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Lei de criação das escolas de primeiras letras
Fundo: Leis
Código do Fundo: 4F
Notação: BR_RJANRIO_4F_0_0_0029
Data do documento: 15 de outubro de 1827
Local: Rio de Janeiro
Folha: 1-2v
Tamanho: 23,3 cm x 37,5 cm
Veja esse documento na íntegra
Carta de lei que criou as escolas de primeiras letras no Império do Brasil, assinada por d. Pedro I e pelo ministro da Justiça, José Feliciano Fernandes Pinheiro, visconde de São Leopoldo. A lei estabelecia que em todas as vilas e cidades populosas do Império devessem ser criadas escolas de primeiras letras, que ministrassem a instrução primária para os meninos, utilizando o método mútuo de ensino. As matérias que deveriam ser ensinadas eram: leitura e escrita, as quatro operações matemáticas, gramática do português, princípios da moral cristã e da religião católica (oficial do Império), além de noções de geometria prática. A lei tratava ainda da formação dos professores (que deveria ser por conta própria) e do provimento de seus cargos, até mesmo de seus ordenados.
A carta de lei estabelece também escolas para meninas em todas as vilas e cidades populosas do Brasil, nas quais os presidentes de província as achassem necessárias. Diferentemente dos meninos, o programa de aulas das meninas era diferente. Não teriam noções de geometria, se limitariam às quatro operações matemáticas, e teriam incluídas também o ensino das “prendas” que serviam à “economia doméstica”, como costura, bordados, entre outras práticas. Para o ensino das meninas seriam selecionadas mestras, que receberiam o mesmo ordenado dos mestres das escolas para meninos.
Outro artigo que destaca-se é o relativo aos castigos imputados nos alunos. A lei somente mencionava que seriam aplicados os castigos “praticados pelo método de Lencastre”. O método de Lencastre, ou método mútuo, já mencionado, abolia o uso de castigos físicos nas crianças, ficando limitados aos “castigos morais”, muito embora os castigos físicos tenham permanecido nas escolas do Império durante bastante tempo. Outro aspecto importante da lei, era que as escolas, tanto para meninos ou meninas, seriam gratuitas, o que garantia um sentido bastante liberal para a primeira lei do Império do Brasil que tratava sobre a educação da infância, sobretudo pobre.
Depois da Independência política, com a instalação da Assembleia Constituinte, ocorreram diversos debates sobre o problema da instrução no Império. Processo de construção do Estado iniciado, convinha tomar diversas medidas para garantir a adesão da população, especialmente das camadas “inferiores” da sociedade, ao Império do Brasil. Uma dessas medidas fundamentais era a educação. Além de promover a associação política da população ao Estado, era necessário também construir uma nação e garantir que tanto a “boa sociedade” quanto o “povo mais ou menos miúdo” (composto de livres, libertos pobres, brancos e pardos principalmente) se sentissem parte dela. Uma das propostas do governo era criar o ensino público elementar para que, em um verdadeiro processo civilizatório e disciplinador, a população mais pobre e livre do Império mantivesse a ordem social do jovem Estado monárquico e escravista. A criação das escolas de primeiras letras foi uma das poucas medidas tomadas pelo Estado que beneficiava além das elites cidadãs do Império. Já o ensino secundário e superior era reservado para a “boa sociedade”, as elites imperiais.
Não havia um projeto nacional de educação, ou um sistema nacional de ensino. Do período joanino foram herdadas poucas escolas, aulas régias e cadeiras públicas, e essas funcionavam de maneira bastante precárias, em casas de professores, fazendas no interior e nos poucos estabelecimentos de ensino. Ainda havia o ensino doméstico, feito quase sempre em casa por preceptores, nacionais ou estrangeiros. O método mais usado era o individual. O ensino durante o período imperial continuou fragmentado, tanto na Corte quanto nas províncias.
A lei de 15 de outubro de 1827 surgiu depois da outorga da Constituição de 1824, que previa “a instrução primária, e gratuita a todos os cidadãos”. A lei criava as escolas de primeiras letras em povoações populosas do Império e instituía também o método de ensino mútuo.
O método mútuo, ou lancasteriano, ou monitorial, foi criado entre finais do século XVIII e início do XIX na Inglaterra por Joseph Lancaster e Andrew Bell. Logo se espalhou pela Europa e pelos Estados Unidos da América, também chegando no Brasil ainda no período joanino. O método lancasteriano era principalmente oral, baseado na memorização e repetição e usava um sistema monitorial, no qual o mestre ensinava as lições a um grupo de alunos mais amadurecido e mais inteligente – os monitores – que se dividiam entre grupos de 10 alunos cada e ensinavam o que o professor havia instruído previamente. Além de ensinar, o monitor também coordenava os grupos de alunos para que corrigissem seus erros entre si, e ainda eram os responsáveis pela organização geral da escola, limpeza e manutenção da ordem – o método mútuo exigia rígida disciplina para que funcionasse corretamente. Os alunos deveriam se sentar em bancos de madeira em um salão retangular grande e arejado, sem divisórias entre os grupos. Os mestres supervisionavam os monitores e os grupos de alunos.
Entre as vantagens do método monitorial para a educação elementar estava a possibilidade de ensinar grandes quantidades de alunos com poucos professores, e por isso mesmo o baixo custo, além de que o ensino seria mais rápido do que usando o método individual. A partir de meados do século XIX, o método lancasteriano começa a ser substituído pelo método simultâneo, no qual os professores explicam as matérias a grupos de alunos (as classes) de uma vez.
O método mútuo vai sendo substituído porque apresentava, no Brasil, problemas para os quais não havia solução (como a falta de recursos para financiar a educação): as escolas não eram espaços construídos com essa função, nem mesmo eram sempre prédios do Estado, eram improvisadas em igrejas, salões, prédios comerciais, casas de professores que não tinham o tamanho e o equipamento necessário para sua correta aplicação. Além desses problemas, havia até mesmo a falta de alunos, e a falta de professores qualificados – de acordo com a lei cada professor deveria custear por sua própria conta o aprendizado do novo método –, e ainda era preciso atender a todas as exigências curriculares e ter conhecimento em todas as matérias que a lei demandava. Poucos mestres atingiam os requisitos, o que levou a contratação de professores não completamente habilitados para a função, com salários mais baixos do que os estabelecidos na própria lei.
Transcrição
Dom Pedro Primeiro por graça de Deus e unânime aclamação dos povos Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil: Fazemos saber a todos os nossos súditos que a Assembleia Geral decretou, e nós queremos a lei seguinte.
Artigo 1º. Em todas as cidades, vilas, e lugares mais populosos haverá as escolas de primeiras letras, que forem necessárias.
Artigo 2º. Os presidentes das províncias, em conselho, e com audiência das respectivas câmaras, enquanto não tiverem exercício os conselhos gerais, marcarão o número, e localidades das escolas, podendo extinguir as que existem em lugares pouco populosos, e remover os professores delas para as que se criarem, onde mais aproveitem, dando conta à Assembleia Geral para final resolução.
Artigo 3º. Os presidentes, em conselho, taxarão interinamente os ordenados dos professores, regulando-os de duzentos mil reis a quinhentos mil reis anuais: com atenção às circunstâncias da população, e carestia dos lugares, e o farão presente à Assembleia Geral para a aprovação.
Artigo 4º. As escolas serão de ensino mútuo nas capitais das províncias; e o serão também nas cidades, vilas, e lugares populosos delas, em que for possível estabelecerem-se.
Artigo 5º. Para as escolas do ensino mútuo se aplicarão os edifícios, que houver com suficiência nos lugares delas, arranjando-se com os utensílios necessários à custa da Fazenda Pública; e os professores, que não tiverem a necessária instrução deste ensino, irão instruir-se em curto prazo, e à custa dos seus ordenados, nas escolas das capitais.
Artigo 6º. Os professores ensinarão a ler, escrever, as quatro operações de Aritmética, prática de quebrados, decimais, e proporções, as noções mais gerais de Geometria prática, a Gramática da língua nacional, e os princípios da moral cristã, e da doutrina da religião católica, e apostólica romana, proporcionados à compreensão dos meninos; preferindo para as leituras a Constituição do Império, e a História do Brasil.
Artigo 7º. Os que pretendem ser providos nas cadeiras serão examinados publicamente perante os presidentes, em conselho; e estes proverão o que for julgado mais digno, e darão parte ao governo para sua legal nomeação.
Artigo 8º. Só serão admitidos à oposição, e examinados, os cidadãos brasileiros, que estiverem no gozo de seus direitos civis, e políticos, sem nota na regularidade de sua conduta.
Artigo 9º. Os professores atuais não serão providos nas cadeiras, que novamente se criarem, sem exame, e aprovação, na forma do artigo sétimo.
Artigo 10º. Os presidentes em conselho, ficam autorizados a conceder uma gratificação anual, que não exceda à terça parte do ordenado, àqueles professores, que por mais de doze anos de exercício não interrompido, se tiverem distinguido por sua prudência, desvelos, grande número, e aproveitamento de discípulos.
Artigo 11º. Haverá escolas de meninas nas cidades, e vilas mais populosas, em que os presidentes, em conselho, julgarem necessário este estabelecimento.
Artigo 12º. As mestras além do declarado no artigo sexto, com, exclusão das noções de Geometria, e limitando a instrução da Aritmética só às suas quatro operações, ensinarão também as prendas que servem à economia doméstica; e serão nomeadas pelos presidentes, em conselho, aquelas mulheres que sendo brasileiras, e de reconhecida honestidade, se mostrarem com mais conhecimentos nos exames, feitos na forma do artigo sétimo.
Artigo 13º. As mestras vencerão os mesmos ordenados, e gratificações concedidas aos mestres.
Artigo 14º. Os provimentos dos professores, e mestras serão vitalícios; mas os presidentes, em conselho, a quem pertence a fiscalização das escolas, os poderão suspender, e só por sentenças serão demitidos, provendo interinamente quem substitua.
Artigo 15º. Estas escolas serão regidas pelos estatutos atuais no que se não opuserem à presente lei; os castigos serão os praticados pelo método de Lencastre.
Artigo 16º. Na província, onde estiver a Corte, pertence ao ministro do Império, o que nas outras se incumbe aos presidentes.
Artigo 17º. Ficam revogadas todas as leis, alvarás, regimentos, decretos, e mais resoluções em contrário.
Mandamos portanto a todas as autoridades, a quem o conhecimento, e execução da referida lei pertencer, que a cumpram, e façam cumprir, e guardar tão inteiramente como nela se contém. O Secretário d’Estado dos Negócios do Império e faça imprimir, publicar, e correr. Dada no palácio do Rio de Janeiro aos quinze dias do mês de outubro de mil oitocentos e vinte sete, sexto da Independência e do Império.
Imperador P.
Visconde de São Leopoldo
Carta de Lei, pela qual Vossa Majestade Imperial manda executar o decreto da Assembleia Geral Legislativa, que houve por bem sancionar, sobre a criação de escolas de primeiras letras em todas as cidades, vilas, e lugares mais populosos do Império, na forma acima declarada.
Para Vossa Majestade Imperial ver
Registrada a f. 180 etc. do livro 4º de registro de cartas, leis e
alvarás. Secretaria d’Estado dos Negócios do Império
em 29 de outubro de 1827.
Albino dos Santos Pereira
Monsenhor Miranda
Foi publicada esta carta de lei,
nesta Chancelaria Mór do Império
do Brasil. Rio de Janeiro 31 de
outubro de 1827.
Francisco Xavier Raposo de Albuquerque
Registrada na Chancelaria Mór do Império
do Brasil a folha 86 do livro 1º de cartas, leis
e alvarás. Rio de Janeiro 341 de outubro de
1827.
Demétrio José da Cruz
Joaquim José Lopes a fez
Referências bibliográficas
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