Pronunciamento do presidente Lula durante Cerimônia de Outorga da Ordem Nacional do Mérito Educativo
Eu estava dizendo para o Camilo [Santana, ministro da Educação] que não precisaria ter mais discurso depois da colocação das faixas e da distribuição dos prêmios das pessoas que foram premiadas pelo pelo Ministério da Educação. A única coisa que cabe dizer aqui é que tudo que a gente possa fazer para homenagear, premiar ou condecorar as pessoas ligadas à educação é pouco, é muito pouco, pela importância que a educação tem no nosso país.
Possivelmente, por ser a educação uma coisa tão transformadora na vida de homens e mulheres do planeta Terra, é que muita gente nunca quis que o povo brasileiro fosse educado.
Eu digo isso porque é um problema, na minha opinião, de educação para o povo brasileiro. Nós fomos o último país da América do Sul a ter uma Universidade Federal. É como se fosse uma coisa vergonhosa para a elite, durante tantas décadas e séculos, permitir que o povo brasileiro tivesse acesso à educação.
Eu conto sempre uma história. Cristóvão Colombo chegou a Santo Domingo em 1492. Em 1532, 40 anos depois, Santo Domingo já tinha a primeira Universidade. Cabral [Pedro Álvares] chegou aqui em 1500, oito anos depois [da chegada de Cristóvão Colombo]. E a primeira Universidade nossa que deveria ser em 1540, mas ela só foi criada em 1920, 400 anos depois. Isso em uma demonstração da não importância que a elite dominante deste país tinha para com a educação.
A ideia de que a educação é para poucos, para as classes dirigentes, fez com que este país, mesmo com todo investimento que nós fizemos na educação, ainda comparado ao Chile e a Argentina, a gente ainda tem proporcionalmente menos jovens na universidade que esses países.
E eu, neste dia que comemora 95 anos do MEC, não pensem que eu falo isso com orgulho; eu falo com uma certa tristeza. Eu sou o único presidente da República deste país que não teve acesso à universidade. Único. E tenho muito orgulho de ser o presidente da República que mais fez universidades, que mais fez institutos federais, que mais fez investimentos na educação desse país.
Quando foi criado o Ministério da Educação, Camilo, você sabe qual era o nome? Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública. Depois, nós evoluímos um pouco e passou a ser Ministério do Esporte, Cultura e Educação. Depois, evoluímos um pouco mais, ficou só Ministério do Esporte e da Educação. E, finalmente separamos as coisas: Cultura tem seu Ministério, Esporte tem seu Ministério e Educação tem o seu Ministério.
Sempre tendo em mente, para quem quiser ouvir, que é mais barato melhorar a qualidade de ensino das crianças no ensino fundamental. É mais barato garantir um Pé-de-Meia para que os jovens não desistam do ensino médio do que manter um jovem na cadeia por falta de oportunidade que ele teve de estudar. Esse é o desafio que está colocado para todos nós. Aliás, essa é a arte de governar.
Eu tive muita sorte, porque eu tive quatro ministros da Educação. Dois ficaram muito pouco tempo. Cristovam [Buarque] ficou um ano; Tarso Genro ficou um ano, porque teve que ser candidato a governador do Rio Grande do Sul, e depois eu tive o Haddad [Fernando, atual ministro da Fazenda].
E eu tenho muito orgulho de dizer que, até antes de terminar a gestão do Camilo, o Haddad continua sendo o melhor ministro da Educação que este país já teve. E a tarefa que eu dei ao Camilo é que, quando terminar a gestão dele, o Haddad vai ser o medalha de prata, e ele tem que virar o medalha de ouro, porque ele tem que ser o melhor Ministro da Educação do país. E se porventura tiver um outro ministro subordinado à orientação, o Haddad vai cair para bronze, Camilo cairá para prata, e o outro será o medalha de ouro.
Porque não tem jeito. Se a gente não investir em educação, não tem como fazer este país dar um salto de qualidade. Não tem como este país se transformar num país desenvolvido. Não tem como este país virar competitivo. Não tem como a gente não deixar de ser exportador de commodities para ser exportador de inteligência, de conhecimento. E, para isso, a gente tem que ter escola e educação de qualidade para todos. Não precisa ser nem um gênio, é só ter bom senso.
E eu digo sempre aos companheiros, em todas as palestras e discursos que eu faço: a minha obsessão pela escola é pelo fato de eu não ter tido educação. Possivelmente seja essa a minha obsessão, o fato de eu não ter tido oportunidade de ter um curso universitário. E eu brinco sempre com meus amigos economistas: que eu sonharia ser economista, Zé Múcio [José, ministro da Defesa].
Porque economista sabe tudo. Quando está na oposição, quando vai para o governo...aí a gente não sabe mais. A gente sabe apenas um pouco, ou aquilo que a gente pode saber. Mas a verdade é que todo mundo sonha.
Eu digo sempre que não há nada mais prazeroso para um pai ou uma mãe do que saber que o filho vai ter uma profissão, que o filho vai ter uma universidade, que o filho vai ter qualificação. Esse é o grande patrimônio que uma mãe quer deixar para o filho ou para a filha.
Muita gente pensa que é riqueza, que é fazenda, que é herança. Não é nada disso. É educação. Porque a educação abre o caminho para as pessoas fazerem opções e, mais ainda, a educação nos dá o conhecimento para que a gente possa colocar para fora a nossa inteligência.
O Gil do Vigor [phd em Economia e influenciador, um dos homenageados na cerimônia], você já nasceu inteligente. Paulo Freire dizia: se todo mundo comer bem, não tem ninguém que não seja inteligente e bonito. Agora se você passou fome desde pequeno, não há jeito de você ser bonito e ser inteligente.
Agora se você come, e se você tem a oportunidade, o que a universidade te deu foi o conhecimento. Para você poder colocar para fora uma inteligência que está trancada dentro da tua cabeça. Uma parede que, se você não tiver oportunidade, você não consegue atravessar.
A grande questão neste país é oportunidade, é motivação. É fazer com que as pessoas não deixem de acreditar, de sonhar, de brigar. Esse é o desafio que a gente tem que fazer para a juventude brasileira.
Não deixar ninguém desanimar. E as pessoas que trabalham com a educação têm que ter também na mente uma coisa: é preciso transformar a escola numa coisa de atração, para que as crianças se levantem de manhã brigando com a mãe para ir para a escola.
Se uma criança levanta de manhã e começa a chorar porque não quer ir para a escola, alguma coisa não está bem naquela escola. É preciso saber. Se a gente quiser fazer essa revolução, nós estamos avançando, Camilo.
Eu estou com um discurso escrito, mas eu não vou ler porque parece uma prestação de contas de um secretário-geral do Partido Comunista de algum país do mundo. A quantidade de números que tem aqui... eu não vou dizer número para vocês.
Não preciso dizer número porque eu sei que nós fizemos mais educação do que qualquer outro governo na história deste país. Falo com muito orgulho. Não existe na história do Brasil um momento em que a educação ganhou tanto como nos governos de Lula e da Dilma Rousseff [ex-presidenta do Brasil]. Não há. E ainda falta muito para fazer e muito para fazer está na mão de vocês.
Vocês sabem o que é retrocesso. De vez em quando a gente esquece. Vocês sabem o que aconteceu depois do impeachment da Dilma, do golpe que deram a Dilma. Vocês viram o retrocesso que aconteceu neste país em todas as áreas: na educação, na saúde, na cultura, na mulher, na igualdade racial, na questão dos povos indígenas, na ciência e tecnologia. Em tudo houve atraso.
Então, é importante que a gente não perca de vista. Nós temos uma luta política muito grande. E política é uma coisa, viu Gil? Fernando de Moraes, meu querido escritor, escreva meu livro, pelo amor de Deus. Gente, política é uma coisa tão importante que é a única atividade, não é, Lewandowski [Ricardo, ministro da Justiça e Segurança Pública], que não tem curso na universidade. Não tem universidade para ensinar o cara a ser político.
Você aprende a ser médico, engenheiro, advogado, cientista, doutor, físico, químico, qualquer coisa. Mas político não tem. Porque político é você ter lado e é você fazer escolha. Toda decisão é uma escolha: para quem que você quer governar; a quem que você quer atender; para quem que você quer fazer o bem.
Esse é o grande desafio que os políticos têm e que a universidade não pode ensinar. A gente tem que aprender na escola da vida e com os companheiros.
Eu devo tudo o que eu sou às portas de fábrica que eu frequentei desde os 23 anos de idade. Foi ali que me veio a lembrança de que era possível a gente mudar este país. Aquele murinho que a tua mãe disse que você tem que quebrar. Aquela paredezinha. Nós temos que quebrar coisa pior do que o muro de Berlim. Coisa pior. E ainda não conseguimos derrubar tudo. Falta muita coisa. Os pobres deste país ainda não estão nas instituições que mandam no poder.
Ainda não chegaram. As instituições que governam o país são muito poderosas. E o PROUNI [Programa Universidade para Todos] não chegou lá ainda. O FIES [Fundo de Financiamento Estudantil] não chegou lá ainda. E nós vamos surpreender o mundo. Porque agora, este mês, eu vou anunciar uma Universidade do Esporte e uma Universidade Indígena. Para poder coroar definitivamente a educação deste país – Esporte para ver se o Brasil volta a ganhar uma Copa do Mundo. Porque do jeito que está, está difícil.
Indígenas e possivelmente quilombolas. A gente tem que pensar. Porque quando a gente fala disso, tem muita gente que fecha a cara, franze a testa com raiva. Porque é muita coisa. Mas eu acho que nós temos, neste país, que acreditar no seguinte: o Haddad sabe por que ele hoje é ministro da Fazenda e já foi ministro da Educação. Ele se lembra, quando começamos a discutir, o meu desejo de colocar pobres na universidade. Ele sabe. E graças a Deus, ele me apresentou a ideia do PROUNI, que foi a maior revolução educacional deste país. A maior. As cotas foram uma grande revolução.
O FIES existia, Carlos [Vieira, presidente da Caixa]. O FIES existia, mas existia para inglês ver. Porque o povo trabalhador, o povo da periferia, quando passava no vestibular numa escola privada, via que não tinha como pagar a mensalidade, ia na Caixa Econômica atrás do FIES. A primeira coisa que a Caixa Econômica pedia era um fiador. E quem é que vai ser garantidor de um pobre e ainda estudante? Nem o pai.
Então, o que é que nós fizemos? Graças ao Haddad, nós decidimos financiar: o Estado vai financiar, vai ser o fiador desse jovem. Aí eles não pagam. Agora, você não pode pagar muito. Mas o que é um estudante não poder pagar? Quanta gente que dá o calote no Estado? Quanta gente que sonega imposto de renda neste país? Quanta gente?
Então, o Haddad criou um programa chamado Desenrola [Brasil]. Aqueles coitados que não podiam pagar foram para o Desenrola e desenrolaram: R$ 17 bilhões foram renegociados.
Em uma demonstração, Haddad, de que o que falta efetivamente neste país é oportunidade. Dê oportunidade e coloque dinheiro na educação que este país fará a sua revolução.
Um beijo no coração, parabéns a todos os premiados e até o ano que vem.