, e da parte remanescente de imóvel parcialmente atingido, que afete a renda, a subsistência ou o modo de vida de populações
- Perda do produto ou de áreas de exercício da atividade pesqueira ou de manejo de recursos naturais
- Interrupção prolongada ou alteração da qualidade da água que prejudique o abastecimento
- Perda de fontes de renda e trabalho
- Mudança de hábitos de populações, bem como perda ou redução de suas atividades econômicas e sujeição a efeitos sociais, culturais e psicológicos negativos devidos à remoção ou à evacuação em situações de emergência
- Alteração no modo de vida de populações indígenas e comunidades tradicionais
- Interrupção de acesso a áreas urbanas e comunidades rurais.
DIREITOS
- Reparação por meio de reposição, indenização, compensação equivalente e compensação social
- Reassentamento coletivo como opção prioritária, de forma a favorecer a preservação dos laços culturais e de vizinhança prevalecentes na situação original
- Opção livre e informada a respeito das alternativas de reparação
- Negociação, preferencialmente coletiva, em relação:
• às formas de reparação
• aos parâmetros para a identificação dos bens e das benfeitorias passíveis de reparação
• aos parâmetros para o estabelecimento de valores indenizatórios e eventuais compensações
• às etapas de planejamento e ao cronograma de reassentamento
• à elaboração dos projetos de moradia.
- Assessoria técnica independente, de caráter multidisciplinar, escolhida pelas comunidades atingidas, às expensas do empreendedor e sem a sua interferência, com o objetivo de orientá-las no processo de participação
- Auxílio emergencial nos casos de acidentes ou desastres, que assegure a manutenção dos níveis de vida até que as famílias e indivíduos alcancem condições pelo menos equivalentes às precedentes
- Indenização pelas perdas materiais, justa e, salvo nos casos de acidentes ou desastres, prévia, que contemple:
• os valores das propriedades e das benfeitorias
• os lucros cessantes, quando for o caso
• os recursos monetários que assegurem a manutenção dos níveis de vida até que as famílias e indivíduos alcancem condições pelo menos equivalentes às precedentes.
- Reparação pelos danos morais, individuais e coletivos, decorrentes dos transtornos sofridos em processos de remoção ou evacuação compulsórias, nos casos de emergência, que englobem
- perda ou alteração dos laços culturais e de sociabilidade ou dos modos de vida
- perda ou restrição do acesso a recursos naturais, a locais de culto ou peregrinação e a fontes de lazer
- perda ou restrição de meios de subsistência, de fontes de renda ou de trabalho
- Reassentamento rural, observado o módulo fiscal, ou reassentamento urbano, com unidades habitacionais que respeitem o tamanho mínimo estabelecido pela legislação urbanística
- Implantação de projetos de reassentamento rural ou urbano mediante processos de autogestão
- Condições de moradia que, no mínimo, reproduzam as anteriores quanto às dimensões e à qualidade da edificação, bem como tenham padrões adequados a grupos de pessoas em situação de vulnerabilidade
- Existência de espaços e equipamentos de uso comum nos projetos de reassentamento que permitam a sociabilidade e a vivência coletivas, observados, sempre que possível, os padrões prevalecentes no assentamento original
- Escrituração e registro dos imóveis decorrentes dos reassentamentos urbanos e rurais, ou, se for o caso, concessão de direito real de uso
- Reassentamento em terras economicamente úteis, de preferência na região e no município habitados pelas PAB, após a avaliação de sua viabilidade agroeconômica e ambiental pelo Comitê Local da PNAB
- Prévia discussão e aprovação do projeto de reassentamento pelo Comitê Local da PNAB, nele incluídos localização, identificação de glebas, projetos de infraestrutura e equipamentos de uso coletivo, assim como escolha e formas de distribuição de lotes
- Formulação e implementação de planos de recuperação e desenvolvimento econômico e social, sem prejuízo das reparações individuais ou coletivas devidas, com o objetivo de recompor ou, se possível, de integrar arranjos e cadeias produtivas locais e regionais que assegurem ocupação produtiva ao conjunto de atingidos, compatíveis com seus níveis de qualificação e experiência profissionais e capazes de proporcionar a manutenção ou a melhoria das condições de vida
- Recebimento individual, por pessoa, família ou organização cadastrada, de cópia de todas as informações constantes a seu respeito, até 30 dias após a atualização do cadastramento para fins de reparação
- Realização de consulta pública da lista de todas as pessoas e organizações cadastradas para fins de reparação, bem como das informações agregadas do cadastro, preservados a intimidade e os dados de caráter privado
- As reparações devem reconhecer a diversidade de situações, experiências, vocações e preferências, culturas e especificidades de grupos, comunidades, famílias e indivíduos, bem como contemplar a discussão, a negociação e a aprovação pelo Comitê Local da PNAB, e podem ocorrer das seguintes formas:
• Reposição – quando o bem ou a infraestrutura destruídos ou a situação social prejudicada são repostos ou reconstituídos
• Indenização – quando a reparação assume a forma monetária
• Compensação equivalente – quando são oferecidos outros bens ou outras situações que, embora não reponham o bem ou a situação perdidos, são considerados como satisfatórios em termos materiais ou morais
• Compensação social – quando a reparação assume a forma de benefício material adicional às formas de reparação dispostas
- Na aplicação dessa lei, deve ser considerado o princípio da centralidade do sofrimento da vítima, com vistas à reparação justa dos atingidos e à prevenção ou redução de ocorrência de fatos danosos semelhantes.
Economia familiar da área rural
- São direitos das PAB que exploram a terra em regime de economia familiar, como proprietários, meeiros ou posseiros:
• reparação das perdas materiais, composta do valor da terra, das benfeitorias, da safra e dos prejuízos pela interrupção de contratos
• compensação pelo deslocamento compulsório resultante do reassentamento
• compensação pelas perdas imateriais, com o estabelecimento de programas de assistência técnica necessários à reconstituição dos modos de vida e das redes de relações sociais, culturais e econômicas, inclusive as de natureza psicológica, assistencial, agronômica e outras cabíveis.
PROGRAMA
Nos casos previstos pela legislação, deve ser criado um PDPAB, às expensas do empreendedor, com o objetivo de prever e assegurar os direitos estabelecidos com programas específicos destinados:
- Às mulheres, aos idosos, às crianças, às pessoas com deficiência e às pessoas em situação de vulnerabilidade, bem como aos animais domésticos e de criação
- Às populações indígenas e às comunidades tradicionais
- Aos impactos na área de saúde, saneamento ambiental, habitação e educação dos municípios que receberão os trabalhadores da obra ou os afetados por eventual vazamento ou rompimento da barragem
- À recomposição das perdas decorrentes do enchimento do reservatório, do vazamento ou do rompimento da barragem
- Aos pescadores e à atividade pesqueira
- Às comunidades receptoras de reassentamento ou realocação de famílias atingidas.
DATAS
- 15/12/2023 – Sancionada a Lei Nº 14.755
- 14/03/2024 – Iniciado pelo MME um grupo de discussão para a regulamentação da PNAB