Discurso de Anielle Franco durante II Encontro Nacional de Mulheres Quilombolas da Conaq

O 2º Encontro Nacional de Mulheres Quilombolas é uma grande realização do Coletivo de Mulheres da Coordenação Nacional de Quilombos (CONAQ). Em 2014, tivemos o I Encontro Nacional de Mulheres Quilombolas, que trazia como lema “O protagonismo das Mulheres Quilombolas”. Agora, no 2º encontro, as mulheres convocam a resistência como sentido da existência.

A saudosa Dona Dijé, quilombola de Monte Alegre, São Luiz Gonzaga, Maranhão, liderança do Movimento das Quebradeiras de Coco Babaçu (o MIQCB), costumava cantar assim: “eu existo, porque alguém antes de mim, existiu. Porque alguém antes de mim, resistiu. Porque alguém antes de mim, foi lá. Plantar”.

O trabalho da mariscagem é um trabalho muito importante de cuidado com a fauna dos mares e dos rios. É duro quando a gente vê as lágrimas de Dona Maria de Fátima Linha Ferreira, do Alto do Tororó, Salvador, Bahia, quando ela fala “meu mangue tá morrendo”. E Dona Maria de Fátima é presidenta da associação de mulheres da sua região e corre atrás de alternativas de geração de renda para as mulheres que já não conseguem tirar seu sustento do mangue.

São vocês mulheres quilombolas - parteiras, benzedeiras, raizeiras - que cuidam da vida e da saúde do povo quilombola. A parteira Dona Zefa da Guia, do quilombo de Serra da Guia, Sergipe, ajudou a trazer ao mundo mais de 5 mil crianças!!!! Esse quilombo foi parcialmente titulado no dia 21 de março de 2023, como parte do pacote da igualdade racial, coordenado pelo Ministério da Igualdade Racial em parceria com o INCRA, MDA e outros órgãos.

Em cada bioma brasileiro, vocês, mulheres quilombolas, sabem reconhecer os “remédios do mato”, sabem onde buscar e onde cultivar essas plantas. Sabem como se prepara um chá, um xarope, um lambedor, um banho de assento.... Isso é um saber e tanto! Porque, além de cuidar das pessoas, vocês estão cuidando também das plantas, da terra, das águas. A Lucely Pio, da comunidade Quilombola do Cedro, em Mineiros, Goiás, com a Articulação Pacari de Plantas Medicinais do Cerrado, mostra lindamente esse saber.

A espiritualidade também passa muito pelas mulheres. Sebastiana Geralda Ribeiro da Silva - que ela agora esteja em paz no Orun - também conhecida como Mãe Tiana de Oxossi, com sua voz arrebatadora, tantas vezes cantou e encantou o seu Quilombo de Carrapatos da Tabatinga, Minas Gerais. E tantas vezes também sustentou as lutas nacionais do movimento quilombola aqui em Brasília. Um salve à Sandra da Silva, sua filha, e toda a descendência de Mãe Tiana, que segue na luta.

Sabemos que o cuidado com as crianças das comunidades é uma tarefa muito concentrada nas mulheres. Mulheres mães, mulheres educadoras. Como educadoras, além de ensinar as crianças, vocês também fazem um trabalho importante com os jovens e com os adultos, que muitas vezes aprendem a beleza das letras através de vocês. Givânia Maria da Silva, professora quilombola, liderança do coletivo de educação da CONAQ, está à frente de um belo trabalho de formação de meninas quilombolas com o Fundo Malala no Brasil.

E, por falar em juventude, as jovens quilombolas são as mantenedoras de tudo isso. São os elos que ligam passado e presente e projetam no futuro as lutas e conquistas do povo quilombola. Isabela da Cruz, do Quilombo de Paiol de Telha, em Guarapuava, Paraná, fala um pouco sobre isso no livro “Mulheres Negras em Primeira Pessoa”, organizado pela Articulação de Mulheres Negras Brasileiras – AMNB.

Vocês também são as conselheiras das comunidades, que mediam conflitos, que conversam aqui e acolá, e assim trabalham pra manter a união entre as famílias. E são vocês que estão nas instâncias de representação político-partidária, levando as pautas quilombolas para os espaços decisórios deste país. Rosalina dos Santos, a Rosinha do Quilombo do Tapuio, tem uma trajetória belíssima junto ao Partido dos Trabalhadores, em Queimada Nova, Piauí.

Tudo isso é muito valioso! No Ministério da Igualdade Racial, nós temos uma Secretaria dedicada à construção de políticas públicas para as comunidades quilombolas. Somos um Ministério que tem à frente um time de mulheres negras, a equidade de gênero e raça é uma prioridade para nós.

Assim, o Programa Aquilomba Brasil, mais uma das medidas do pacote pela igualdade racial, tem objetivos que tocam diretamente vocês, mulheres quilombolas. Objetivos que passam pela promoção da segurança e da soberania alimentar, pelo fortalecimento da educação escolar quilombola, pela garantia do acesso à saúde, pelo respeito aos saberes e fazeres da medicina tradicional quilombola, pelo combate às violências, dentre outros.

No Aquilomba Brasil, em conjunto com os outros Ministérios, estamos trabalhando na construção de um Plano Nacional de Titulação dos Territórios Quilombolas, uma demanda histórica da CONAQ e do movimento quilombola. Estamos também retomando a construção da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental Quilombola, a PGTAQ. Nessa construção a CONAQ também tem um papel de protagonismo e está junto conosco no Grupo de Trabalho de retomada da PGTAQ.

Estamos trabalhando também em alguns territórios que demandam uma ação urgente do Estado brasileiro, como o Território Étnico de Alcântara, Maranhão, no qual realizamos duas missões interministeriais, e Rio dos Macacos, em Simões Filho, Bahia, em que realizamos neste mês uma ação interministerial. Estivemos também no Quilombo de Caçandoca, Ubatuba, quando das chuvas que geraram um estado de alerta no litoral norte de São Paulo.

É isso, minha gente. Nesta fala, citamos algumas mulheres quilombolas, poderíamos ter falado de tantas outras.... Faço uma saudação final à Selma Dealdina, coordenadora do 2º Encontro Nacional de Mulheres Quilombolas da CONAQ. Que todas se sintam saudadas! E que nesses dias a gente possa colher os frutos do trabalho secular das mulheres quilombolas em defesa de seus territórios e plantar novas sementes. Contem com o Ministério da Igualdade Racial. Tamo Junta!