Entrevista concedida pelo Presidente Lula ao Jornal da Record
CHRISTINA LEMOS – Presidente, muito obrigada por conversar conosco diretamente aqui no Palácio da Alvorada e, principalmente nesse dia tão importante, esse dia em que o Brasil amanhece mergulhado em incertezas políticas, econômicas, por conta dessa decisão do governo americano, anunciada no dia de ontem, de taxar os produtos brasileiros em 50%, isso passando a valer a partir de 1º de agosto. O senhor já fez uma primeira manifestação nas redes sociais e sinalizou com a reciprocidade, ou seja, taxar de volta os produtos americanos. É por aí mesmo, presidente?
PRESIDENTE LULA – Christina, a primeira coisa que é importante ficar clara para o povo brasileiro é que quem tem que respeitar o Brasil e gostar do Brasil são os brasileiros. E, ao mesmo tempo, exigir que os outros respeitem a gente. O Brasil é um país que não tem contencioso com ninguém. Aqui tudo se resolve em uma conversa.
Olha, eu achei que a carta do presidente Trump [Donald, presidente dos Estados Unidos da América] era um material apócrifo, porque não é costume você ficar mandando correspondência para o presidente através do site do presidente da República. O Brasil é um país que, se o presidente Trump conhecesse um pouquinho do Brasil, ele teria mais respeito com o Brasil. O Brasil tem 201 anos de relação com os Estados Unidos.
Uma relação diplomática, uma relação virtuosa, uma relação de benefício para ambos os lados. Eu me dei bem com todos os presidentes, eu me dei bem com Clinton [Bill Clinton, ex-presidente dos EUA], eu me dei bem com Bush [George W. Bush, ex-presidente dos EUA], eu me dei bem com Obama [Barack Obama, ex-presidente dos EUA], eu me dei bem com Biden [Joe Biden, ex-presidente dos EUA]. Ou seja, o Brasil é um país de conversa.
Olha, o que você não pode é receber uma carta onde nem verdadeira a carta é o que diz respeito à questão comercial. Primeiro, na questão da soberania do Brasil, nós queremos que ele respeite o Brasil. Segundo, na questão da justiça brasileira, eles têm que respeitar a justiça brasileira, como eu respeito a americana.
Se o que o Trump fez no Capitólio, ele tivesse feito aqui no Brasil, ele estaria sendo processado como Bolsonaro e arriscado a ser preso, porque feriu a democracia, porque feriu a Constituição. E eu não me meto no Poder Judiciário, porque aqui o Poder Judiciário é autônomo, sobretudo a Suprema Corte. Terceiro, quando ele fala da questão das empresas dele, de plataformas, é importante que ele entenda que aqui no Brasil quem estabelece as regras é o Brasil.
É o Congresso Nacional, é o Poder Judiciário. E ele não pode ficar dizendo que o Brasil não pode fazer nada com as empresas que não estão respeitando a legislação brasileira. Aqui respeita!
A terceira coisa, quando ele fala da carta de comércio, é um total desconhecimento. Ele acha que os Estados Unidos têm déficit com o Brasil? Não é verdade. Se você pegar o ano passado, nós exportamos US$ 40 bilhões e importamos US$ 47 [bilhões], foi um déficit de US$ 7 [bilhões]. Mas se você pegar nos últimos 15 anos, importação e serviços, nós temos um déficit de US$ 410 bilhões em 15 anos.
Será que a assessoria dele não tem sabedoria de explicar, para ele não fazer uma afronta dessa a um outro país? E não é só com o Brasil, ele tem tentado fazer com o mundo inteiro. Então, do ponto de vista político, nós vamos tomar a seguinte medida: primeiro, do ponto de vista diplomático, tem várias medidas para serem tomadas, o Itamaraty vai tomar.
A gente pode recorrer à OMC (Organização Mundial do Comércio), a gente pode mandar investigação com outros países, cobrando dos Estados Unidos coerência. Mas o que mais vai valer é o seguinte: nós temos a Lei da Reciprocidade que foi aprovada no Congresso Nacional. E não tenha dúvida que, primeiro, nós vamos tentar negociar.
Mas se não tiver negociação, a lei da reciprocidade será colocada em prática. Se ele vai cobrar 50% de nós, nós vamos cobrar 50% dele. Agora, o que é importante ficar claro, Christina, é que o ex-presidente da República deveria assumir a responsabilidade porque ele está concordando com a taxação do Trump ao Brasil.
Aliás, foi o filho dele [deputado Eduardo Bolsonaro] que foi lá fazer a cabeça do Trump, que começa uma carta tentando fazer um julgamento de um processo que está na mão da Suprema Corte. Um processo que não tem julgamento político, não. O que está sendo julgado são os autos do processo, que vai ter uma decisão da Suprema Corte.
E se os autos disserem que a pessoa errou, vai ser condenada. É assim que é o Brasil. É assim que somos nós.
Respeito é bom, eu gosto de dar e gosto de receber. Aqui é o seguinte: fez alguma coisa contra nós, terá reciprocidade. Não pensem que nós temos complexo de vira-lata, que estamos preocupados, estamos com medo, não.
Obviamente que nós temos uma preocupação com o Brasil e tem uma preocupação com os Estados Unidos também, porque eu tenho certeza que ele está falando com o povo dele, pensando eleitoralmente. Aqui, eu estou pensando que esse país quer continuar crescendo. Esse país quer melhorar de vida.
E nós queremos ter relação com todo mundo. Possivelmente, o Trump tenha ficado preocupado com a reunião do BRICS. E é engraçado, porque como ele não estava na reunião do G7, nós fomos três países do BRICS para o G7. Índia, Brasil e África do Sul. Ainda estavam mais o México e a Coreia [do Sul]. Só para ter uma ideia. O BRICS tem dez países que participam do G20.
Qualquer dia, eu vou mandar chamar ele para participar do BRICS. Se quiser vir, nós vamos convidar, ele vem e participa. O que não pode é ele pensar que ele foi eleito para ser xerife do mundo, ele foi eleito para ser presidente dos Estados Unidos. Ele pode fazer o que ele quiser dentro dos Estados Unidos. Aqui no Brasil, quem manda somos nós, brasileiros. É isso.
Por isso, eu fiquei decepcionado. Fiquei decepcionado, porque a relação do Brasil com os Estados Unidos é uma relação muito civilizada. É uma coisa muito forte, muito boa.
São dois séculos de relação. Nós devemos muito para a relação com os Estados Unidos. Eles devem a gente também. E, de repente, um presidente vem e acha que pode mandar. “Cumpra!”
Não é assim. A democracia não permite isso. A civilidade não permite isso. E a diplomacia, muito menos. Portanto, nós vamos fazer aquilo que for bom para o Brasil.
CHRISTINA LEMOS – Presidente, muita gente associa essa iniciativa do governo americano, como o senhor acaba de mencionar, à realização da reunião do BRICS, à pauta do BRICS, e, particularmente, à menção a uma criação de uma moeda, de uma outra forma de trocas comerciais, que não seja lastreada no dólar. O senhor acha que esse ponto ajudou a verve do presidente Trump a escrever uma carta tão dura?
PRESIDENTE LULA – Eu não sei. A carta não é mais dura do que algumas coisas que ele já tinha falado. Ele chegou a dizer outro dia que, “se criar uma moeda, que ele vai punir os países”. É importante ficar claro para o povo brasileiro o seguinte: em 2004, eu nem sabia que o Trump um dia seria presidente da República dos Estados Unidos.
Nós já fizemos um acordo com a Argentina para que houvesse exportação entre Brasil e Argentina nas nossas moedas. E nós temos interesse, isso é verdade. Nós temos interesse de criar uma moeda de comércio entre os outros países.
Eu não sou obrigado a comprar dólar para fazer relação comercial com a Venezuela, com a Bolívia, com o Chile, com a Suécia, com a União Europeia, com a China. A gente pode fazer nas nossas moedas. Por que eu sou obrigado a ficar lastreado pelo dólar, que eu não controlo, se quem tem uma máquina de produzir o dólar são os Estados Unidos e não nós? Então, veja, não tem nenhum problema.
E depois, se ele tivesse divergência, o correto seria, em uma reunião do G20, ele levantar o problema. Vamos fazer uma discussão civilizada. Nos convença. Vamos discutir. O que ele não pode é agir como se ele fosse dono dos outros. Eu falo o que quero… Eu vou dizer uma coisa para você: “quem fala o que quer, ouve o que não quer”.
Ele tem que saber disso. Isso é um ditado muito popular aqui no Brasil. Você não vê o Brasil desacatando e ofendendo nenhum país. Nenhum presidente nosso. O único que fez uma bobagem muito grande foi o ex-presidente [Jair Bolsonaro], que não recebeu o Macron aqui, porque a mulher do Macron era velha. Vê se tem cabimento? É essa irracionalidade que estava aqui, que está lá nos Estados Unidos agora.
Então, Christina, o Brasil é um país do bem. A gente gosta de ser alegre. A gente gosta de ser bom. A gente gosta de carnaval. A gente gosta de futebol. A gente gosta de religião. A gente gosta de tudo. A única coisa que nós não suportamos é alguém querer ser melhor do que nós e fazer desaforo para nós.
CHRISTINA LEMOS – Presidente, qual a orientação do senhor hoje para a área técnica para os negociadores do Itamaraty?
PRESIDENTE LULA – Olha, tanto o Itamaraty quanto o nosso MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços), já vem conversando com os Estados Unidos. Já vinham conversando desde a taxação dos 10%. Veja, do ponto de vista diplomático, nós temos que recorrer à OMC.
Junto com a OMC, você pode encontrar um grupo de países que foram taxados pelos Estados Unidos e, juntos, entrar com recurso na OMC. Isso tem toda uma tramitação que a gente pode fazer. Se nada disso der resultado, nós vamos ter que fazer a Lei da Reciprocidade.
CHRISTINA LEMOS – E o Brasil tem condição de proteger o setor produtivo? Que está super preocupado.
PRESIDENTE LULA – Nós vamos ter que proteger. Nós vamos ter que procurar outros parceiros para comprar nossos produtos. Porque o comércio entre o Brasil e os Estados Unidos tem apenas 1,7% do PIB. Não é essa coisa que a gente não pode sobreviver sem os Estados Unidos. Não é assim.
Obviamente que nós gostamos de vender. Nós vendemos US$ 40 bilhões. Eu gostaria de vender US$ 50, US$ 60, US$ 70. Mas nós não abriremos mão da reciprocidade. Enquanto isso, vamos tentar negociar. O mandato de um presidente só dura 4 anos.
Daqui a pouco, quem sabe, tem outro presidente que quer negociar. E a gente, enquanto isso, vai procurando novos parceiros. Eu, por exemplo, em outubro, sou convidado para participar do Encontro da ASEAN (Associação de Nações do Sudeste Asiático).
São 10 países asiáticos, muito importantes do ponto de vista econômico. E eu vou lá para fazer parceria estratégica com os países da Ásia e vou lá para fazer negócio. Se os Estados Unidos não querem comprar, vamos procurar quem quer comprar.
CHRISTINA LEMOS – Presidente, vamos voltar nossos olhos agora para os programas sociais que o senhor pretende implantar agora nessa segunda etapa de governo. Temos aqui elencados cinco programas: Tarifa zero de eletricidade para os mais pobres. Crédito para a reforma da casa para a classe média. Gás para todos. Troca de moto para moto-entregadores.
Sem falar na questão do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, que eu vou abordar daqui a pouquinho. Qual é o horizonte de implantação disso? O senhor acha que consegue concluir esse mandato com tudo isso implantado?
PRESIDENTE LULA – Eu acho que nós vamos concluir. Christina, é uma coisa que a gente vai descobrindo com o tempo. De vez em quando as pessoas perguntam: “por que o Lula não pensou nisso antes?”
Nem sempre a gente lembra de tudo que a gente poderia fazer e muitas vezes as pessoas morrem sem ter feito tudo que queria fazer. A gente vai descobrindo as coisas. E eu estou em um momento em que eu acho que é preciso fazer justiça com o povo pobre desse país. Fazer uma justiça tributária.
Nós fizemos uma medida provisória garantindo que quem usa até 80 kilowatts de energia tem pagamento zero. E quem consome até 120 só vai pagar a diferença entre 80 e 40. Só para ter ideia.
Nós estamos pensando em fazer um grande programa habitacional. Eu espero que no final deste mês a gente possa lançar um programa infinitamente maior do que o Minha Casa, Minha Vida. Ele é tão grande que eu não posso te falar o que vai ser. Mas vai anunciar esse mês ainda.
E também vamos fazer um programa de reforma de casa. Porque, às vezes, a Christina não quer comprar uma casa. Mas ela queria fazer um quarto para o filho dela que passou na universidade ou para o neto dela.
Então, nós vamos abrir uma linha de crédito para as pessoas que querem fazer uma reforma. E também nós vamos ter uma linha de crédito para construir casa para a classe média. Às vezes, a pessoa ganha 10 salários mínimos, 12 salários mínimos, 15 salários mínimos. E a pessoa não quer comprar uma casa do Minha Casa, Minha Vida. A pessoa quer comprar uma casa maior. Um quintal maior, um apartamento maior. E nós, então, precisamos fazer com que essa gente tenha o direito de comprar a sua casa.
Outra coisa é a questão das motos. Nós estamos trabalhando muito, estudando muito, conversando com muita gente. Porque nós queremos garantir primeiro uma moto que seja mais moderna e que seja mais econômica do ponto de vista do combustível. Talvez uma moto elétrica. E também não é só a moto que nós estamos procurando financiar.
Nós estamos procurando financiar uma moto junto com capacete. E também criar um lugar para esse menino e essa menina que entrega comida, que entrega qualquer outra coisa, que ele tenha um lugar para lavar as mãos. Que ele tenha um banheiro para utilizar. Ele não pode ficar abandonado como é hoje. Então, nós estamos cuidando disso com muito carinho.
Uma coisa que você falou, que é verdade, é o Imposto de Renda. O Imposto de Renda, Christina… a maior política de distribuição de renda que você faz no mundo é através do Imposto de Renda. E nós fizemos o quê? Nós estamos isentando as pessoas que ganham até R$ 5 mil por mês. E estamos taxando as pessoas que ganham acima de um milhão por ano.
Ou seja, nós estamos pedindo: “Olha, os que ganham muito vão ter que dar um pouquinho para a gente favorecer aqueles que ganham menos”. Isso chama-se justiça tributária, isso não chama aumento de imposto.
É uma coisa normal que todo mundo dos países envolvidos fazem. Eu quero criar um Brasil, Christina, um Estado de bem-estar social. Eu não quero mais ficar achando que Bolsa Família resolve o problema, que política de distribuição de dinheiro [resolve]… não.
O país que eu quero, as pessoas vão ter que viver através do seu trabalho. E aqueles que não têm possibilidade de trabalhar, o governo trata de criar políticas públicas para ele. Então, nós vamos fazer essas coisas.
Uma coisa que você esqueceu de colocar aqui é o Agora Tem Especialista.
CHRISTINA LEMOS – Na área de saúde.
PRESIDENTE LULA – Por que, como é que acontece normalmente no Brasil? O povo que usa o SUS (Sistema Único de Saúde), eles vão ao médico. Chega no médico, o médico constata que ele tem uma doença. Aí, o médico pede um especialista. Quando ele vai marcar o especialista, demora 10 meses.
Aí quando ele chega no especialista, depois de 10 meses, o especialista pede para ele fazer uma tomografia. Uma ressonância magnética. Aí demora mais 10 meses. E, às vezes, a doença não espera, a pessoa morre.
Então ,nós agora estamos trabalhando, é um acordo que a gente quer fazer com toda a iniciativa privada, com as Santas Casas, para que a gente resolva esse negócio. O cidadão vai ao médico, vai pedir um especialista, em menos de 30 dias ele tem que ter [acesso a] esse especialista. Ele tem que ter a máquina. Se eu posso ter, por que ele não pode ter? Então, essas coisas vão acontecer, Christina, porque é necessário a gente cuidar do povo.
Então, a questão da energia, a questão da reforma da casa, a questão dos entregadores de alimentos, a questão das plataformas. Nós precisamos tratar isso com muito respeito.
As pessoas não podem ser abandonadas entregando comida, sentindo fome, sentindo o cheiro da comida no nariz sem ter o dinheiro para comer. É preciso que a gente pense até na criação de um vale-refeição, para que esses meninos possam comer.
Fazer isso não é fazer populismo, não. Fazer isso significa fazer política social, com inclusão social, dos milhões de deserdados que nunca foram lembrados nesse país, a não ser na época da eleição.
CHRISTINA LEMOS – Presidente, o senhor acredita que o Congresso vai ajudá-lo nessa tarefa? A gente está vendo aí a questão da isenção do Imposto de Renda, ainda enterrada, e esse pacote de medidas sociais projeta o senhor eleitoralmente. O senhor acha que isso vai interferir na decisão do Congresso? E mais, como está a sua relação hoje com a cúpula do Congresso, com o Hugo Motta [presidente da Câmara dos Deputados] e com o senador Alcolumbre [Davi Alcolumbre, presidente do Senado Federal]?
PRESIDENTE LULA – Olha, você sabe que eu não me queixo do Congresso. Com todas as divergências que eu possa ter, partidárias, é importante que o povo brasileiro saiba. O meu partido só elegeu 70 deputados em 513 e só elegeu 9 senadores em 81. Isso me indica que eu tenho um caminho a fazer.
É negociar. É conversar com as forças políticas para construir a possibilidade de governar esse país. E justiça seja feita. Até agora nós aprovamos 99% de tudo que nós mandamos. Nós aprovamos um Arcabouço Fiscal, aprovamos uma Reforma Tributária que o país esperava há mais de 40 anos e aprovamos uma PEC da Transição porque a gente não conseguia começar a governar o Brasil porque o outro deixou o país quebrado.
Então, eu sou grato ao Congresso que tem me ajudado muito. Teve um problema na questão do IOF [Imposto sobre Operações Financeiras], vai ser resolvido. Você vai ver.
CHRISTINA LEMOS – O senhor vai insistir no IOF? Porque os seus líderes dizem o seguinte: “se não entrar o dinheiro do IOF, vai ter que cortar R$ 10 bilhões”. O senhor trabalha com essa hipótese de cortar 10 bilhões?
PRESIDENTE LULA – Os deputados sabem que se eu tiver que cortar R$ 10 bilhões, eu vou cortar das emendas deles também. Eles sabem disso. Então, como eles sabem, e eu sei, é importante a gente chegar num ponto de acordo.
Eu posso te dizer assim, eu vou antecipar para você. Eu vou manter o IOF. Se tiver um item no IOF que esteja errado, a gente tira aquele item. Mas o IOF vai continuar. E mais ainda, fazer decreto é da responsabilidade do presidente da República.
E os parlamentares podem fazer um decreto lei para eles se tiver cometido algum erro constitucional, coisa que eu não cometi.
Então é importante ele saber que vai ter uma decisão que o IOF vai ser aprovado, 99% do que nós queremos, e que vai ficar definido que quem faz decreto é o presidente da República não é a Câmara dos Deputados.
E vou continuar conversando com o Congresso. Eu levo como uma divergência, eu gosto do Hugo, eu gosto do Davi, eu gostava do Pacheco [Rodrigo Pacheco, senador, ex-presidente do Senado Federal], eu gostava do Lira [Arthur Lira, deputado federal, ex-presidente da Câmara dos Deputados]. “Ah, o presidente tem divergência?” Não, eu não tenho divergência. Sabe por que eu não tenho divergência, querida? Porque não são os deputados que precisam de mim. Eu é que preciso deles. É o Poder Executivo que manda projeto de lei para o Congresso.
É o Poder Executivo que manda projeto de lei para o Senado.
Então, é o presidente da República, que é a parte do poder mais importante, que tem que ter uma relação totalmente civilizada, harmônica, adequada com as pessoas.
Eu não quero ter relação pessoal. Eu nunca vou pedir um favor para um deputado. Nunca vou pedir um favor para um senador. Só vou mandar para lá coisas de interesse do povo brasileiro. E, pode ficar tranquila, que a relação vai continuar boa. E nós vamos aprovar as coisas que nós precisamos.
Não para o meu interesse, mas para o interesse deles. Porque não só sou eu que sou candidato, eles também são candidatos. Eles são candidatos.
Eu aposto em dizer que muitos deles estão pensando muito mais na eleição do que eu. Eu estou muito tranquilo. Porque sei o que eu estou fazendo. Porque estou governando para tentar melhorar a vida do povo brasileiro. E quando eu entregar a Presidência no final de dezembro, você, por favor, fale com a direção da Record e venha fazer uma entrevista comigo, que eu quero lhe mostrar o Brasil que eu entreguei para o povo brasileiro.
CHRISTINA LEMOS – Presidente, a sua situação pessoal e partidária, a gente sabe que o senhor acorda às 5h45, vai fazer esteira, faz caminhada, está em boa forma física, por assim dizer. O senhor completa 80 anos dentro de 4 meses. Tem gás para mais uma disputa eleitoral?
PRESIDENTE LULA – Deixa eu lhe falar uma coisa. Ontem, eu conversei muito com o presidente da Indonésia [Prabowo Subianto] sobre isso. Ele tem 73 anos. Eu dizia para ele que tem duas coisas na vida do homem que não envelhece o homem.
Primeiro, quando você tem uma causa. E eu tenho uma causa na minha vida. Eu sonho que esse país vai se transformar num país de classe média em que a gente possa dizer que o Brasil alcançou o status de um país de bem-estar social. Eu sonho com isso. É minha obsessão e eu vou fazer.
A segunda coisa é cuidar da saúde. Então, veja, eu levanto às 5h30 porque eu gosto de mim. Porque eu quero estar bem. Eu cuido das minhas pernas. Eu cuido dos meus braços. Eu cuido do meu corpo. Só para você ter ideia, eu estou andando 6.700 metros a um trote de 7 km por hora. Depois eu faço agachamento, depois eu faço braço, faço perna, faço coxa.
Porque é o seguinte: se eu não cuidar de mim, quem vai cuidar? Os médicos, nenhum me dá uma receita assim para mim: “Lula, você tem que andar”. Eles só dão remédio. Só “Toma tal remédio, toma tal remédio”. Então, eu quero evitar tomar remédio. Eu tenho que cuidar de mim.
Eu posso te dizer uma coisa, Christina. Você me conhece há muito tempo. Você já me viu em assembleia, já me viu. Vou fazer 80 anos no dia 27 de outubro. Pode me dar um presente. Eu posso te dizer que eu hoje estou fisicamente melhor do que quando eu tinha 60 anos. Estou com a minha qualidade de vida melhor. Tenho uma mulher que cuida de mim de forma extraordinária. Então, estou bem. Se eu vou ser candidato ou não, são outros 500.
Aí vai depender no momento certo de discutir. Tem muitos partidos políticos para a gente conversar. Agora, eu vou te contar uma coisa. Os loucos que governaram esse país não voltam mais. O seu Tarcísio [Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo] pode tirar… Não vai tentar esconder o chapeuzinho do Trump, não. O seu Tarcísio pode ficar mostrando para a gente saber quem você é.
Porque está cheio de lobo com pele de carneiro. Então, você veja, essa coisa do Trump, começar um parágrafo citando o ex-presidente da República que fez um crime contra esse país, que tentou dar um golpe.
Não tem como. Esses não voltam. Se for necessário ser candidato para evitar isso, querida, estarei candidato e espero que você esteja acompanhando, cobrindo a campanha. É isso.
CHRISTINA LEMOS – Presidente, para concluir, uma opinião do senhor sobre o desempenho do Ancelotti [Carlo Ancelotti, técnico da Seleção Brasileira]. O que o senhor está achando dele e também o que o senhor achou do desempenho dos clubes brasileiros no mundial da FIFA? O Flamengo, Fluminense, Palmeiras. O senhor é nosso técnico oficial.
PRESIDENTE LULA – Antes de falar de futebol, deixa eu falar uma coisa para você. O Brasil vive um bom momento. Veja, o Brasil só voltou a crescer acima de 3% quando eu voltei para Presidência da República. A indústria automobilística produzia 3 milhões e 600 mil carros quando eu era presidente. Quando eu voltei, só produzia 1 milhão e 600.
Nós estamos com as coisas controladas, a economia crescendo, o emprego crescendo, os salários crescendo, a massa salarial crescendo. Ainda temos um problema na nossa vida que é o custo de vida. Que ainda não chegamos ao ideal. E vamos chegar. Porque o povo está com mais dinheiro, tem mais crédito, tem mais salário, tem crédito consignado para empresa privada, tem muita coisa acontecendo no Brasil. Muita coisa.
E isso me faz entrar no futebol. Eu acho que o Ancelotti é um grande técnico. Ele é um grande técnico. Ele tem história. Foi jogador da Roma, jogou junto com o nosso companheiro Falcão, do time da Roma. Ele foi um técnico extraordinário.
O problema do Brasil não é de técnico, é de jogador. Nós não estamos com uma safra boa, como a Itália não está com uma safra boa. Quem está com uma safra boa é o Paris Saint-Germain. A segunda coisa é que os critérios pelos quais os times brasileiros foram disputar a Copa do Mundo foram quem ganhou a Libertadores nos últimos tempos.
Ou seja, eu acho que o Flamengo merecia ir, acho que o Botafogo, o Palmeiras, o Fluminense. Mas, obviamente, que falta muito time. Faltam dois do Rio Grande do Sul, faltam dois de Minas Gerais, falta o Corinthians, que não foi, o São Paulo, o Santos. Na hora que tiver o Corinthians, nós vamos ser campeões.
Eu acho que o Brasil teve uma boa participação. E ficou patente que há uma hegemonia europeia hoje no futebol. Vamos ser francos. A final vai ser a Champions League. A final será a Champions League, porque eles estão mais preparados. Eles contratam para pagar muito mais do que nós.
Os times deles são verdadeiros seleções. Você pega time de 30 países, você pega time de todos os países, com jogadores do mundo inteiro. São todos jogadores caros. Agora, ficou provado que não é jogador sozinho que ganha o jogo.
Vou contar uma história. O Paris Saint-Germain tinha Mbappé, Messi e Neymar. Contratou os três para ganhar a Champions League. Não foi nem classificado.
Agora, sem os três que, sozinhos, ganham mais do que todo o time do Paris Saint-Germain atual. Ele está jogando o futebol mais espetacular que nós temos. Então, significa que futebol é conjunto.
Não é vaidade, não é o cara ser individualista, não é o cara ser driblador, é o cara jogar em conjunto. E o Paris Saint-Germain está nos dando um show de como é jogar em conjunto. Mas acho que o Brasil participou bem.
O Corinthians vai participar da Copa, porque eles agora vão convocar uma Copa chamada "Esqueceram de Mim #1". Esqueceram do Corinthians, do São Paulo, do Santos, do Botafogo, do Vasco, do Grêmio, do Internacional, do Atlético, do Cruzeiro. Um dia nós vamos ser chamados. E quando nós formos chamados, nós vamos lá para ganhar.
CHRISTINA LEMOS – E para quem ficou nervoso hoje, o senhor manda tomar um chazinho? Qual o recado que o senhor dá para quem ficou nervoso com esse cenário internacional?
PRESIDENTE LULA – Olha, eu só queria dizer aos empresários brasileiros que nós vamos criar um comitê, e os empresários vão participar para a gente acompanhar dia a dia o que vai acontecer.
Vamos criar um comitê, não vou dizer gabinete de crise, vou dizer um gabinete para repensar a política comercial brasileira com os Estados Unidos. E voltar a dizer para você, Christina: quando eu fui eleito a primeira vez, que eu fui encontrar com o Bush dia 10 de dezembro de 2002, eu não tinha tomado posse ainda, eu achei que seria um desastre a minha conversa com o Bush, que ele era Republicano [membro do Partido Republicano].
Posso te garantir, olhando nos teus olhos e nos olhos do nosso espectador, foi a melhor relação que eu tive com os Estados Unidos. Foi com o presidente Bush. Ele respeitava o Brasil e eu respeitava os Estados Unidos. Depois eu tive uma belíssima relação com o Obama. Mas o Obama já teve aquele negócio da investigação de escutar [grampear as comunicações] a Dilma [Dilma Rousseff, ex-presidenta da República] aqui... E depois com o Biden, [uma relação] que foi extraordinária.
Eu achei que o Trump, embora ele seja republicano, embora ele seja extremista, embora ele fale coisas que não deveria falar, mas ele é presidente de um país muito grande. Então, quando você é maior, quando você é mais rico, quando você tem mais força bélica, mais força tecnológica, você tem que ter mais respeito, tem que ser generoso com os outros.
A China é o que é hoje por quê? Porque houve um tempo em que os Estados Unidos mandavam suas empresas para a China para pagar um salário muito baixo e as empresas foram para lá. Os chineses, com cinco mil anos de história, aprenderam. E hoje são grandes competidores com os Estados Unidos.
Então, os Estados Unidos têm que compreender que todo país quer crescer. Eu quero que o Trump cuide dos Estados Unidos para os americanos. Eu quero que os americanos melhorem de vida. Eu quero que os americanos vivam democraticamente.
Só respeite o direito do brasileiro também viver. Do jeito que você gosta do povo americano, eu gosto do povo brasileiro. E na minha vida, quem decide as coisas é o povo. Eu sou brasileiro, gosto do Brasil e não desisto nunca.
Agora, aqueles que andaram abraçados com a bandeira americana aqui, aqueles que foram aos Estados Unidos pedir golpe no Brasil, porque o filho do Bolsonaro estava lá instigando. “Defende meu pai! Defende meu pai! Meu pai é inocente”. O pai dele é covarde, que tentou dar o golpe e correu. Então, ele vai ser julgado.
Não é o Bolsonaro que está sendo julgado. São os autos do processo que estão sendo julgados. É importante eles não esquecerem que por conta dessa Suprema Corte que está julgando o Bolsonaro, eu fui condenado inocentemente e fiquei 580 dias na cadeia. E até hoje ninguém provou absolutamente nada. Então ele tem o direito de defesa. Presunção de inocência é o que nós mais queremos garantir.
Bolsonaro tem o direito de contratar os advogados que ele quiser. Se defenda! Mas não seja covarde. Não fique pedindo anistia antes de ser condenado. Quando você pede anistia antes de ser condenado é porque sabe que você foi criminoso. Você sabe que cometeu um erro, cara. Já está com 70 anos. Tenha juízo e respeito com o povo brasileiro. Não brinque com coisa séria.
E o Trump tem que aprender isso. Aqui no Brasil nós temos três poderes. O Judiciário, que tem autonomia. O Legislativo, que tem autonomia. E o presidente da República, o Poder Executivo, que é subordinado aos interesses do povo brasileiro.
Assim nós somos. E assim nós seremos.
Por isso, longa vida para o povo brasileiro.
CHRISTINA LEMOS – Muito obrigada, presidente, pela entrevista.
PRESIDENTE LULA – Obrigado, Christina. Obrigado. Foi bom te rever depois de tanto tempo.
CHRISTINA LEMOS – Prazer meu.