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Igreja de São Joaquim e Externato de Pedro II
Acervo Biblioteca Maria Beatriz Nascimento
Título do livro: Um passeio pela cidade do Rio de Janeiro
Autor: Joaquim Manuel de Macedo
Notação: OR 0232
Data do livro: 1862/63[?]
Local de publicação: Rio de Janeiro (B. L. Garnier)
Folha: 4
Veja esse documento na íntegra
Litografia do Imperial Colégio de Pedro II e da Igreja de São Joaquim, localizados na rua Larga de São Joaquim, no Centro do Rio de Janeiro (hoje rua Marechal Floriano), feitas pelo Imperial Instituto Artístico. A imagem faz parte do livro Um passeio pela cidade do Rio de Janeiro, que traz uma extensa descrição e história do colégio de d. Pedro II, escrito pelo célebre romancista, médico e professor brasileiro, Joaquim Manuel de Macedo.
Joaquim Manuel de Macedo, nascido na vila de São João de Itaboraí, em 24 de junho de 1820, foi um eminente escritor, professor, jornalista, poeta, dramaturgo, memorialista, orador, político e médico. De origem modesta, era filho de Severino de Macedo Carvalho e Benigna Catarina da Conceição, foi casado com Maria Catarina de Abreu Sodré, de família mais abastada. Destacou-se em 1844 quando lançou o romance A Moreninha, tido como o primeiro romance romântico produzido em território nacional, grande sucesso de público e crítica, no mesmo ano em que se formou médico pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. O sucesso d’A Moreninha foi tão grande que acabou por eclipsar um tanto da importância do dr. Macedo (ou Macedinho como então se dizia) nas outras áreas de atuação que teve em vida, e mesmo como importante homem de letras do Império.
Em 1844, portanto aos 24 anos, não só lançou seu romance mais famoso, mas também formou-se em medicina, profissão que por breve tempo exerceu na vila de Itaboraí, província do Rio de Janeiro. Logo retornou para a Corte, onde acabou engajando-se nas atividades jornalísticas e literárias. Ainda em 1844 Macedo foi eleito membro do Conservatório Dramático e em 1845 tornou-se membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) – mais por sua fama como literato do que por qualquer trabalho de cunho historiográfico –, o que lhe conferia grande prestígio entre os homens de letras e estadistas do Império. Nessa época ainda reunia-se com frequência na casa tipográfica de Francisco de Paula Brito, junto com outros destacados e principiantes homens de letras, como Manuel Antônio de Almeida, Casimiro de Abreu, Gonçalves Dias, Araújo Porto-Alegre e Salvador de Mendonça e Machado de Assis.
Em 1849 foi nomeado pelo Ministério do Império para o cargo de professor de história e geografia do Imperial Colégio de d. Pedro II, cargo que ocupou até o ano de sua morte, em 1882. Já como professor, atividade que lhe garantiu o sustento ao longo da vida, Macedo publicou manuais de história, para uso dos alunos do colégio Pedro II e outro para uso no sistema de instrução pública do Império: Lições de História do Brasil para uso dos alunos do Imperial Colégio de Pedro II (4º ano), em 1861, Lições de História do Brasil para uso dos alunos do Imperial Colégio de Pedro II (7º ano), em 1863 e Lições de História do Brasil para uso das Escolas de Instrução Primária, também em 1861. Os dois manuais foram marcos no ensino de história no Brasil, tendo sido usados durante todo o período imperial e até mesmo nos primeiros anos da República. Em 1864 foi nomeado professor das princesas Isabel e Leopoldina, ministrando aulas de história e português, o que o tornou bastante próximo do imperador.
Dr. Macedo ainda foi deputado provincial do Rio de Janeiro (1854-1859) e deputado pelo Rio de Janeiro na Assembleia Geral (1867-1868 e 1878-1881), pelo partido liberal. Macedo escreveu para mais de uma dezena de periódicos da Corte, em especial para o Jornal do Commercio, onde publicou romances em folhetim, artigos variados e crônicas, como as reunidas no livro de que tratamos neste texto. Também escreveu para a Minerva Brasiliense, para a Semana Ilustrada, e para A Nação, órgão do partido liberal, do qual fazia parte. Foi fundador e dirigiu, juntamente com Gonçalves Dias e Araújo Porto-Alegre, a revista Guanabara, em 1849. Foi primeiro secretário (1851) e 2º vice-presidente (1876) do IHGB, membro da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional (SAIN), e ainda recebeu as comendas das Ordens de Cristo e da Rosa.
Do ponto de vista literário, sua obra pode-se dividir em duas partes: a das “mocinhas” e a dos “adultos”, conforme Tânia Serra a dividiu em Joaquim Manuel de Macedo ou os dois Macedos (1994). O primeiro momento era marcado pelos romances açucarados, típicos da primeira fase do Romantismo no Brasil, de grande público e repercussão. Já o segundo, composto de romances mais críticos e satíricos dos comportamentos e costumes da sociedade oitocentista brasileira, mais da segunda metade do século XIX, não teve público tão grande quanto ao da primeira fase. Joaquim Manuel de Macedo faleceu em 1882, supostamente com problemas financeiros e mentais, na cidade de Itaboraí, onde nasceu.
O livro Um passeio pela cidade do Rio de Janeiro reúne em 2 volumes, de 1862 e 1863, um conjunto de folhetins chamados Passeio publicados entre 1861 e 1863 no Jornal do Commercio (são 12 capítulos ao todo, com introdução e prefácio). As crônicas memorialísticas eram compostas de passeios que o autor fazia com os leitores por alguns lugares de destaque na Corte do Rio de Janeiro, com vistas a conhecê-los melhor, a parte física, a geografia e sua história.
Determinei escrever o que sabia e conseguisse saber sobre a história e tradições de alguns edifícios, estabelecimentos públicos e instituições da cidade do Rio de Janeiro, abundando quanto pudesse em informações relativas aos homens notáveis e aos usos e costumes do passado; porque entendi que com este meu trabalho presto ao meu país um serviço e pago-lhe um tributo de patriotismo, pois que concorro com o meu contingente, fraco embora, para salvar do olvido muitas coisas e muitos fatos cuja lembrança vai desaparecendo.
Procurando desempenhar a tarefa que tomei sobre os ombros, tenho lido e vou lendo, tenho consultado e vou consultando as obras dos antigos e modernos cronistas e historiadores da nossa terra, e, o que mais importa, sem dó nem piedade, tenho maçado e atormentado a todos os bons velhos que me honram com a sua amizade ou que têm a paciência de tolerar e atender às minhas impertinentes perguntas.
[...]
Creio que alguém já censurou este trabalho, porque o tenho escrito quase sempre em tom brincalhão e às vezes epigramático, e porque misturo em um ou outro ponto a verdade histórica com tradições inaceitáveis, e em alguns casos com ligeiros romances e lendas imaginadas.
[...]
Até hoje só tenho escrito com a ideia de aproveitar ao povo e àqueles que pouco sabem.
Ora, escrevendo eu também para o povo esta obra, cuja matéria é árida e fatigante, não quis expô-la ao risco de não ser lida pelo povo, que prefere os livros amenos e romanescos às obras graves e profundas.
Que fiz eu? Procurei amenizar a história, escrevendo-a com esse tom brincalhão e às vezes epigramático que, segundo dizem, não lhe assenta bem, mas de que o povo gosta [...]. (MACEDO, 2013, p. 3-5)
Assim justifica sua obra o dr. Macedinho. Não explica quais foram os critérios de escolha dos lugares, mas procurou dar aos textos um tom mais leve e humorístico do que aquele de um compêndio de história, aproximando-se mais de um texto ficcional. Afinal, os textos foram escritos para uma coluna de jornal, o folhetim, voltado para a leitura do povo (leia-se aqui, o restrito povo letrado do Brasil) e não de especialistas em história, por exemplo. Mas não fez um texto livre de críticas aos “costumes, aos homens e às instituições” (BASTOS, 2013, p. XIV). Entre os lugares elencados por Macedo estão o Palácio Imperial, o Passeio Público, o Convento de Santo Antônio, o Colégio Pedro II, a Sé do Rio de Janeiro, entre outros.
[...] e oferece ao leitor uma descrição competente, minuciosa, até exaustiva, sendo de notar que o entorno de um prédio ou de um logradouro, por exemplo, também lhe merecem atenção, de modo que a visão desse prédio ou desse logradouro é enriquecida por uma visão de conjunto, abrangente. (BASTOS, 2013, p. XVII)
Embora não haja critério exposto sobre o porquê das escolhas (por que o Convento de Santo Antônio e não o Mosteiro de São Bento?, por exemplo), é digno de nota que o autor tenha colocado entre os principais lugares a se conhecer no Rio de Janeiro, o Colégio de Pedro II.
O colégio de Pedro II, visto na litografia acima, foi criado pelo decreto de Bernardo Pereira de Vasconcelos, ministro do Império e do regente Pedro de Araújo Lima, em 2 de dezembro de 1837, data natalícia de d. Pedro II. O decreto converteu em nova instituição secundária o Seminário de São Joaquim, antigo colégio dos órfãos de São Pedro, fundado em 1739, destinado a dar instrução primária e em artes mecânicas aos meninos órfãos e desvalidos da Corte. O colégio de Pedro II foi inaugurado em 25 de março de 1838, com a presença do ministério, do regente, do imperador e suas irmãs, dia de aniversário da Constituição. Entretanto, as aulas só foram iniciadas em 2 de maio do mesmo ano com alguns problemas ainda, como falta de livros e compêndios para o estudo; apesar de ter capacidade para receber até 100 alunos internos, 11 remanescentes do Seminário (não-pagantes) e 18 externos, o internato no início contava com apenas 30, sendo destes 7 pobres e gratuitos. Foi inspirado nos liceus franceses idealizados por Napoleão Bonaparte.
É importante ressaltar que o colégio secundário foi criado no período em que o Brasil era governado pelas Regências, período de forte descentralização do Estado, que acabou ficando conhecido como muito conturbado e anárquico, devido às revoltas populares que se espalharam em algumas províncias do Império, que clamavam por mais liberdade de governação e em alguns casos, mesmo, pela separação do corpo territorial do Império do Brasil. Do ponto de vista da instrução pública, o Ato Adicional à Constituição, de 1834, estabeleceu que cabia às províncias a administração do ensino elementar (primário e secundário) e às assembleias provinciais legislarem sobre a matéria. Somente o ensino superior (das poucas faculdades e academias no Brasil) e o ensino elementar da Corte caberia à Regência no Rio de Janeiro.
À medida que a década de 1830 avançava, a experiência liberal regencial passava a ser considerada como uma aproximação perigosa com a anarquia, que poderia representar ameaça real de ruptura territorial do Estado, de fim da monarquia e do sistema escravista que sustentava o Estado e a classe senhorial em formação no Brasil. Dá-se início a um período de reação conservadora, que implementava uma série de medidas que visavam a recentralização do Estado, o reforço das instituições imperiais, o controle do espírito liberal e anárquico, o restabilização do governo regencial, que acabaria culminando no golpe da maioridade, em1840. Uma das medidas que fazia parte do regresso conservador foi a recentralização das responsabilidades do Estado com o ensino público elementar. Algumas instituições foram criadas no final da década de 1830 visando a auxiliar na manutenção do Estado imperial e na criação de uma identidade nacional que compensasse os sentimentos patrióticos locais que moviam a maior parte das revoltas regenciais. Em 1837, foi criado o Colégio de Pedro II, instituição de ensino secundário de caráter modelar para o restante do Império. Em 1838 foram criados o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o Arquivo Público do Império, a quem cabiam as tarefas de reunir o patrimônio documental da jovem nação e de escrever a história do Brasil.
Essas instituições cumpriam o papel de ilustrar e civilizar os cidadãos, além de auxiliar a manter a ordem social, irradiando o modo de viver da boa sociedade imperial, que deveria se reproduzir e manter-se no poder, como classe dirigente. Era papel importante criar uma nação a partir da história, da literatura, das artes e da cultura e o ensino seria o polo irradiador dessa cultura da elite branca, livre e proprietária do Império, cabendo ao professor e aos colégios secundários a formação da classe dirigente e dos quadros burocráticos do Estado, e às escolas primárias, o controle e ordenamento do povo mais ou menos miúdo, livre, mas não branco e não proprietário, que precisava ser disciplinado a aceitar o seu papel naquela sociedade escravista hierarquizada e profundamente desigual. O Colégio Pedro II seria a instituição da elite do Império, responsável por formar a boa sociedade, os cidadãos que futuramente entrariam para a nobreza, para a burocracia estatal e para a política.
A criação do Pedro II foi a primeira iniciativa de criação de um colégio, com um curso organizado em disciplinas e em anos letivos. Antes, o que havia eram as aulas avulsas, herdeiras das aulas régias do período colonial e joanino, nas quais se aprendiam as matérias isoladamente e sem a necessidade de um plano de ensino. Os liceus existentes no Império antes do Colégio de Pedro II eram basicamente reuniões de aulas avulsas, sem organicidade, que eram cursadas isoladamente pelos alunos candidatos aos cursos superiores nas Academias Imperiais.
Inicialmente o curso secundário passou a ser dividido em 8 séries, nas quais haveria uma lista de matérias que eram obrigatórias e deveriam ser cursadas simultaneamente para que o aluno pudesse progredir. Os alunos dividir-se-iam em internos ou externos, pagantes ou gratuitos. O decreto de criação previa que esses últimos deveriam ser no máximo 11 internos e 18 externos. As matérias obrigatórias que se estudariam nos 8 anos seriam: línguas latina, grega, francesa e inglesa, gramática do português, retórica, poética, geografia, história, filosofia, zoologia, mineralogia, botânica, história natural, química física, aritmética, álgebra, geometria, trigonometria, mecânica e astronomia, além de aulas de religião católica. Vê-se que é uma educação voltada primordialmente para os estudos clássicos e para as humanidades, mas já havia a inclusão de matérias das ciências da natureza, voltadas para a formação de quadros técnicos entre os alunos.
O primeiro regulamento do colégio foi implementado em 31 de janeiro de 1838 e previa, entre outras determinações, a entrada de alunos com idades entre 8 e 12 anos, que tivessem instrução primária elementar e aptidões morais. Estabelecia as funções dos empregados, do reitor e dos professores, além do plano de estudos. Vários regulamentos foram introduzidos durante a vida do colégio, que promoveram mudanças no currículo, como a introdução da aula de alemão entre as línguas modernas (1841), das aulas de desenho e música (1838) e de ginástica (1841). A partir do regulamento de 1841 o curso também passava de 8 para 7 anos. No regulamento de 1855 as séries passaram a se dividir em duas classes: a primeira duraria 4 anos, e a segunda, 3 anos, totalizando os 7 anos. Em 1857 as classes passaram a se dividir entre 5 e 2 anos. A ideia era formar públicos distintos: os alunos que terminassem a primeira classe estariam aptos a exercer profissões de nível técnico, e os que concluíssem as duas classes estariam aptos a entrar no ensino superior, além de receberem o grau de bacharéis em Letras e Humanidades. Esse título só era conferido aos alunos do Pedro II, outros colégios ou liceus públicos ou particulares do Império não conferiam titulação ao final dos estudos. Esse sistema durou pouco, tendo sido suprimido em 1862. Ainda em 1857 o colégio foi dividido entre internato e externato, separados em diferentes locais: o externato permaneceria no Centro da cidade, no prédio litografado acima, enquanto o internato passaria para um prédio no Engenho Velho (atual Tijuca), mas os professores permaneciam os mesmos, para manter a unidade do ensino.
O primeiro quadro de professores do Colégio foi indicado pelo governo, pelo ministro do Império e possivelmente pelo próprio Imperador. Apesar de não serem muito bem remunerados, os professores do Pedro II estavam no topo da carreira dos professores da educação elementar, por vezes sendo considerados mais importantes mesmo que os professores das faculdades. Era grande prestígio ser professor do Colégio de Pedro II, o que garantia um lugar na elite letrada do Império.
Em 1849 Joaquim Manuel de Macedo foi indicado para a cadeira de Geografia e História Antiga, apesar de não ter nenhuma experiência no magistério ou mesmo nas áreas de História e Geografia. Em 1852 passou a acumular interinamente o cargo de professor de História do Brasil (ocupado por Gonçalves Dias). Em 1859 passaria a ocupar a cadeira como titular, quando a disciplina passou a ser Geografia e História do Brasil, e depois Corografia e História do Brasil (1860). Macedo se licenciou das atividades pedagógicas somente quando exerceu cargos de deputado, provincial e geral, e permaneceu no Colégio de Pedro II até o ano de sua morte.
A litografia acima traz o Colégio de Pedro II e a Igreja de São Joaquim. Construída em 1758, a igreja barroca dedicada a São Joaquim tinha mais 5 altares, com duas grandes torres e três grandes portas com portais de pedra, de acordo com Macedo. Em 1862/63, quando da publicação dos volumes do Passeio pela cidade do Rio de Janeiro, já não mais funcionava como igreja, tendo sido ocupada como Liceu de Artes e Ofícios. A imagem de São Joaquim ficava na sede do internato de Pedro II, no Engenho Velho. A igreja ficava na rua Larga de São Joaquim e foi demolida em 1904, no âmbito das reformas do prefeito Pereira Passos, para dar lugar à passagem da rua Marechal Floriano, na altura da avenida Passos.
Anexo à Igreja de São Joaquim funcionou o Seminário de São Joaquim, estabelecimento de ensino que antecedeu o Colégio de Pedro II. Em provisão de 8 de junho de 1739 o bispo Frei Antônio de Guadalupe criou o Colégio dos Órfãos de São Pedro, para atender aos meninos órfãos e desvalidos da cidade do Rio de Janeiro. Ainda segundo Macedo, em princípio funcionou nos fundos da Igreja de São Pedro (que ficava na rua de igual nome, que foi arrasada para a passagem da avenida Presidente Vargas), e tinha aulas de gramática latina, música e cantochão. Era um estabelecimento muito pobre e o ensino era voltado para encaminhar os órfãos desvalidos para a vida eclesiástica.
O colégio permaneceu no mesmo lugar até 1766, quando foi construído um prédio anexo à Igreja de São Joaquim, que tornou-se o Seminário de São Joaquim, instituição ainda voltada para os meninos desvalidos da Corte, que deixava oficialmente de ser um colégio, para preparar os rapazes para a vida religiosa. Em 1777 o seminário deveria receber até 26 meninos órfãos pobres gratuitos, mas recebia também alunos pagantes (pensionistas e meio-pensionistas) que se matriculavam para receber uma instrução elementar que permitisse depois concluir seus estudos nos Seminários de São José e da Lapa. Macedo ressaltava que os alunos pagantes recebiam uma educação e tratamento melhores do que os alunos gratuitos.
Quase todos os jovens que se matriculavam no Seminário de São Joaquim eram encaminhados ao sacerdócio. Em 1818, durante o período Joanino, o seminário teve suas atividades encerradas, mas foi reaberto em 1821. Passou por grandes dificuldades financeiras até 1831, quando o decreto de 12 de dezembro determinou uma reforma no prédio e no ensino, e que o colégio ficaria ao encargo da supervisão da Câmara Municipal do Rio de Janeiro. A principal medida adotada pelo decreto no tocante ao ensino foi a adoção de uma educação a todos, pensionistas ou órfãos, voltada para habilitá-los aos ofícios mecânicos. Criaram-se no renovado Seminário de São Joaquim as cadeiras de primeiras letras, pelo método lancasteriano ou mútuo, de matemáticas, de desenho e ensinavam-se ainda os ofícios de torneiro, entalhador, litógrafo e abridor (de gravuras). Também passou-se a ensinar o manejo de armas e os exercícios da guarda nacional. O Seminário de São Joaquim virava então uma outra instituição, com outra finalidade que não o encaminhamento para a vida eclesiástica. Entre 1831 e 1837, apesar da administração do colégio ser próspera, o ensino não avançava. O que levou à reforma de 2 de dezembro de 1837, quando passou a ser o Imperial Colégio de Pedro II. Para adaptar o prédio a ser o novo estabelecimento de ensino secundário da elite fluminense e brasileira, foi contratado o célebre arquiteto francês Grandjean de Montigny, que o fez entre 1837 e 1838 para receber os meninos da boa sociedade, em regime de internato e externato.
A litografia acima é exemplo de uma técnica introduzida no Brasil oficialmente em 1825 pelo suíço Johann Jacob Steinmann, que foi contratado pelo governo imperial para implantar uma oficina litográfica no Arquivo Militar do Rio de Janeiro, e nos 5 anos seguintes (de duração do contrato), gravar e imprimir a cartografia produzida pelo Real Corpo de Engenheiros. A produção de litografias regularmente se inicia no Brasil no âmbito do Estado. Apesar do contrato público do governo, Steinmann produziu trabalhos particulares na oficina do Arquivo Militar.
Antes de Steinmann, o francês Arnaud Jullien Pallière, que chegou ao Brasil em 1817, durante o período joanino, produziu as primeiras litografias de retratos e paisagens sob encomenda de d. João VI. Pallière trouxe consigo ao Brasil uma caixa litográfica de Senefelder (uma prensa portátil) e produziu a primeira litografia no Brasil, uma gravura de São Sebastião em 1818.
A litografia trata-se de uma gravura feita em pedra calcária, formando-se a imagem sem entalhe, em tinta gordurosa fixada com processo químico. O processo litográfico foi desenvolvido em meados da década de 1790 (acredita-se que em 1796) por um jovem dramaturgo bávaro Aloïs Senefelder, que publica em 1819 o livro A Arte da Litografia (L’art de la litographie), no qual descreve em detalhes a nova atividade gráfica.
A invenção da litografia foi um marco na produção de gravuras para impressão: o artista passava a ele mesmo desenhar sobre a pedra, eliminando a figura do gravador (que transpunha o trabalho feito pelo desenhista para a madeira ou o metal que era a base da impressão xilográfica, por exemplo). As imagens passaram a ser produzidas e reproduzidas com mais rapidez e em maiores tiragens, dada a maior resistência do material em relação a outras chapas e outros processos, como o xilográfico e o tipográfico. A litografia era um processo mais fácil, muito mais rápido e mais barato de produção de imagens, o que fez com que a técnica se popularizasse muito rapidamente, se aproximando do cotidiano das pessoas. Intensificam-se as reproduções de situações corriqueiras da sociedade oitocentista brasileira, produzindo-se vistas, tipos sociais e costumes para comercialização.
Desde a independência, ao longo de todo o século XIX, a impressão de litografias aumentou para atender a uma crescente demanda por imagens. Outras casas litográficas e litógrafos estrangeiros vieram para o Brasil para imprimir jornais, revistas, embalagens, rótulos, anúncios, cartazes, livros, etc. impulsionando o mercado privado. Já na década de 1830 a litografia começa a se espalhar pelas outras províncias do Império (entre as primeiras, Pernambuco, Bahia e Rio Grande do Sul). Outro marco da produção litográfica foi a chegada das prensas a vapor, que aumentaram significativamente a produção de litografias no início da década de 1870.
Em 1858 chegaram ao Brasil os irmãos alemães de Colônia Henrique e Carlos Fleiuss. Chegaram ao Brasil pelo Norte e percorreram algumas províncias daquela região antes de se estabelecerem definitivamente no Rio de Janeiro. Logo depois da chegada ao Rio de Janeiro, em 1859, montaram, juntamente com o litógrafo e pintor alemão Carlos Linde, a empresa Fleiuss Irmãos & Linde, dedicada a produção de imagens e reproduções gráficas. Em 1861 a empresa se torna o Instituto Artístico, e em 1863 começam as funções de escola de artes gráficas, ensinando sobretudo a técnica da xilogravura. Nesse mesmo ano, recebem do imperador d. Pedro II o título de Imperial Instituto Artístico pela excelência de seu trabalho e pelas contribuições dadas ao Império brasileiro. Primeiro estabelecimento de ensino sistemático das técnicas de gravura no país, o Imperial Instituto dedicou-se ao ensino da xilogravura, mas a litografia prosperou mais no país, impulsionada principalmente pelo jornalismo ilustrado. O Imperial Instituto Artístico destacou-se nessa relação entre a imprensa e a litografia, produzindo a primeira revista humorística ilustrada do Brasil, muito popular na Corte, a Semana Ilustrada (fundada em 1860, publicada aos domingos). O Instituto se ocupava ainda de pintura em óleo e aquarela e fotografia, além da xilografia e da litografia.
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