Pronunciamento do presidente Lula durante assinatura do Plano Nacional de Cultura
Queridas amigas e queridos amigos, hoje é um dia especial. Especial porque é a realização de um sonho que eu tenho há muito tempo: de transformar a cultura num movimento efetivamente de base, numa coisa popular. Para que, em vez da gente ter aquelas coisas muito encalacradas, muito fechadas, em redomas, tudo que funciona certinho, a gente tenha uma espécie de guerrilha democrática cultural neste país. Onde as pessoas tenham a liberdade de fazer e de provocar para que façam acontecer a cultura no nosso país.
Eu poderia começar aqui dizendo o seguinte: eu não sou alto nem baixo, não sou feio nem bonito, não sou inteligente nem burro. Eu sou o resultado de um gesto de amor, certamente acontecido em janeiro, no final, ou começo de fevereiro, entre seu Aristides e dona Lindu, que fizeram com que eu nascesse dia 27 de outubro. Desse gesto de amor nasci eu. Então, eu sou apenas o que sou. Portanto, quem não me conhecia, passou a me conhecer.
Queridas companheiras e companheiros, há muitos anos eu sonho em fazer da cultura neste país uma coisa quase que revolucionária, com a participação da sociedade civil. Porque a cultura nada mais é do que o resultado da capacidade criativa do ser humano. Todo mundo tem um potencial cultural extraordinário desde o dia que nasce. O importante é que o Estado, em vez de determinar que tipo de cultura deve existir, precisa criar as condições para que as pessoas possam colocar para fora o potencial que têm.
A gente pode dar um pouco de conhecimento, mas a inteligência cultural está dentro de vocês e isso ninguém tira de vocês. O que nós precisamos é apenas exercitar esse potencial que vocês têm. Por isso é importante ter em conta, quando as pessoas perguntam o que eu sou ideologicamente, o que eu sou politicamente, eu digo que eu sou uma metamorfose ambulante.
Eu não sei das coisas, eu quero saber. Pelo fato de eu não saber de tudo, é muito fácil aceitar as coisas que os outros sabem e que eu não sei. E aí é que está a arte de bem governar um país: é você aceitar que a sociedade diga o que é bom fazer, o que governo não sabe fazer e o que o governo não pode fazer.
E o que nós estamos fazendo hoje, mandando essa lei para o Congresso Nacional, é dizendo para o meu líder no Senado, companheiro Jacques Wagner [senador/Líder do Governo no Senado Federal], para a nossa deputada, de que a partir de amanhã vocês terão trabalho em transformar definitivamente a nossa política cultural deste país, para que nenhum presidente da República, de qualquer partido que seja, de qualquer matriz ideológica que seja, possa um dia, outra vez, achar que pode proibir a cultura nesse país. Isso é transferir para vocês uma responsabilidade que a institucionalidade não permita que o governo faça.
Vocês sabem que a arte de governar é cheia de regras -- têm regras para tudo. Tem fiscalização para tudo. Tem gente que ajuda muito pouco e tem gente que atrapalha muito mais. Vocês sabem como é que é.
Esses dias eu ouvi de um companheiro, Wagner, que muitas vezes ele não quer determinado dinheiro do governo para determinada atividade, porque, quando chega o dinheiro do governo, é tanta exigência para ele cumprir que ele prefere não ter o dinheiro. Na questão da segurança pública é assim, você foi governador e o Rui [Costa, ministro da Casa Civil] foi governador.
Então, como é que você faz para liberar? É fazer o que nós estamos fazendo, criando um comitê de cultura. Para vocês extravasarem o potencial cultural de vocês naquilo que vocês sabem fazer, sem ter que pedir licença. Apenas respeitando aqueles que divergem da gente e tentando convencê-los que eles não são nossos inimigos, eles são apenas pessoas que não tiveram a chance de nos ouvir. E a nossa capacidade de convencê-los é o nosso desafio.
Eu estava dizendo para a Janja [Lula da Silva, primeira-dama] que eu tenho um discursinho por escrito aqui, e muitas vezes eu peço para o pessoal fazer discurso para mim e eles ficam chateados porque eu nunca leio. Eu nunca leio porque tem um problema sério. Veja, já falaram quatro pessoas antes de mim, e normalmente as pessoas falam aquilo que está escrito. Eu não quero repetir. Como eu estou contente com o discurso do Márcio [Tavares, secretário-executivo do Ministério da Cultura], com o discurso da Margareth [Menezes, Ministra da Cultura], com o discurso dos três companheiros que falaram, então eu não preciso ler. Porque aqui está tudo o que eles já falaram.
Mas eu queria apenas dizer para vocês o seguinte: estava dizendo para a Janja, o que nós precisamos ter certeza é de que vocês agora vão ter um instrumento que vocês podem, em cada bairro, em cada lugar em que estejam, numa comunidade quilombola, numa comunidade indígena, numa comunidade de pescadores, de catadoras de siri, de caranguejo, cortadores de açaí… Em qualquer lugar, a gente pode ter um núcleo cultural nesse país. Porque a gente não pode mais ficar no restante do país recebendo a cultura comercial, muitas vezes do Rio de Janeiro e de São Paulo, sem levar em conta que nós precisamos vender a nossa cultura.
Olhem o que está acontecendo em Belém (PA). Em Belém não está acontecendo apenas uma COP, aquilo que nós chamamos COP da verdade. Em Belém está acontecendo uma revolução cultural. O povo do Pará está conhecendo gente do mundo inteiro. E gente do mundo inteiro está conhecendo gente do Pará.
Eles estão bebendo a bebida do Pará, estão comendo a comida do Pará, estão dançando com homens e mulheres do Pará, estão ouvindo carimbó, estão ouvindo um monte de músicas. É só ver quanta gente está se divertindo ali, além do trabalho sério quando você está no exercício da COP. Veja que importante.
Quem é que já imaginou que a gente ia levar dois transatlânticos para o Pará? Em um porto feito em apenas cinco meses, quando ninguém acreditava que a gente pudesse fazer. Todo mundo falava: “Mas Lula, faz a COP no Rio de Janeiro, faz a COP em São Paulo...Lá está tudo pronto, lá já tem hotel, lá já tem um monte de coisa, faça lá”. Mas, se for assim, o Brasil não crescerá além da fronteira sul-sul.
Eu estava dizendo para a Janja: “Janja, será que esse nosso Comitê de Cultura -- que está sendo criado--, será capaz de fazer uma revolução cultural?” E a gente, através de vocês, a gente levar a troca da nossa cultura com os países africanos de língua portuguesa, num primeiro momento? Não é possível, através da cultura, a gente criar comitês em todos os países africanos? De quem nós dependemos? De ninguém. De nós mesmos, da nossa vontade.
Eu agora estou indo ao G20 na África do Sul e vou passar em Moçambique. Estou com a ideia de fazer um convênio entre as nossas universidades federais, a Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária] e os nossos institutos federais, para ensinar técnicas agrícolas ao povo africano, para que eles consigam efetivamente fazer a revolução agrícola que nós fizemos aqui no Brasil, sem os erros que nós cometemos.
Isso é possível fazer. Não depende mais de mandar um professor para lá ficar lá seis meses, não. Faz um curso a distância. Quem sabe seja a forma de a gente pagar a dívida de 350 anos de escravidão ao povo africano. E não depende de lei, depende de atitudes.
Então, o que estou, na verdade, é convocando vocês para serem mais do que agentes culturais dos comitês de cultura. Vocês têm que ser a base da conscientização, da politização de uma nova sociedade que nós precisamos criar para romper definitivamente com o negacionismo, com o fascismo.
A gente não pode esquecer nunca o que aconteceu neste país nos últimos anos. A gente não pode esquecer que, no governo passado, eles acabaram com o Ministério da Cultura, acabaram com o Ministério da Igualdade Racial, acabaram com o Ministério da Mulher, acabaram com vários ministérios. E vocês sabem, o meu problema não é só criar o ministério, o meu problema é criar um compromisso de vocês com o ministério. E o compromisso do ministério com vocês.
Se a Margareth fosse uma burocrata e ficasse dentro do gabinete só liberando coisas que ela pode liberar, a gente não era nada. A revolução cultural está em trazer, do mais longínquo lugar deste país, a cultura daquele povo para que o Brasil conheça. Porque o Brasil não conhece o Brasil e é preciso o Brasil conhecer o Brasil.
Queridos companheiros e companheiras, eu quero, Margareth, agradecer a você. Quero agradecer de coração. A primeira vez que eu vi a Margareth, eu fui no carnaval na Bahia. Eu estava andando, acho que eram umas duas horas da manhã, com o Jacques Wagner. Eu queria ir embora. E o Jacques falou: “Agora nós vamos ver o show de uma revelação, uma negra chamada Margareth Menezes, uma jovem”.
E nós fomos para a porta do lugar que ela ia cantar para ver ela cantar. Eu jamais imaginei que 30 anos depois, essa mulher negra, cantora, viesse a ser minha ministra da Cultura.
Chegou aqui uma mulher muito inibida. Ela tinha…. porque é engraçado, a gente pensa que artista sabe lidar com o microfone. Ele sabe cantar, mas para falar é um desastre. E ela tinha muita dificuldade. Vocês perceberam que ela já está com uma desenvoltura, que já parece que quer ser candidata a alguma coisa.
O dado concreto é que nós vivemos o melhor momento cultural deste país. Nós nunca tivemos tanto recurso por conta da Lei Blanc e da Lei Paulo Gustavo. Nós nunca tivemos tanto dinheiro. E esse dinheiro, quando a Margareth resolveu distribuir para os municípios, eu falei: “não é só distribuir o dinheiro, é fiscalizar, para saber se esse dinheiro está fazendo as coisas que precisam ser feitas.”
Porque se você passa o dinheiro e não fiscaliza, você não sabe se o dinheiro está cumprindo aquilo que é a finalidade do dinheiro. E, graças a Deus, nós estamos tendo um sucesso extraordinário na política cultural.
Quando eu vejo vocês, companheiros que fazem a cultura neste país, com essa alegria, com esse entusiasmo, eu quero dizer para vocês que hoje é, possivelmente, o meu dia mais feliz, desde que eu fui presidente da República, em se tratando de cultura.
Por favor, gente, eu faço um trabalho imenso, todo santo dia, para não decepcionar vocês. Por favor, não decepcionem o Brasil. Façam a revolução cultural que o Brasil precisa que seja feita, para que nunca mais alguém tenha coragem de dizer que a cultura não vale nada e que a cultura atrapalha, que os artistas são criadores de casos.
Vocês representam a alma e a mente do povo brasileiro. Parabéns, que Deus abençoe vocês e viva a cultura brasileira.