Entrevista após Reunião de Alto Nível "Democracia Sempre"
JORNALISTA – Presidente, então a primeira pergunta, como que o senhor avalia esse encontro, essa preocupação com a democracia, reforçar sempre a democracia, o fim do extremismo que nós estamos vivendo?
PRESIDENTE LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA – Olha, eu primeiro quero dizer que eu sou muito defensor da democracia, porque se não fosse a democracia, um metalúrgico como eu não teria chegado à Presidência da República por três vezes. Então, a democracia é a possibilidade de você ter alternância de poder, não apenas alternância de partido, mas alternância de segmentos sociais. Você pode eleger um empresário num tempo, pode eleger um trabalhador num outro tempo. Essa que é a maravilha da democracia.
E por que nós estamos fazendo esse movimento? Porque é a democracia que corre risco com o extremismo, como correu na fundação do partido nazista, como morreu com a questão da ascensão do Hitler [Adolph, líder da Alemanha Nazista]. O que nós queremos é a democracia. Não importa que seja de direita, que seja de esquerda, que seja de centro. O que nós queremos é o exercício da democracia com tolerância, com respeito à diversidade, com respeito ao pensamento ideológico, com respeito à cultura de cada país e de cada religião. É isso que eu quero para o Brasil.
Não importa que o cara que seja eleito seja um cara de pensamento conservador. O povo é que vai escolher. O que importa é que ele respeite o direito dos outros, que ele não seja mentiroso, que não utilize fake news, e que não fique vendendo o gabinete do ódio 24 horas por dia. Isso é a democracia e o respeito.
JORNALISTA – Presidente, com relação ao tarifaço, essa guerra comercial promovida pelo presidente Donald Trump [presidente dos Estados Unidos], eu sei que vocês estão discutindo. O Ministério das Relações Exteriores trabalhando também nesse sentido, o vice-presidente, como está a situação nesse momento?
PRESIDENTE LULA – Olha, deixa eu te dizer porque eu estou com uma certa tranquilidade. Primeiro, porque eu tenho o Ministério das Relações Exteriores trabalhando nisso, eu tenho uma pessoa da qualidade do Alckmin [Geraldo Alckmin, vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços] trabalhando isso, e tenho os empresários que têm que entender que antes dos governos tentarem resolver, os empresários brasileiros precisam conversar com seus contrapartes nos Estados Unidos, porque quem vai sofrer com isso são os próprios empresários.
Nós não estamos numa guerra tarifária. Guerra tarifária vai começar na hora que eu der a resposta ao Trump. Se (ele) não mudar de opinião, porque as condições que o Trump impôs não foram condições adequadas. Ninguém pode ameaçar um partido [a Presidência] com uma decisão judicial. Quem sou eu para tomar a decisão diante da Suprema Corte? O cidadão que ele defende está sendo julgado por um crime que ele cometeu que está nos autos do processo, dito por eles próprios, não é por mim.
A segunda coisa é que nós, no Brasil, vamos fazer respeitar as leis para as empresas brasileiras e para as empresas americanas. Não tem essa de um poder ser punido e outro não. Todos serão tratados em igualdade de condições.
E a terceira coisa foi a falta de conhecimento do presidente Trump sobre a questão do superávit comercial. Ou seja, o Brasil tem um déficit de US$ 410 bilhões em 15 anos. Ele tem que levar isso em conta. E tem que levar em conta que a relação nossa é uma relação muito forte, muito diplomática. Ninguém pode dizer que o Lula é radical. Porque eu tive uma belíssima relação com o Clinton [Bill Clinton, ex-presidente dos Estados Unidos], mesmo sem ser presidente da República. Eu tive uma relação extraordinária com o presidente Bush [George W. Bush, ex-presidente dos Estados Unidos], que era Republicano. Eu tive uma relação extraordinária com o Obama [Barack Obama, ex-presidente dos Estados Unidos]. Eu tive relação com o Biden [Joe Biden, ex-presidente e vice-presidente dos Estados Unidos].
Se ele quiser, a nossa relação será a melhor possível. Acontece que dois chefes de Estado precisam conversar para levar em conta os interesses do seu país. Eu não acho ruim que o Trump esteja defendendo os interesses dos Estados Unidos. Agora, o que ele tem que levar em conta é que eu tenho que defender os interesses do Brasil.
JORNALISTA – Presidente, o ex-presidente Bolsonaro está usando tornozeleira eletrônica, uma série de medidas restritivas... Como o senhor encarou essa decisão?
PRESIDENTE LULA – Olha, eu acho que é um problema da Justiça. Eu não vou dar palpite sobre a questão da Justiça. Ele está sendo julgado, está sendo denunciado, ele pode ser absolvido, ele pode ser culpado, é um problema da Justiça. Eu não me meto nisso.
JORNALISTA – Presidente, vocês conversaram sobre essas ameaças do Trump nessa reunião aqui?
PRESIDENTE LULA – Eu não vejo ameaça do Trump, não. Eu não conversei aqui. Aqui é para discutir democracia, não é para discutir o Trump, eu não ia trazer um problema do Brasil para discutir numa reunião em que os companheiros estão querendo discutir democracia. Aqui nós discutimos apenas a questão do fortalecimento da democracia e marcamos uma nova reunião, junto com o encontro da ONU em setembro, e o ano que vem vamos fazer uma reunião em Madri.
PRESIDENTE LULA – Faz a última pergunta.
JORNALISTA – Outros presidentes de direita estão previstos para participar desse grupo que está sendo construído pela democracia?
PRESIDENTE LULA – Olha, tem uma lista de pessoas convidadas. Ou seja, nós estamos convidando as pessoas que têm um comportamento democrático e as pessoas que são progressistas. Não tem ninguém de direita, de direita, de direita. A direita já tem o time deles. Se reuniram aqui no Brasil, se reuniram em Nova Iorque, ou seja, cada um cuida de si. Eu estou cuidando da democracia porque a democracia é uma coisa muito importante. Agora, o que nós temos que ter certeza é que, para o povo entender democracia, nós temos que garantir que o povo tenha direito ao trabalho, à moradia, à educação, à cultura, ao lazer e a viver dignamente. É isso que é democracia e é isso que nós vamos conquistar para o Brasil.