Entrevista do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, ao Jornal O Povo (CE)
Pergunta — Há um entendimento geral dos especialistas e dos próprios governadores do Nordeste, dada as condições das últimas eleições, de que a gestão Lula 3 dará atenção especial ao Nordeste em vários sentidos. O que o senhor destaca de ações que vão ter o Nordeste como protagonista no desenvolvimento econômico do País? E qual a participação do Ceará nisso?
Presidente Lula — O Nordeste é uma região fundamental para o desenvolvimento econômico do país, em vários aspectos. Os dois principais fatores são o grande trabalho que os governos da região têm feito na educação e a vocação da região para energias renováveis, com a transição energética. O Nordeste tem abundância de sol e vento, além da capacidade de também receber projetos de hidrogênio verde. A energia limpa e barata vai abrir oportunidades de recuperarmos nossa indústria. Há projetos dos meus governos passados dando frutos agora, como a logística de transporte, para escoamento da produção, com a retomada da ferrovia Transnordestina, e a segurança, que tem no Projeto de Integração do São Francisco a garantia do acesso à água. O Ceará é a nossa referência de bons resultados de educação, tanto que o ex-governador Camilo é nosso ministro da área. Então, o Ceará tem esse papel importante de exemplo de boa gestão em educação e em outras áreas para o país.
Pergunta — O Nordeste vive momento de apreensão por conta da regulamentação da política nacional para o hidrogênio verde, principal aposta de desenvolvimento da região e, especialmente, do Ceará. Há receio que a ausência de um marco legal afaste ou iniba investidores nesse primeiro momento. Qual a expectativa com relação ao prazo com relação a essa regulamentação? O Governo considera a possibilidade de fazê-lo via MP, já que existe temor de fuga de investimentos?
Presidente Lula — A produção de hidrogênio é uma aposta do nosso governo, dentro da estratégia de promover a transição energética que estamos fazendo. Nenhum país do mundo tem a capacidade de colocar em prática uma transição energética como nós temos. O Brasil gera quase 90% de sua eletricidade a partir de fontes renováveis de energia em contrapondo à matriz mundial que alcança apenas 29%. O nosso país, hoje, já se mostra nas projeções internacionais como o país com o custo mais competitivo para a produção do hidrogênio verde justamente por já dispor desse potencial de geração de energia a partir de fontes renováveis. Além disso, o Brasil, hoje, já conta com mais de US$ 30 bilhões em projetos de hidrogênio de baixa emissão de carbono anunciados. O governo está trabalhando na elaboração de um projeto de lei para regulamentar a produção de hidrogênio no Brasil, o que vai trazer maior segurança para os investimentos, e que deve ser finalizado até o final de setembro.
Pergunta — Uma das pautas que lhe traria ao Ceará era a Transnordestina, obra que tem se arrastado há um bom tempo. A última expectativa era que ela estivesse concluída em 2026, mas há disputas regionais com Pernambuco, que teme perder relevância uma vez que suas obras estão mais atrasadas. O Ceará pode confiar nesse prazo de 2026?
Presidente Lula — Nós voltamos para fazer o Brasil retomar o caminho do desenvolvimento. O que aconteceu no país nos últimos sete anos, com a série de abandono de obras fundamentais para alavancar a economia, foi uma irresponsabilidade. Nós tínhamos no país a maior fábrica de dormentes do mundo, quando iniciamos a construção da Transnordestina. Agora, ela não existe mais. Com o Novo PAC, vamos dar cumprimento ao contrato de concessão, concluindo, até 2026, os segmentos que vão de Ribeira do Piauí/PI a Baturité/CE. Paralelamente, daremos continuidade à construção do trecho entre Salgueiro e Suape, em Pernambuco, como obra pública, para viabilizar uma futura concessão do trecho. A gente está usando toda a experiência para evitar os erros do passado e conseguir concluir as obras no prazo previsto para entregá-las no meu mandato.
Pergunta — Na discussão do projeto da Reforma Tributária aprovada na Câmara surgiu um embate grande entre as regiões Norte/Nordeste e Sul/Sudeste sobre a forma como os recursos serão partilhados entre os estados e municípios e o próprio papel do Conselho Federativo. Como o Governo Federal enxerga esse debate e como pretende encaminhar soluções para que não ocorra injustiça com os estados menos desenvolvidos?
Presidente Lula — Não existem dois Brasis. O país é um só, de um mesmo povo, mas que enfrenta desigualdades regionais que precisam ser identificadas pelo governo e reduzidas. Acredito que a reforma tributária a ser aprovada pelo Congresso Nacional abrirá um novo caminho para o desenvolvimento econômico e para a atração de investimentos, inclusive diminuindo desigualdades regionais, sem deixar que os estados com economias mais desenvolvidas tenham recursos e investimentos. O texto final ainda está em discussão no Congresso.
Pergunta — Falando de eleições 2024. O PT considera o município de Fortaleza como uma prioridade? O sr. chegou a conversar com a deputada Luizianne Lins ou com o presidente da Assembleia Legislativa, Evandro Leitão, que acaba de se desfiliar do PDT e estuda ingressar no PT?
Presidente Lula — Claro que Fortaleza é uma cidade muito importante. Ainda não conversei sobre as eleições na cidade. O Ceará é um estado em que os partidos da nossa base são muito fortes, assim como o PT também é, e isso é muito bom. As conversas que faremos para discutir como o nosso partido vai disputar a Prefeitura de Fortaleza em 2024 ainda vão acontecer.
Pergunta — O senhor vê problema em o PT eventualmente escolher como candidato alguém que acabou de se filiar ao partido?
Presidente Lula — Não vejo. O PT tem no Ceará lideranças muito fortes, experientes e atuantes, como o governador Elmano de Freitas, a deputada Luizianne Lins, o ministro Camilo Santana, o nosso líder na Câmara José Guimarães, entre outros. A energia e quantidade de quadros do PT do Ceará é invejável. E também tem gente boa nos partidos aliados. Não é um problema de falta de nomes. Tomaremos a decisão no tempo certo.
Pergunta — O PDT apoia o seu governo, mas Ciro Gomes tem se mantido distante. Há hoje algum nível de relação do senhor com seu ex-ministro?
Presidente Lula — O Ciro é uma daquelas pessoas que eu sempre gostei de graça. Disse isso para ele inclusive nos debates, quando foi a última vez que o vi. Não preciso ter motivo para gostar. Ainda não conversei com ele após as eleições, mas não tenho nada contra o Ciro. Eu, às vezes, acho que ele fala algumas coisas que ele podia ter mais calma antes de falar, e que infelizmente ele mesmo é quem mais se prejudica com isso.
Pergunta — Como o sr. vê, hoje, a questão da polarização e da radicalização política, oito meses depois do início do Governo.
Presidente Lula — Não podemos confundir polarização política, que é normal, com o que aconteceu no Brasil nos últimos anos. Não foi normal o ataque à democracia, a negação da política, a divulgação repetida de fake news e a incitação ao ódio promovidas pelo governo anterior. Não foi normal a negação da ciência na pandemia, que custou centenas de milhares de vidas. Como as pessoas podem achar normal um então presidente que oferecia cloroquina para emas? Mas estamos superando os desafios e armadilhas que eles deixaram. Com muita calma, muito trabalho, muito diálogo e respeito às diferenças de opiniões, estamos recolocando o país nos trilhos do futuro. Conversando com os demais poderes da República, com os governadores, retomando a imagem e o lugar do Brasil no mundo, com os outros países. E agora, com o PAC, temos um plano de obra para retomarmos o futuro do Brasil.