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Ordens honoríficas (69)
As ordens honoríficas foram instrumentos fundamentais para a organização política do Império brasileiro. Através delas, os imperadores angariavam favores e fidelidade em troca de status e reconhecimento que atendiam a um desejo de nobreza existente na sociedade imperial.
A origem das ordens militares religiosas – presentes na história brasileira – remonta às Cruzadas, no século XII, quando essas organizações foram peças importantes para a conquista e manutenção de territórios. Inicialmente ligadas à Igreja, elas passaram a ser administradas diretamente pelos reis portugueses no século XVI e tiveram papel central nas grandes navegações onde tinham a função da expansão da religião cristã (SILVA, 2014). O contexto político, as alterações administrativas e as disputas entre igreja e estado para a gestão das ordens honoríficas variam de país para país. Aqui tratamos especificamente do caso português e brasileiro.
Por intermédio dos representantes da Coroa, as ordens de Cristo, São Bento de Avis e Santiago da Espada chegaram em terrasbrasileiras. As poucas honrarias distribuídas durante o período colonial estavam associadas ao domínio e defesa do território, fazendo dos baianos, pernambucanos e maranhenses os mais agraciados por conta do enfrentamento às investidas holandesas e francesas. As ordens honoríficas passaram, efetivamente, a fazer parte do contexto social e político com a chegada da corte portuguesa, em 1808, e com a adoção de uma estratégia de utilização dos hábitos (indumentária distintiva dos agraciados) como mecanismos de favorecimento da Coroa.
Havia, desde a publicação da carta de lei de 19 de junho de 1789, assinada por d. Maria I, um tipo de distinção funcional entre as ordens que compreendia a ordem de Avis, como dedicada a reconhecer serviços de caráter militar, a de Santiago, em favor das pessoas que servissem na magistratura e outros serviços qualificados, e a de Cristo, para os maiores postos e cargos políticos, militares e civis. Do mesmo documento, consta a estruturação hierárquica dentro de todas as três ordens, composta – em ordem de importância – pelos grã-cruzes, comendadores e cavaleiros.
Uma das primeiras medidas de d. João VI em território brasileiro foi a instauração da ordem da Torre e Espada – rememorando a ordem da Espada, até então a única ordem puramente política do reino português, criada por d. Afonso V, em 1459 – com objetivo de celebrar sua chegada ao Brasil e recompensar os serviços de estrangeiros britânicos que o acompanharam na viagem e que, por motivos religiosos, não se qualificariam para receber as mercês das ordens existentes.
Dez anos mais tarde, em 1818, d. João criou a ordem militar de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, em sinal de devoção à Santíssima Virgem da Conceição, padroeira do reino de Portugal, de agradecimento pela proteção concedida à monarquia portuguesa dos “grandes perigos que a cercam pela geral revolução da Europa” (alvará de regulação da ordem, 1819) e em celebração à sua aclamação, após a morte de sua mãe, d. Maria I. Os estatutos da ordem de Vila Viçosa apontavam a criação de uma nova graduação para os agraciados, a de “servente”, que, hierarquicamente, se colocava abaixo dos cavaleiros, apontando para a expansão do uso das ordens honoríficas enquanto instrumentos para angariar favores e lealdade ao Rei.
Após a Independência, d. Pedro I reforçaria essa estratégia por meio da manutenção das ordens militares portuguesas (que em 1843, passariam por nova regulação em que seria extinto seu caráter religioso) e da criação de três novas ordens durante seu reinado no Brasil.
A ordem imperial do Cruzeiro, criada em 1822, por d. Pedro I, em celebração à sua aclamação, foi a primeira ordem do Império do Brasil e, portanto, a primeira a incorporar símbolos que remetem ao território. Ela traz em seu nome e sua estética a representação da constelação do Cruzeiro do Sul, somente visível da porção austral do globo, apontando para a criação de uma identidade própria em um processo de afastamento das raízes portuguesas. A ordem do Cruzeiro teve papel importante na consolidação da Independência do Brasil. O número ilimitado de cavaleiros – previsto no decreto de 1º de dezembro de 1822 – permitiu que o imperador expandisse seu círculo de fiéis, angariando apoio em troca de status.Em movimento oposto, d. Pedro I assina, em 1826, a criação da ordem de Pedro Primeiro, fundador do Império do Brasil. Se por um lado o decreto de criação da ordem é justificado pelo reconhecimento da Independência do Império brasileiro, por outro, a estética escolhida para os as insígnias da ordem – dragão dourado sobre fita/faixa verde – configura uma clara alusão à casa de Bragança, cuja dinastia reinou em Portugal do século XVII ao XX. Três anos depois, em 1829, por ocasião de seu casamento com d. Amélia, d. Pedro I criaria, ainda, a ordem da Rosa, destinada a brasileiros e estrangeiros que se distinguissem por fidelidade ao imperador e por serviços feitos ao Império. Novamente, o número total de possíveis agraciados fora expandido a fim de expandir as possibilidades de apoio ao imperador.
A continuidade do emprego das ordens militares portuguesas e a criação de novas ordens por d. Pedro I gerou largas críticas dos opositores à Coroa tanto sobre a prática em si – que era encarada como uma busca de legitimação por meio da continuação dos costumes do Império português –, quanto sobre a arbitrariedade, personalização e centralização do processo de escolha e distribuição das honrarias. Nenhuma das críticas, entretanto, diminuiu a importância das condecorações que continuaram a ser amplamente solicitadas e disputadas enquanto símbolo de status e dignidade durante o período do Império.
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Ordens honoríficas instauradas por d. João VI em território brasileiro |
Ordens honoríficas mantidas após a Independência |
Ordens honoríficas criadas por d. Pedro I |
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Quadro 1 - Ordens honoríficas do Brasil Oitocentista (1808-1889)
Nos documentos selecionados é possível perceber como o Império brasileiro utilizou-se das ordens honoríficas para agraciar servidores de alto escalão,
reconhecer serviços prestados, recompensar doações feitas à Nação e valorizar os esforços de oficiais e praças em tempos de guerra.Todos os documentos aqui tratados fazem parte do fundo Ordens Honoríficas (BR RJANRIO 69) e podem ser acessados por meio do Sistema de Informações do Arquivo Nacional – SIAN (https://sian.an.gov.br/).
Referências
RIBEIRO FILHO, João de Souza. Ordens Honoríficas Nacionais e Estrangeiras. Rio de Janeiro: Ed. O Cruzeiro, 1955.
POLIANO, Marques. Ordens honoríficas do Brasil (história, organização, padrões, legislação). Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1943.
TRIGUEIROS, Antônio Forjaz Pacheco. As Ordens Militares portuguesas no Império do Brasil 1822-1889. In: Anais do Museu Histórico Nacional. Rio de Janeiro, v. 43, 2011, p. 201-230.
PINHEIRO, Artidoro Augusto Xavier. Organização das Ordens Honoríficas do Império do Brasil. São Paulo: Typographia de Jorge Seckler & C, 1884.
SILVA, Camila Borges da. As ordens honoríficas e a Independência do Brasil: o papel das condecorações na construção do Estado Imperial brasileiro (1822-1831). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2018.
Documentos:
D. Pedro I nomeia o desembargador Antonio Augusto Monteiro de Barros, Comendador da Ordem de Cristo em reconhecimento aos bons serviços prestados.
- BR_RJANRIO_69_CAI_OCR_7873002
D. Pedro II nomeia Hermann Blumenau, Cavaleiro da Ordem de Cristo pelos serviços prestados no recenseamento da população na província de Santa Catarina.
- BR_RJANRIO_69_CAI_OSB_7851500
Princesa Imperial Regente nomeia o Dr. Felix Moreno Brandão, Cirurgião Mor de Brigada, Cavaleiro da Ordem de São Bento de Aviz
- BR_RJANRIO_69_CAI_OIC_788316
D. Pedro II nomeia três militares, Cavaleiros da Ordem do Cruzeiro, pelos serviços prestados em defesa da ordem pública, na Província de Pernambuco.
- BR_RJANRIO_69_CAI_OST_786059
D. Pedro I ratifica a nomeação de Antonio Theodoro do Espírito Santo Cardoso, que havia sido condecorado com o hábito da Ordem de Santiago por seu pai, D. João VI.




