Pronunciamento do presidente Lula durante visita no Quilombo Itacoã Miri, em Belém (PA)
Eu queria dizer poucas palavras para vocês, porque, quando a gente sair daqui, a gente vai visitar uma comunidade de assentamento de pequenos produtores rurais. Mas eu queria dizer porque resolvi fazer essa viagem aqui perto da COP30. A gente escolheu o estado do Pará, no coração da Amazônia, porque o mundo inteiro fala da Amazônia como se a Amazônia fosse do mundo. Mas a Amazônia é um território brasileiro.
A nossa Amazônia, que é a maior reserva florestal do mundo, a nossa Amazônia envolve mais oito países da América do Sul, que tem também parte no território amazônico. E esse conjunto de países representam a maior concentração de floresta em pé do planeta Terra.
E todo mundo fala que é importante manter a floresta em pé, porque a floresta em pé vai permitir que a gente possa combater a emissão de gás de efeito estufa, muitos deles provocados pelo combustível fóssil, oriundo do petróleo, depois também do carvão e outras coisas que poluem o planeta. Então, como é que a gente pode manter a floresta em pé? A gente não pode manter a floresta em pé apenas com a polícia, apenas com a punição.
Então, nós tomamos algumas atitudes. Como é que a gente pode financiar as pessoas que moram na floresta para que eles ganhem dinheiro em função de morar na floresta? Para que não seja um pesadelo morar na floresta, onde não tem acesso à saúde, onde não tem acesso à educação, onde não tem acesso às coisas elementares que um ser humano precisa para viver bem.
Então, nós devemos fazer com que o mundo conheça a Amazônia. Venha colocar os pés aqui no estado do Pará, venha conhecer os nossos rios, a nossa fauna, venha conhecer tudo que a gente tem e, sobretudo, conhecer o ser humano brasileiro e o ser humano do Pará.
E dentro do Pará, conhecer a culinária do Pará, que é a culinária mais poderosa que esse país tem. Eu tenho certeza que nós vamos encantar os gringos que vierem aqui. Eu tenho certeza, porque é muito fácil ir para Paris, para Londres, para Nova York... Agora muita gente dizia: “não, não faz a COP no Pará porque no Pará não tem hotel, não faz a COP no Pará porque tem mosquitos, não faz a COP no Pará porque não tem treinamento básico”. Pois nós fizemos uma parceria com o governo do estado e trabalhamos muito firmemente.
Governo Federal e governo estadual, e fizemos uma revolução na cidade de Belém para receber os gringos que vierem aqui. E o companheiro Helder [Barbalho, governador do Pará] sabe que depois que a COP for embora, tudo que foi feito por conta da COP tem que ficar para benefício do povo do estado do Pará e para benefício do povo de Belém.
Então, eu resolvi fazer uma visita porque eu quero que eles conheçam o que é Floresta Amazônica. Eu gostaria que eles estivessem como eu, visitando um quilombo, visitando uma parte daquilo que é a parte organizada da sociedade quilombola desse país. Porque nem todos ainda têm a organização que vocês têm.
E eu vim aqui para ouvir vocês. Eu vim aqui para ouvir a demanda de vocês, o que que falta a gente fazer. Eu não tenho dúvida que foi no meu período de governo e no período de governo da Dilma [Rousseff, ex-presidenta do Brasil] que a gente mais cuidou do povo quilombola e do povo indígena neste país.
Mas tudo que a gente faça ainda é muito pouco pela quantidade de décadas que vocês foram abandonados. Na verdade, ser pobre e quilombola, ou ser pobre e indígena, ou ser pobre e pobre mesmo, na periferia, é ser tratado como se fosse invisível. Uma parte da elite não enxerga as pessoas. E eu vim aqui para vocês cobrarem.
Ontem, só para vocês terem ideia, eu fui visitar uma reserva extrativista lá no baixo Tapajós, duas horas de barco de Santarém, e falei com oito ministros ao vivo. Cada reclamação que as pessoas faziam para mim, eu colocava um ministro para falar com ele. Aí eu descubro, por exemplo, a primeira coisa que eu vi quando eu fui visitar o posto médico era um companheiro sem dente, e nós criamos o Brasil Sorridente, em 2003, para cuidar do povo pobre desse país que não pode pagar dentista, foi para isso que nós criamos.
Na hora, liguei para o ministro Padilha [Alexandre, ministro da Saúde] porque faz dois meses que eu fui para a cidade do interior de São Paulo comprar 800 vans equipadas com aparelho odontológico, com cabine de dentista, para tratar da boca de todas as pessoas. Não é para arrancar dente, não, é para tratar dos dentes.
É fazer tratamento de canal, fazer ortodontia. Se a pessoa não tiver dente, dá para fazer uma prótese maravilhosa, bonita. A pessoa vai voltar a comer carne, castanha, amendoim, vai comer o que quiser. Depois, não fica bem nem um homem sorrir para a mulher sem um dente na boca e nem a mulher sorrir para o homem, não é isso? Então nós criamos isso. Então, Padilha, pelo amor de Deus, faça com que essa van venha para cá para cuidar dos dentes. Não é para ficar dentro da cidade, é para visitar os lugares que as pessoas precisam.
Da mesma forma, o nosso programa médico Agora Tem Especialista. Eu fiquei sabendo e também liguei para o Padilha: aqui nesse quilombo, o médico vem a cada 15 dias, e nós temos uma enfermeira que se formou pelas cotas, temos uma técnica de enfermagem. Ela que faz o trabalho, porque o médico vem a cada 15 dias para ficar um dia. Eu liguei para o Padilha, já mandamos a mensagem para o Padilha. É muito pouco, Padilha. É preciso que a gente crie condições de vir mais médicos para cá. Afinal de contas, a doença não espera.
E nós, agora com as máquinas para fazer fotografia do coração portátil, ou seja, porque todo mundo tem que ter direito a ser bem tratado. Todo mundo. Então, as coisas vão melhorar.
Eu vim aqui para vocês se queixarem. Eu não vim aqui para vocês me darem parabéns. Eu vim aqui para vocês falarem: “Lulinha, Lulinha, você já fez tal coisa, mas ainda tem que fazer muita coisa, cara”.
Tem que cobrar do Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária]: por que demora tanto para demarcar a terra? Tem que cobrar do Paulo Teixeira [ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar]: por que é que aqui não tem crédito ainda? Por que o Pronaf [Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar] não chegou na maioria dos lugares aqui nesse estado?
Ontem o pessoal se queixou, Paulo. Não tem Desenrola, não tem Acredita. Ou seja, o que a gente anuncia todo dia em Brasília não chega em todos os cantos. Se a gente não vem aqui, a gente não sabe.
Então, a gente tem que botar o pé, porque a cabeça da gente pensa de acordo com o chão que os nossos pés pisam. E eu estou pisando aqui, vendo a cara de vocês, vendo o rosto de vocês, para sair daqui com a certeza daquilo que vocês precisam e fazer com que as coisas aconteçam. Nós decidimos em Brasília, e essas coisas tem que chegar aqui. Porque é para isso que a gente decide em Brasília.
Então, eu queria que vocês soubessem da minha alegria de estar aqui. Seria muito fácil eu estar em Brasília hoje, no meu gabinete, com o ar condicionado. Seria muito mais fácil para mim. Seria muito mais fácil ontem eu estar na minha casa lá em Brasília, tomando banho de piscina. Mas eu vim aqui para conhecer e agora vai ser assim.
Em cada lugar que eu encontrar um problema, eu vou ligar para o ministro. Ontem, por exemplo, eu fui em uma comunidade que não tem Luz para Todos, cara. Eu estou achando que tem Luz Para Todos em todo o território nacional, porque em 2013 a gente aprovou e já levamos luz para mais de 17 milhões de pessoas. Mas eu encontrei uma comunidade que não tem luz. Sabe como é que as pessoas vivem? Um motor velho, barulhento, que só pode ser ligado duas horas por dia, só duas horas: na hora do almoço e na hora da janta. E o resto do dia é desligado.
Não é possível, hoje em dia, que você tem placa solar, você tem energia eólica, hoje você não precisa ter o sacrifício de antigamente. Então, na hora, eu liguei para o ministro Alexandre Silveira [Minas e Energia] para descobrir por que não tem luz para todos. Semana que vem vai ter que ir lá, vai ter que começar a resolver essas coisas, porque senão a gente vira vítima só do pessoal da Faria Lima, dos banqueiros, que vivem fazendo pressão todo dia.
E vocês, a gente nunca ouve. Por isso, baixinho invocado, foi importante você falar que o Incra tem que mudar de nome. Por que é Instituto Nacional de Colonização? Não pode ser outro mais afável, mais generoso? Por que é colonização? Esse é o nome do Paulo, esse é o nome do Incra. Ele me chamou até para uma coisa que ninguém nunca tinha me chamado e somente um baixinho invocado com o chapéu mais bonito que o meu era capaz de falar o que ele falou. Por isso, nunca mais vocês verão as mesmas coisas que tem aqui. Vai melhorar.
Sobretudo a política de crédito, a política de assistência técnica, a política de ajuda à mecanização daqueles que querem sair... Sabe como é que a gente melhora as coisas? Eu fiz uma provocação ao jornalista, perguntando se ele queria subir no pé de açaí. Mas eu devia ter mandado o meu ministro subir.
Eu devia ter mandado o meu ministro subir para ele saber o quão difícil é. Quando a gente era pequeno, não sei se é uma brincadeira chamada pau de sebo. Quando a gente era pequeno, nas festas de São João, fazia o pau de sebo, colocava um prêmio lá em cima e ensebava com muita gordura um poste e tinha que subir e pegar lá em cima.
Quase ninguém conseguia pegar. Quando a gente vê o pessoal subir, eu lembrei da brincadeira do pau de sebo. Mas não tem maneira de colocar um negócio no pé e subir que nem um gafanhoto, não. Era subir sem corda. Então, é difícil pra caramba, gente. Difícil subir lá em cima e ainda cortar, e ainda descer com o cacho na mão.
Então nós vamos ter que ajudar. É pra isso que eu vim aqui. Porque a gente não conhece vocês por livro. A gente não conhece vocês pela televisão. A gente tem que vir e olhar no olho de vocês, pegar na mão de vocês, passar no cocuruto de vocês, pra gente saber que vocês, igual a gente, têm a mesma vontade que a gente, querem progredir, porque o nosso sonho é ir em paz com a família da gente, trabalhando, vivendo do nosso salário, comendo, educando nossos filhos, tendo uma boa saúde, uma boa escola, tendo prazer pela vida.
É isso que vocês merecem neste país. A educação é o principal, gente. E também eu já visitei comunidade que ainda não chegou o Minha Casa, Minha Vida. Minha Casa, Minha Vida foi criado pra fazer casa para as pessoas mais pobres. É isso que tem que acontecer nesse país.
Então, de coração, muito obrigado. Você não sabe a alegria de chegar aqui e encontrar o meu companheiro Zeca [morador da comunidade]. O Zeca, que tem apenas 73 anos, diz que ainda joga. Eu, se tivesse tempo, ia desafiar você. Você jogava de quê? Deixa eu te falar uma coisa. Eu fui meia-direita, bom de bola. Você está lembrado do Didi, da Copa de 58? Eu era mais ou menos igual a ele.
Aí a minha mãe falou: “Meu filho, você não vai jogar bola. Você vai se preparar para ser presidente”. E eu estudei, estudei, estudei, estudei, estudei. Perdi uma eleição, duas eleições, três eleições. Eu estava cansado de perder, pô. Depois que vocês enjoaram de não votar em mim, vocês votaram, aí eu ganhei.
Então, eu quero agradecer a todos vocês, pela dedicação de vocês à luta que vocês acreditaram. É muito importante que a juventude veja o que vocês vivem hoje não é uma coisa de graça.
Essas pessoas que estão aqui, esses senhores e essas senhoras, um pouco mais idosos que vocês, dedicaram grande parte da vida deles para que a gente pudesse ter esse conforto que a gente tá tendo aqui, fazendo essa reunião.
Quando eu cheguei na casa do Zeca e comi um bolo de macaxeira que ele fez, que ele vendia para educar a filha, e vejo todas as filhas do Zeca formadas pela lei de cotas, vocês não sabem o orgulho que eu tenho. De saber que a gente está conseguindo, saber que é a filha do povo mais humilde e o filho pode virar doutor, pode virar médico, engenheiro, assistente social, socióloga, pode virar o que quiser.
Então, gente, lá do fundo do coração, muito obrigado por essa oportunidade de eu estar aqui com vocês. Pode estar certo que eu conheço muita gente.
Eu conheço muitos países do mundo. Muito, muito, muito, muito. O Brasil nunca teve um presidente que conhecesse o mundo como eu conheço.
Mas nada é mais generoso e nada é mais poderoso do que conhecer vocês, sentir o cheiro do povo do meu país, ver a cara do povo do meu país, ver a cara de um povo resiliente, um povo que luta, que luta de manhã, de tarde e de noite, incansavelmente, e que não reclama da vida.
A gente agradece a Deus por ter nos dado o dia de ontem, por me garantir o dia de hoje e, se Deus quiser, de acordar amanhã, para viver mais um dia.
Então, gente, que Deus abençoe vocês. Muito obrigado. Vou partir agora, mais duas horas de barco, para visitar outra comunidade.
Viva os quilombolas do Brasil! Viva os quilombolas do Pará! Viva os quilombolas de Itancoã Miri! Beijo do coração!