Pronunciamento do presidente Lula durante encontro com jogadoras da Seleção Brasileira Feminina de Futebol
Qual foi a audiência da TV Brasil transmitindo o jogo das meninas? Só para vocês saberem, a Antônia [Pellegrino, Diretora de Produção e Conteúdo da EBC] é a companheira responsável por dirigir o futebol feminino [dentro da TV Brasil] e o André Basbaum é o novo presidente da EBC. Você [André] vai continuar acreditando no futebol feminino? Vão continuar transmitindo? Nas mulheres também tem sub-15, sub-17, sub-18, sub-19, sub-20, sub-21, sub não sei das quantas? Tem?
Bem, uma coisa importante para vocês saberem, é o seguinte: este Projeto de Lei que nós estamos mandando ao Congresso Nacional, ele vai ser enviado dia 12 [dia seguinte] ao Congresso Nacional. Ele vai garantir às organizações esportivas formadas de futebol feminino os mesmos direitos e benefícios conferidos a de futebol masculino, inclusive os recursos financeiros.
Incentivar o futebol feminino de base, incentivar parcerias entre escolas, universidades e clubes de futebol para capacitação de talento no futebol feminino. Combater a discriminação, a intolerância, e a violência contra mulheres nas práticas relacionadas ao futebol.
O PL, o projeto de lei, altera a Lei Geral do Esporte, lei 14.597, de 2023, para que as organizações formadoras de atletas ofereçam estruturas que permitam o desenvolvimento de atletas mulheres em condições de igualdade com os homens. Só para vocês saberem qual é o projeto de lei que vai entrar no Congresso Nacional. É muito importante que as pessoas que gostam de futebol feminino e as pessoas que querem apoiar fiquem de olho no Congresso Nacional. Porque pode ser que tenha muita pressão de gente que não queira que seja aprovado um projeto de lei dando a vocês os mesmos direitos que os homens. Pode ser que apareça gente e vocês sabem que vai aparecer.
Porque no Brasil tem uma coisa engraçada que é a seguinte: quando um atleta fica famoso, não falta nem patrocínio, nem falta salário. Mas até a pessoa ficar famosa, é preciso saber quem é que cuida desse atleta. Quem é que cria as condições para que esses atletas que não são famosos tenham chance de crescer? Ora, se a iniciativa privada e se os clubes de futebol não fazem essa aposta, alguém tem que fazer. É por isso que nós criamos uma coisa chamada Bolsa Atleta, para que a gente pudesse dar às pessoas que têm mais necessidade o direito de praticar esporte.
Nas Olimpíadas últimas, em Paris, 99% dos atletas que foram disputar as Olimpíadas, que ganharam medalha, tinha muita gente do Bolsa Atleta. No futebol, não sei se dessa seleção, tinha 20 atletas que recebiam um auxílio do governo. Mas não é o governo só que tem que fazer. É a sociedade brasileira que tem que fazer.
As empresas públicas, todo mundo tem que entender o seguinte: a gente quer levar a sério, a gente quer fazer com que as coisas aconteçam. A gente quer fazer com que as mulheres pratiquem o futebol, o esporte que quiserem. E também as outras pessoas, e que a gente possa contribuir para que as pessoas tenham oportunidade. Na hora que vocês ficarem famosas, vocês vão ser contratadas, vão jogar em time estrangeiro, vão jogar no Real Madrid, vão jogar no Barcelona, vão jogar não sei onde, até no Corinthians vocês vão jogar.
Aliás, não trouxeram nem uma corintiana aqui hoje. Aqui vocês trouxeram uma goleira do Fluminense, uma companheira lateral do Palmeiras, uma companheira lateral da Ferroviária, uma companheira zagueira do São Paulo, uma companheira atacante do Palmeiras e um técnico que foi do Corinthians. É verdade que fez o Corinthians ser uma potência no futebol feminino.
Mas entre nós tem uma pessoa que eu quero que vocês conheçam, que é o prefeito Edinho [Silva, atual presidente nacional do PT]. O prefeito Edinho há muito tempo, ele já foi prefeito de Araraquara, 16 anos, o bicho tem experiência, ele é fanático pelo futebol feminino por conta da Ferroviária.
E faz tempo que ele vem infernizando a minha vida para que a gente faça alguma coisa a mais pelo esporte feminino. E desde o meu primeiro mandato, ele ficava falando em criar uma faculdade de futebol, uma faculdade de futebol. E eu agora resolvi fazer junto com o meu ministro do Esporte uma coisa mais forte que uma faculdade de futebol. Nós vamos fazer no Brasil uma Universidade do Esporte.
Uma universidade federal, que possa agrupar todas as práticas de esporte que o Brasil tem, para que a gente possa ser um país com um espectro de especialistas extraordinários. Certamente que a universidade não vai ensinar a jogar bola. Isso vocês vão aprender na rua de vocês, no campinho próximo de vocês, na escola, sabe? Porque é assim na rua que a gente aprende a jogar bola. Não é na universidade.
Na universidade a gente vai aprimorar profissionais. Nós vamos aprimorar os especialistas para que a gente possa ser altamente profissionalizado. Isso aqui para nós, nós queremos fazer um grande evento quando a gente for anunciar a universidade.
Obviamente que a gente vai precisar da CBF [Confederação Brasileira de Futebol]. A gente não vai dizer quanto é que vocês vão ter que colocar a mão no bolso, mas pode tratar de colocar a mão no bolso. Porque a gente quer convocar o mundo do esporte para discutir conosco a nossa universidade. Eu, pelo menos, não tenho noção do que deve fazer a universidade. Possivelmente vocês tenham. Mas a gente quer ouvir todos os especialistas que puderem nos ajudar a fazer desse país um espelho, um espelho na prática de esporte.
Eu sonhei uma vez que o Brasil ia ser uma potência olímpica. E eu pensei que a gente ia realizar isso quando nós conquistamos, em Copenhague, o direito do Brasil fazer as Olimpíadas em 2016. Foi o momento mais emocionante da minha vida, o dia em que aquele suíço falou “Rio de Janeiro”. Foi um momento extraordinário na minha vida.
Lamentavelmente, a gente fez uma reunião com as federações e a gente tinha oito anos pela frente, a gente poderia ter se tornado uma potência. Mas nem todo mundo leva muito a sério. Porque uma coisa que nós temos que aprender é que para ser um atleta vencedor em qualquer modalidade tem que ter condições. Condições materiais, condições financeiras e, sobretudo, dedicação, profissionalismo que cabe aos clubes garantir que vocês tenham.
Vocês, quando jogam com um time pequeno, vocês veem a diferença de um time grande como Palmeiras, São Paulo, Cruzeiro, Corinthians, Ferroviária. Joga com um time pequeno, do interior, você vê a diferença do preparo físico, você vê a diferença da roupa. A qualidade é outra.
Então, o que nós precisamos é garantir que todo mundo possa ter acesso a essa qualidade. E o Brasil precisa parar de pensar como um país pequeno, um país pobre, um país pequeno. O Brasil é pequeno de cabeça. Porque a gente pode ser muito maior, mas muito maior do que a gente é. E é isso que eu estou querendo fazer com o esporte.
Fazer com que o Brasil seja um espelho. Sabe, não é uma pena no futebol. Vai fazer 24 anos, Samir [Xaud, presidente da CBF] que a gente não ganha uma Copa do Mundo. Se a gente não ganhar agora nós vamos ficar no mais longevo tempo sem ganhar uma Copa do Mundo, cara.
Você sabe o que é isso, cara? Você é novo na CBF, é novo de idade, e a gente não pode ficar 30 anos sem ganhar uma Copa do Mundo. Por isso é que vocês podem lavar nossa alma ganhando. A gente vai fazer uma Copa do Mundo [Copa do Mundo de Futebol Feminino, em 2027] aqui no Brasil, Samir. A gente não vai passar pelas afrontas que a gente passou na Copa do Mundo masculina em 2014.
Você está lembrado quanta denúncia. Porque está fazendo estádio, porque tem corrupção, o inferno que foi naquela Copa do Mundo, que eu acho que foi inclusive uma das razões pelas quais o time brasileiro entrou derrotado em campo. Depois de tantas denúncias, eu fui procurar um juiz chamado Valmir Campelo. Ele era ministro do Tribunal de Contas da União. Esse cidadão, ministro, foi nomeado pelo Tribunal de Contas para acompanhar todos os estádios brasileiros. Todos! Depois de sofrer as acusações durante um ano, eu chamei esse ministro Valmir Campelo, que você deve conhecer, e eu perguntei: Valmir, eu queria saber de você uma coisa. Houve corrupção na construção dos estádios de futebol? Ele falou: “presidente, eu vou lhe entregar o relatório. Não houve nenhuma corrupção. O meu relatório está provando que houve uma denúncia no Maracanã, que foi corrigida enquanto estava construindo o estádio”. Eu falei para ele: mas por que você não se manifestou então, se estava todo mundo falando. Por que você não se manifestou? Ele falou: “Ah, porque não era meu papel manifestar. Eu não fui requisitado, então eu não podia falar”.
Agora a gente não vai passar por isso, porque os estádios estão prontos. Tem estádio de sobra para quem quer jogar bola. Em todos os estados têm estádio de primeiríssima qualidade. De primeiríssima qualidade. Obviamente que vocês, que já jogaram no Morumbi, já jogaram no campo do Palmeiras, na Ferroviária, vocês sabem que o do Corinthians é melhor. Vocês sabem que o estádio do Corinthians é melhor. Lá no estádio do Corinthians você cai e não se machuca, pode pular do jeito que você quiser que você não se machuca. No do Palmeiras já não é assim, porque aquele estádio parece mais um estacionamento do que um estádio.
Mas de qualquer forma, o Palmeiras é o Palmeiras. Então, gente, eu queria que vocês soubessem o seguinte: eu fico muito orgulhoso com a conquista que as mulheres vão tendo no mundo. Ou seja, as mulheres, aos poucos, vão ocupando espaços no mundo político, no mundo intelectual, no mundo acadêmico, no mundo cultural, no mundo esportivo, no mundo político. Ou seja, coisas que a gente não imaginava que as mulheres fossem ocupar.
O pai de vocês ou os avós de vocês podem dizer que mulher usar calça comprida não era correto. O Congresso Nacional não tinha banheiro para a mulher, porque se imaginava que o mundo era de homens. E eu sei que quando vocês começaram a jogar bola, na família de vocês estava cheio de gente que podia ficar perturbando vocês: “pô, é coisa de homem, você vai jogar, você não é moleque”. Não é isso? A molecada faria desaforo para vocês.
Agora, uma coisa que vocês aprenderam rapidamente. Eu já vi vocês falarem palavrão. Vocês também falam palavrão sem colocar a mão na boca. Eu já vi. Então, deixa eu falar uma coisa para vocês. Eu quero que vocês saibam que a gente vai fazer o que estiver no alcance do Estado brasileiro para que a gente possa ter em todas as áreas esportivas condições de disputar com qualquer país do mundo.
A gente não tem porquê ser inferior a ninguém. E aí, quando a gente for anunciar a universidade, eu gostaria da presença de vocês. Gostaria que vocês ajudassem a trazer o presidente da FIFA, o presidente da federação de alguns países importantes. Porque nós queremos aprender com todo mundo para depois a gente ensinar para todo mundo.
Então, eu quero dar parabéns a vocês. Parabéns. Eu espero que esse sucesso de vocês na Copa América se repita na Copa do Mundo. E aí, vocês sabem que é dedicação, é profissionalismo, e é vontade de ganhar. Vocês têm que botar na cabeça o seguinte: eu sou brasileira e não desisto nunca. E aí, se vocês pensarem assim, vocês vão ganhar a Copa do Mundo.
A gente não pode perder essa Copa do Mundo agora, cara. Senão vão ser vocês que vão ser xingados, sabe? Porque técnico de futebol é muito bom quando ganha. Quando perde dois jogos... Esses dias eu vi o Guardiola [Pep, treinador] ser xingado. Não é possível, gente. Não é possível.
Então, gente, eu quero dar os parabéns a vocês, dar os parabéns ao Fufuquinha [André Fufuca], que é o ministro do Esporte, dar os parabéns, Edinho, e agradecer a você pela insistência da gente fazer essa universidade, de se dedicar ao esporte. Tudo isso por conta de Araraquara, que é um time que está há muito tempo brigando.
Eu vou dizer pra vocês que é o seguinte, tem que a gente formar bons profissionais, a gente formar uma boa universidade, a gente vai incentivar e vai ter boas jogadoras. E eu espero que um dia vocês estejam tão boas que a gente possa convocar uma goleira mulher pra jogar no gol da seleção masculina.
Eu acho que nós temos jogadoras de qualidade, que se jogar no meio de algum time aí de homem não fica devendo favor, não. Eu já vi jogadas espetaculares. Então, gente, parabéns. Fufuquinha, parabéns.
Quero que as nossas deputadas olhem bem, porque esse projeto vai cair na mão das deputadas e das senadoras. E vocês, pelo amor de Deus, tratem de fazer aprovar esse projeto, sem muitas mudanças. Se tiver mudança é para melhorar o que está lá e não para piorar. Então, o lema é esse: melhorar sempre, piorar jamais o projeto de lei.
E você, Samir, que veio aqui, jovem e sorridente, poderia ter trazido uma camisa da Seleção Brasileira. Ah, deixa eu ver. Era isso.
Gente, um beijo para cada uma de vocês.
Uma pergunta que eu queria fazer para vocês. Vocês não precisam dizer. Eu não quero saber quanto ganho, não. Mas vou perguntar para o técnico. É muita diferença salarial entre uma jogadora da Seleção Brasileira e uma jogadora da Seleção Inglesa? Quando uma jogadora nossa sai, por exemplo, uma jogadora nossa vai jogar na França, o salário que ela ganha é bem maior do que o nosso?
Eu já sabia que a CBF poderia fazer, e as federações estaduais, é quando vai ter uma final como essa que vai ter agora, entre Corinthians e Cruzeiro, ou entre São Paulo e Palmeiras, ou São Paulo e Atlético. É importante que a semana inteira se faça propaganda na televisão, convocando, sobretudo as mulheres, para ir ao estádio. Sobretudo as mulheres. Porque embora as mulheres já tenham aprendido a entrar no campo para jogar bola, ainda muitas mulheres não aprenderam a ir torcer para as mulheres.
Então é importante incentivar. Tua mãe vai no campo para ver você jogar? Ela xinga quando alguém te machuca? E o nosso técnico fica bravo com vocês? Dizem que o técnico bom é aquele que ganha o vestiário. Vocês gostam dele no vestiário? Vocês gostam dele? Vocês xingam ele quando vocês entram no campo, quando vocês entram no vestiário para tomar banho e se trocar, vocês perderam o jogo, vocês ficam xingando ele? Aquele baixinho, aquele baixinho, aquele baixinho... Não precisam dizer do que vocês xingam, mas eu acho que vocês xingam.
Vocês têm, quando vocês saem de campo, o técnico tira você, faltam 20 minutos para terminar. Por que algumas pessoas saem bravas do campo? Eu vejo jogador chutando garrafa, dando murro, eu vejo. Às vezes passa pelo técnico e nem cumprimenta, vai embora direto. Agora veja que insensatez que é isso. Você tem uma amiga sentada no banco, que é a sua companheira do time. Ela está doida para entrar um pouquinho. Então, quando você sai, ela dá um sorriso de alegre: “eu agora vou entrar”.
Ao invés de você correr e abraçar ela e falar: “entra, querida. Entra e faça o gol que eu não consegui fazer”. Por que vocês ficam nervosas? Porque tem jogador que encrenca, encrenca mesmo. Tem jogador casca de ferida, não quer sair mesmo. E às vezes eles dão um azar, porque o cara que entra, em dois minutos marca o gol. Aí o técnico estava certo. Mas eu acho que você tem cara de bom técnico. Eu acompanho você desde o tempo do Corinthians. Você era diferenciado. O seu lado feminino é muito poderoso.
Então, gente, parabéns para vocês. Parabéns. Cada medalha que vocês ganham é motivo de orgulho para nós. Eu espero que isso seja uma forma de convencer a CBF a continuar apostando cada vez mais que a gente pode ser melhor do que a gente é hoje. A gente tem que sempre acreditar, Samir, que amanhã a gente pode ser um pouco melhor do que a gente foi hoje. E se a gente for um pouco melhor a cada novo amanhã, a gente vai ser campeão do mundo. Agora, por favor, me dê o seu presente.
>> Veja o vídeo do encontro do presidente Lula com a Seleção Brasileira Feminina de Futebol