Pronunciamento do presidente Lula durante plenária do CDESS
Quando uma pessoa recebe muitos elogios, ela pode começar a acreditar. E se ela começar a acreditar, a quantidade de ego que todo ser humano tem pode crescer. E se cresce muito o ego, a pessoa passa a ser menor do que aquilo que as pessoas pensam dela.
Então, eu queria que vocês soubessem disso. A segunda coisa é que eu não vou ler a nominata toda dos ministros e ministras e dos bancos, porque tem muita gente. Eu queria, em nome da minha querida Janja [Lula da Silva, primeira-dama do Brasil], cumprimentar todas as mulheres aqui presentes.
E em nome do companheiro Alckmin [Geraldo, vice-presidente da República e ministro Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços], cumprimentar todos os homens aqui presentes. E eu tinha dito no café da manhã, antes de vir pra cá, que a depender do discurso do Haddad [Fernando, ministro da Fazenda] e do discurso do Alckmin, eu não precisaria fazer discurso. É verdade, eu não vou fazer discurso, porque eu acho que eu iria repetir muitas das coisas que os companheiros falaram.
O que é importante dizer pra vocês é que nós estamos completando três anos de governo. E todos vocês sabem que quando nós fizemos a primeira reunião deste conselho, ninguém acreditava que nós pudéssemos chegar no mês de dezembro de 2025 numa situação confortável como esta que nós estamos. E por que uma situação confortável? Porque não teve nenhum momento que eu assumi a Presidência da República deste país, que eu não ficasse deparado com um país em destruição.
Não teve nenhum momento. Em 2002, depois que eu ganhei as eleições, a maioria dos meus companheiros, companheiros de 40 anos, economistas famosos, cientistas políticos famosos, diziam que eu tinha ganho uma máquina falida e que nós não teríamos condições de dar conta do recado e de governar o país. Eu até perguntava para os meus companheiros: se é assim, por que vocês pediram para eu ser candidato? Se está tão ruim assim, por que não deixa outro ganhar e a gente fica fazendo oposição? Acontece que quando a gente tem uma motivação e uma causa, não há temas impossíveis.
Você nunca pode colocar a palavra não na sua boca, a não ser para coisas muito importantes. O que você precisa é testar, é acreditar, é teimar, e colocar em prática aquilo que você acredita. Só tinha uma razão para eu ser presidente da República.
Uma única razão. Não tinha duas razões. Era provar que este país tinha jeito. Era provar que neste país era possível melhorar a qualidade de vida do povo. Imaginem vocês se nós tivéssemos mais empresários falando o que disse o Eraí [Maggi Scheffer, empresário e referência no agronegócio]. Imaginem se nós tivéssemos mais empresários falando o que disse a companheira Luiza Trajano [conselheira e empresária] e mais sindicalistas falando o que disse a Mônica Veloso [conselheira e jornalista].
Imaginem vocês se o pessoal do agronegócio, que não gosta de nós, estivesse ouvindo o Eraí falar. Ele, que possivelmente é maior do que todos que falam mal de nós. Porque está dizendo apenas a verdade.
Não tem uma única mentira. É dizendo que este governo, no primeiro, no segundo, no terceiro mandato, jamais tratou diferente as pessoas que bem ou mal gostavam ou não gostavam de nós. Ninguém é eleito presidente da República no meu time para governar para quem gosta.
Nós somos eleitos para governar para 215 milhões de brasileiros com as suas diferenças de gênero, de cor, econômicas, e de religião. Mas nós queremos governar para todos, sem distinção. E eu acho que quando a gente vê o Eraí falar, e a gente vê que a bancada do agronegócio não o ouviu, nem antes, nem hoje e nunca vai ouvir. Pois eles não teriam derrubado os vetos que nós fizemos na política ambiental deste país.
Nós não vetamos porque não gostamos do agronegócio. Nós vetamos para proteger o agronegócio. Porque essa mesma gente que derrubou meus vetos, quando a China parar de comprar soja, quando a Europa parar de comprar soja, quando alguém parar de comprar nossa carne, quando alguém parar de comprar nosso algodão, vão vir falar comigo outra vez.
“Presidente, fala com o Xi Jinping [presidente da China]”. “Presidente, fala com a União Europeia”. “Presidente, fala com a Rússia”. “Presidente, fala com não sei com quem”. Porque eles sabem que eles estão errados. Eles sabem que nós queremos que a nossa produção seja cada vez maior, mas cada vez mais sustentável e cada vez mais limpa.
Eu não quero um mundo limpo para mim. A gente quer um mundo limpo para todo mundo. Por isso eu queria pegar o que o Alckmin falou. Na COP30, o grande avanço dos países ricos, daqueles que ficam ditando regra para nós, é que em 2050 eles querem chegar a 40% de energia renovável. E nós, em 2025, já oferecemos 53% de energia renovável nesse país. Então, este país não tem que se tratar como se fosse pequeno, como se a gente fosse insignificante, como se a gente fosse um país do Terceiro Mundo.
A gente tem que se tratar com respeito de um país que tem um povo capaz, trabalhador, que tem uma base intelectual muito forte, universidades sólidas e gente que quer vencer. Aqui tem empresários, tem conselheiro que participa de conselhos de empresa no exterior e ele sabe que a mão de obra brasileira não deve nada a ninguém. A única coisa que nós temos de atrasado é que durante muitos séculos não se acreditou na educação neste país. Não se investiu na educação. O filho do usineiro ia estudar em Londres e o filho do brasileiro ia cortar cana. Ia ser pedreiro. Essa é a diferença básica.
Na hora que a gente resolve cuidar da educação, quando o Haddad era ministro, tiramos a educação da era dos gastos, investir em educação é exatamente um investimento. E eu vou dar um dado para vocês. Eu vou repetir esse dado porque eu nem sei se a imprensa divulga, mas eu vou repetir.
É uma vergonha que a elite brasileira levou 420 anos para fazer a primeira universidade neste país. Eu repito porque dizem que se a gente repetir muitas vezes, isso será compreendido pelas pessoas. Em contrapartida, Santo Domingo, na República Dominicana, que foi descoberto oito anos antes do Brasil, em 1532 já tinha sua primeira universidade.
Nós demoramos 420 anos. E pasmem, depois da primeira, até a gente chegar no governo, em 83 anos, a elite brasileira, entre universidades e extensão universitária, em 83 anos ela fez 138, entre universidades e extensões. Nós, em apenas 10 anos, fizemos mais do que em 82 anos.
Fizemos 143, com mais 59 da Dilma, 193. É isso que vai dar ao Brasil competitividade. É isso que vai dar ao Brasil poder da gente produzir coisas com mais e com melhor qualidade.
É isso que vai colocar o Brasil no rol dos países altamente desenvolvidos. E é isso que nós, brasileiros, temos que acreditar. Olha, eu fico, depois do Haddad ler aqueles números, eu fico me perguntando, a quem interessa neste país tantas preocupações, com que não tinha que se preocupar?
Por que tudo que o governo faz é gasto? Vai melhorar a saúde? Vai. É gasto. Vai melhorar a educação? Vai. É gasto. Vai melhorar a questão ambiental? É gasto. Ou seja, por que neste país não se consegue enxergar que o investimento, inclusive em pessoas, é investimento? Por que não consegue enxergar que, quando a gente forma as pessoas, a gente está fazendo um investimento? Que têm retorno mais imediato do que qualquer outro investimento? Eu, às vezes, fico cansado porque eu acho, Haddad, que tem gente que vive de mentiras.
Você pode ficar certo que tem gente que ganha fazendo especulação. Os caras já começam em janeiro. “Ah, vai ter déficit fiscal”. “Ah, não vai fechar as contas”. Essa gente está preocupada com a periferia deste país? Essa gente está preocupada com as pessoas que mal e porcamente conseguem comer três vezes por dia? Essa gente está preocupada com os indígenas passando necessidade e quando a gente demarca uma terra é como se nós estivéssemos tomando o país? “Ah, mas já tem 14% do território brasileiro indígena”.
Eles tinham 100%. Só tem 14% agora? Nós é que roubamos 86% deles. O que é essa preocupação? “Ah, agora está demarcando muita terra quilombola”.
31 agora. 31. E se prepare porque isso é justiça. Isso é devolver às pessoas aquilo que era deles. É apenas isso o que a gente está fazendo. E eu passei, meu caro Xixo [Wilson Ramos Filho, advogado, doutor e professor de Direito do Trabalho na Universidade Federal do Paraná], a vida inteira tendo que me explicar.
Eu quando nasci já tive que me explicar: “Por que você nasceu pobre, desgraçado?”. “Por que você nasceu?”. “Se tivesse morrido de fome até cinco anos de idade não tinha chegado a presidente da República”. Ninguém nem sabia. Naquele tempo, Luiza, se era enterrado como pagão. Sabe o que é pagão? É criança que não é batizada. Não ia para cemitério. Escolhia um lugar lá, cavava um buraco, jogava a terra e acabou. Era assim que a gente era enterrado quando morria sem ser batizado. Mas Deus quis e eu escapei.
E é essa crença que eu tenho em Deus que me fez viver. Que me faz acreditar que vou viver 120 anos. Não sei porquê. Eu acredito muito nisso. Luiza, você tem noção quantos anos eu passei explicando por que eu tinha barba?
As pessoas esqueceram que Jesus Cristo tinha barba. Pelo menos é esse que nós conhecemos. Depois eu tive que me explicar por que a bandeira do meu partido era vermelha há mais de 20 anos. Eu falava: “Gente, mas é a cor do teu sangue, cara. É a cor do meu sangue”. Não valia. Ninguém queria explicação.
Depois eu tive que explicar por que tinha uma estrela. “Por que tem uma estrela?”. “Porque a China tem estrela.” E daí que a China tem estrela? O céu está cheio de estrelas. Por que eu tinha que me explicar?
Eu lembro de um dia que eu almocei com o Otávio Frias [ex-diretor de redação da Folha de S. Paulo], numa mesa com José Alencar [ex-vice-presidente da República], o Ricardo Kotscho [jornalista], sentados em uma mesa almoçando.
O velho Frias, muito simpático. Aliás, uma coisa engraçada, Haddad, todos os velhos eram melhores do que os novos. Luiza, a gente, às vezes, pensa que os novos vão ser melhores. Deus queira que o teu seja igual a você.
Porque veja, eu estou almoçando lá, e lá pelas tantas o Otávio Frias, que Deus o tenha, pergunta assim para mim: “Candidato”. Ele não me chamava nem de Lula, nem de Luiz Inácio. Era de candidato. “Candidato, você sabe falar inglês?” Eu falei: “Não”. E ele: “E como é que você quer ser presidente? Como é que você vai falar com os Estados Unidos?”. Eu respondi: “Tem intérprete. O Clinton [Bill, ex-presidente dos Estados Unidos] não fala brasileiro, português. Ele tem intérprete. Ele não fala chinês, ele tem intérprete.”
“Não, mas tem que falar inglês, tem que aprender a falar inglês”, ele falou. E eu “Sabe de uma coisa? Você vai tomar no nariz que eu sou presidente do Brasil. O que eu sei falar é a língua portuguesa do Brasil. Não é nem português de Portugal, é português do Brasil”. E eu não sabia a diferença, eu falava “menas” mulher. Porque era feminino, eu falava “menas” mulher; “menas” laranja. Eu fiquei chique. Eu aprendi a falar “an passant" e eu fiquei melhor ainda.
E o dado concreto é que depois eu passei a vida inteira me explicando. Aí, eu cheguei na presidência. E eu falei: “Este país vai ter que dar certo”.
Eu tinha medo, Luiza, de ser comparado ao Walesa [Lech, ex-presidente da Polônia]. Para o mais jovem que está aqui, o Walesa foi um presidente de sindicato na cidade de Gdänsk, ele trabalhava no Estaleiro.
E ele fazia greve no mesmo tempo que eu fazia na Volkswagen e na Mercedes. E ele era abençoado pela igreja católica que queria derrubar o regime comunista na Polônia, pelo Papa João Paulo II. E ele recebia dinheiro, todo mundo ajudava ele, no mundo inteiro, o coitado do Lulinha tinha que pagar passagem para ir lá, pedir qualquer ajuda e não tinha.
Ele foi eleito presidente da República e eu não fui. Eu falei, caramba, como é difícil ser brasileiro. Aí, quando eu virei presidente, eu ficava com medo, será que eu vou ser igual aquele cara? E se eu não der certo? Se eu der errado, como é que eu faço para voltar lá perto do sindicato?
Porque eu não ia para Paris, eu não ia para Londres, eu não ia para Nova Iorque, eu ia voltar para perto do sindicato para ouvir os dirigentes sindicais xingarem na porta de fábrica. Aí, eu falava: “nós temos que dar certo”.
Montei meu time e começamos a governar. A primeira coisa que eu disse foi o seguinte: “Nesse governo, ninguém vai utilizar a palavra gasto para falar da educação. Ninguém”.
Falar em ciência e tecnologia, falar em educação, não se fala em gasto. Vamos parar com isso e colocar isso dentro dos gastos necessários? Porque um país que é a oitava economia do mundo não tem o direito de ficar criando teto de gasto. Você acha que os Estados Unidos pensam em teto de gasto, a Alemanha pensa?
Agora mesmo eles aprovaram 800 bilhões de euros para comprar armas. Não seria melhor ter aprovado 800 bilhões de euros para acabar com a fome no mundo? Seria mais fácil, mais simples. Então, há uma inversão de valores.
E eu falei: “Eu posso fazer a diferença”. Veja, Luiza, o que é o aprendizado prático das coisas. Eu conto sempre a história do Alckmin.
A gente foi adversário, mas um dia me convenceram que eu tinha que chamar o Alckmin para ser meu vice. E eu fui atrás do Alckmin. Eu achei que ele não queria e na primeira conversa nem toquei no assunto e eu fiquei sabendo que ele ficou chateado, porque ele esperava que eu fosse tocar no assunto. Aí eu falei: “vai ter a próxima”.
O Haddad era um dos incentivadores. Aí vai ter a próxima. Aí eu falei para a Dilma [Rousseff, ex-presidenta da República]: “Dilma, eu vou chamar o Alckmin para ser vice”. Ela falou: “O Alckmin? Ele não é de direita?”. Eu falei: “É, Dilma, mas eu preciso de votos do outro lado, Dilminha. E depois eu não conheço ele, mas ele é um homem bom”. E foi, e o Alckmin veio para ser o meu vice.
E hoje eu posso dizer para vocês, graças a Deus, eu posso dizer que o Alckmin talvez seja uma pessoa excepcionalmente extraordinária, leal, para trabalhar comigo, de quem eu sou muito agradecido. Mas eu tive que conhecê-lo, e ele teve que me conhecer.
Essas coisas é que vale a pena na política. É você ter que provar que todo dia acontece uma coisa diferente. Vocês acham que nós, do governo, temos algum problema contra o Congresso Nacional? A gente não tem.
Eu, sinceramente, não concordo. Não concordo com as emendas impositivas. Eu acho que o fato do Congresso Nacional sequestrar 50% do Orçamento da União é um grave erro histórico. Eu acho. Mas você só vai acabar com isso quando você mudar as pessoas que governam e que aprovaram isso.
Da mesma forma que eu acho um erro histórico, gente, eu trabalhava, eu ia na porta da Volkswagen às 5h30 da manhã, a Volkswagen tinha 40 mil trabalhadores, produzia 1.200 carros, a gente trabalhava a mesma jornada de trabalho que trabalha hoje. Com os avanços tecnológicos, a Volkswagen tinha 40 mil, tem 12 mil trabalhadores hoje, produz o dobro de carros.
E o que avançou tecnologicamente que a gente não reduz a jornada de trabalho? Para que serviu todos esses avanços tecnológicos se não resolvem reduzir? O que é reduzir para 40 horas? Já são 44 para muita gente. Qual é o prejuízo que tem para o mundo? Nenhum. Aliás, é importante também que a presidenta do México [Claudia Sheinbaum] tenha aprovado 40 horas semanais.
Eu tinha dito para os dirigentes sindicais há muito tempo, não peça que eu faça um projeto de lei para acabar, façam vocês um movimento para politizar a base. Mas eu queria que esse conselho estudasse com muito carinho essa proposta da jornada de trabalho para acabar com essa coisa de seis por um, porque não tem mais sentido neste país com os avanços tecnológicos. Eu trabalhava numa fábrica, eu trabalhava num torno, eu fazia dois pinos que ligavam o bloco de motor de um navio, fazia dois por dia.
A Village comprou uma máquina automática que fazia 90, 100 por dia. O que aconteceu? Eu deixei de ser torneiro mecânico e passei a ser operador de máquina. Cresci? Não, a empresa cresceu, o meu salário caiu.
É assim, Moisés [Selerges, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC], é assim. Então eu acho que nós precisamos, que conselho me dê um conselho, porque se vocês me derem um conselho, eu faço. Como vocês são conselheiros, então me deem um conselho, porque a gente pode apressar esse fim da jornada seis por um e dar uma jornada melhor para o povo brasileiro.
A terceira coisa que eu queria falar para vocês: a violência contra a mulher. Nós homens sempre achamos que é um problema da mulher. E também muitas mulheres acham que é um problema dela.
“Ah, vamos fazer reunião da mulher”. Não, você tem que se ater ao safado que bate nela para a reunião. Então o que é que eu acho? É preciso que a gente tenha uma proposta mais contundente, para que a gente possa, quem sabe, seguir o conselho do que você faz, para que as pessoas que matam a mulher, que estupram crianças, que fazem pedofilia, não sejam tratadas com respeito normal.
Tem que ter um tratamento mais duro para essa gente, porque eles têm que saber que é crime. “Ah, vai proibir o cara de visitar a mulher”. Mas a mulher fica dentro de casa com medo do desgraçado: “O cara está rodando o bairro”. Não, não pode ser assim.
O cara entra e bate na mulher outra vez. Então, quando você vê um cara arrastar a mulher um quilômetro numa trombada, quando você vê um cara dentro de um elevador dar 60 socos na cara da mulher, aquele brutamontes, machão, que ficou o tempo inteiro levantando o peso, treinando halterofilismo, tem que enfrentar outro cara, não uma mulher. “Ah, porque a mulher olhou para outro”. E daí? Olhou para outro, tchau e bença, não é obrigado a ficar com você. Então como é que a gente reage a essas coisas? Quando o cara pega, como em Recife, a mulher grávida com três filhos, tranca dentro de casa e toca fogo.
Ou o cara que pegou uma pistola e descarrega a pistola na mulher. Olha, quem tem que se importar com isso uma vez não são as mulheres. Isso é discurso para vocês na porta de fábrica, para os homens. É o homem que tem que parar de ser violento.
Ele é que tem que compreender que ninguém é obrigado a fazer o que ele quer. Se ele está com problema com a mulher, tchau e bênção, vai embora. O que ele acha é que ele é dono: “Eu sou proprietário. Não faz o que eu quero, vai tomar porrada”. Isso tem que acabar, mas se nós homens não assumirmos essa bandeira, Nobre [Sérgio, presidente nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT)], realmente a gente não resolve.
Essa é uma coisa que eu acho que esse Conselho tem que pensar e apresentar uma proposta dura. Para que não seja uma proposta do presidente da República, seja uma proposta da sociedade civil brasileira. Nós queremos colocar um fim no feminicídio. E o cara que praticar vai se ver. Então essa é outra coisa que eu acho muito importante vocês pensarem.
Tem uma outra coisa que eu queria compreender. Eu não sei por que que eu, cada vez que viajo, Alckmin, se eu viajar 15 minutos, uma vez eu estava fazendo um debate com um companheiro, Pepe Mujica [ex-presidente do Uruguai], naquela cidade vizinha, Brasil-Uruguai. E aí o cara me convidou: “Lula, vamos tomar um golo, como dizia José Alencar, naquela rua ali do Uruguai”. Eu falei: “Não posso ir, cara, porque eu sou presidente do Brasil. Se eu sair, eu tenho que passar o mandato para o Alckmin”.
Agora me digam uma coisa. Por que o ministro do Superior Tribunal de Justiça pode ficar três meses viajando e votar pelo celular? Por que no período do ministro da Justiça as pessoas votam pelo celular? Por que um juiz de primeira instância está em casa tomando cerveja e ele vota pelo celular, condenando uma pessoa? Por que um deputado pode ficar três meses fora, votando pelo celular, e eu tenho que passar o mandato para o Alckmin? Ora, por que as pessoas não seguem, pelo menos, o mandato da pessoa mais legitimamente representativa deste país, que é o presidente da República? Por que as pessoas não seguem? Então, isso são coisas que vão incomodando a sociedade.
Você imagina um juiz de primeira instância numa cidade do interior, colocando o Stuckinha [Ricardo Stuckert, fotógrafo oficial] na cadeia, porque tirou a fotografia feia do Lula, sem ver a cara do Stuckinha sentado no banco do réu. Então, é importante que as pessoas estejam de corpo presente, para dar seriedade.
Imagina você está em algum lugar, não vou dizer aonde, mas vocês compreendem. Você está em um lugar, no bem bom, dançando uma lambada, aí daqui a pouco toca o telefone: “Você tem que votar. E vota.”
Qual é a seriedade disso? Isso vai fazendo com que o povo desacredite nas instituições. Isso vai fazendo com que o povo comece a pensar que a democracia vale muito pouco. Isso vai levando a gente a ficar desmoralizado quando a gente defende a organização partidária, a organização sindical, a organização da democracia, mas fica desacreditado porque a gente não passa a seriedade.
O nosso comportamento precisa ser exemplar. Quanto mais exemplar a gente for, mais credibilidade a gente conquista e mais respeitabilidade o povo vai ter nas instituições. Ou seja, isso depende de quem? Depende de nós.
Então eu queria pedir para vocês, coloquem esse tema no debate de vocês, Olavo [Noleto, secretário-executivo do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável]. Coloquem isso no debate de vocês, porque não pode ser uma coisa menor. Esse dia, um cara me chamava a atenção sobre esse negócio das pessoas votarem pelo celular.
Tem gente que já está há dois meses fora votando. Tem gente que já está morando em outro país. Tem gente que mora em outro estado. Tem juiz que é de uma cidade e mora em outro estado. Ele não precisa ir lá: “O meu assessor me telefona e eu dou a sanção aqui”. Vou condenar a Luiza: “Dez anos de cadeia, por tratar funcionário bem, esta é sua pena”.
Hoje este país está para ser construído. Eu tenho muito orgulho do seguinte: eu acho que eu tenho sorte de escolher as pessoas que trabalham comigo. E acho que eu fico com muita pena do pessoal da Fazenda, do Haddad, da turma dele, porque todo dia tem uma notícia: “Déficit fiscal. O governo está gastando”. Quem é que se queixa tanto assim? É a Faria Lima. A Faria Lima está preocupada com o povo que está passando fome? Ela está preocupada com a periferia deste país? Ela está preocupada com as pessoas que estão morrendo de enchente? Não. Ela está preocupada em saber se ela vai ganhar e receber o dela. Quer ganhar mais. É esse tipo de comportamento que não pode prevalecer no Brasil.
Luiza, se a gente tivesse 80% dos empresários com a tua cabeça. Eraí, se a gente tivesse 50% do agronegócio com a tua cabeça. Se a gente tivesse as pessoas maduras para construir este país.
Quanto custou não investir na educação no tempo certo? Quanto custou não fazer a reforma agrária no tempo certo? Quanto custou não tratar os indígenas com respeito no tempo certo? Quanto custou fazer o desmatamento que foi feito de forma desrespeitosa? Então vocês do conselho, companheiros e companheiras, devem sentir orgulho porque vocês fazem parte de um agrupamento de pessoas da sociedade civil que tem proximidade com o governo para fazer as propostas. Nós não sabemos tudo. Às vezes a gente não sabe nada.
Individualmente, vocês também podem não saber tudo, mas quando junta o pouco de cada um de vocês, aí isso forma um todo poderoso que pode ajudar a gente. Por isso, eu quero agradecer do fundo do coração a dedicação de cada um de vocês, homens e mulheres, pessoas que se dedicam, durante várias horas por ano, para pensar, escrever, propor. Às vezes a gente nem leva em conta, né, Haddad? Às vezes, vocês falam: “Cadê o Lula, nem leu”.
Vou ler. Vou ler pelo seguinte: é importante que vocês, conselheiros, saibam. A gente não está num ano político. Só quero dizer para vocês, se depender do meu esforço pessoal, este país jamais será governado por alguém que não acredite na democracia, por alguém que não respeita a sociedade brasileira, por alguém que não respeita as instituições. Jamais. Manter a democracia não é uma tarefa do Haddad, do Alckmin, ou minha, ou mesmo dos ministros.
Manter a democracia é uma necessidade do povo brasileiro, porque a democracia permite a alternância de poder. Permite que um dia você eleja um patrão, no outro dia eleja um trabalhador, outra vez eleja um fazendeiro, outra vez eleja um pequeno proprietário, uma vez eleja um homem, outra vez uma mulher, outra vez um branco, outra vez um negro.
Isso se chama alternância de poder. Isso é possível através do exercício da democracia. Por isso, eu quero dizer para vocês: duvido que em algum país do planeta Terra tenha um presidente da República que tenha um conselho maravilhoso como o Conselho de Desenvolvimento Social que foi criado neste país. Parabéns a vocês, que Deus abençoe cada um de vocês e que Deus nos ajude a fazer desta pátria uma pátria grande.
Um abraço, gente.