Discurso do presidente Lula na abertura da 10 ª Reunião Anual do Novo Banco de Desenvolvimento do BRICS
É com grande satisfação que participo da abertura da décima reunião do Novo Banco de Desenvolvimento ao lado da minha querida companheira, a presidenta Dilma Rousseff [ex-presidenta da República].
Quero saudar a recente entrada da Argélia como membro pleno do NDB e o processo de adesão da Colômbia, do Uzbequistão e do Uruguai.
Outros grandes países como a Indonésia e Turquia vêm demonstrando interesse em se somar.
Isso comprova o potencial do NDB em atrair parceiros e como foro de cooperação financeira multilateral inclusivo, eficaz e representativo.
O NDB nasceu aqui no Brasil, na Cúpula de Fortaleza, em 2014.
A decisão de criá-lo foi um marco na atuação conjunta dos países emergentes.
É fruto do desejo compartilhado de superar o profundo déficit de financiamento para o desenvolvimento sustentável.
A falta de reformas efetivas nas instituições financeiras tradicionais limita, há décadas, o volume e os tipos de crédito oferecidos pelos bancos multilaterais.
A Conferência de Sevilha, encerrada há poucos dias, deixou claro que os recursos para a implementação dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável ainda não estão disponíveis na velocidade e na quantidade necessárias.
Em vez de aprofundar disparidades, o Novo Banco de Desenvolvimento assenta sua governança na igualdade de voz e voto.
No lugar de oferecer programas que impõem condicionalidades, o NDB financia projetos alinhados a prioridades nacionais.
O fortalecimento do uso de moedas locais tornou-se sua característica marcante.
Atualmente, 31% dos projetos do NDB são realizados nas moedas dos países membros.
A implementação do novo mecanismo de garantias multilaterais do BRICS, resultado da presidência brasileira, terá impacto positivo na capacidade de mitigação de risco e mobilização de capital privado.
Esse é um reforço essencial da institucionalidade financeira do Banco e expande sua área de atuação.
Hoje, o NDB contribui de forma crescente na promoção de uma transição justa e soberana.
Desde sua criação, mais de 120 projetos de investimento, no valor total de US$ 40 bilhões, foram aprovados para as áreas de energia limpa e eficiência energética, transporte, proteção ambiental, abastecimento de água e saneamento.
No Brasil, os recursos do Novo Banco já financiaram mais de 20 projetos em diferentes setores e regiões do país, totalizando mais de US$ 3,5 bilhões.
Sua rápida ação diante da catástrofe causada pelas enchentes no Rio Grande do Sul, confirma sua agilidade frente a situações de crise.
O compromisso do NDB de direcionar 40% de seus financiamentos para projetos em desenvolvimento sustentável está alinhado com a Declaração sobre Financiamento Climático que adotaremos na Cúpula do BRICS.
Essa é uma iniciativa que serve de estímulo à mobilização de recursos na reta final que nos levará à COP 30, em Belém, no coração da Amazônia.
Diante da acelerada transição digital em curso, o NDB vem destinando investimentos para a integração de novas tecnologias em setores como saúde, educação, transporte e infraestrutura.
O Brasil espera que o Banco financie estudo de viabilidade para um cabo submarino ligando os países do BRICS, que contribuirá para nossa soberania e aumento da velocidade na troca de dados.
O NDB foi parceiro de primeira hora da Aliança contra a Fome e a Pobreza, lançada pelo G20 no ano passado, e da Rede de Pesquisa de Tuberculose do BRICS.
Em um cenário global cada vez mais instável, marcado pelo ressurgimento do protecionismo e do unilateralismo, e impactado pela crise climática, o papel do NDB na redução de nossas vulnerabilidades será crescente.
Nosso Banco é mais do que um grande banco para países emergentes, ele é a comprovação de que uma arquitetura financeira reformada é viável e que um novo modelo de desenvolvimento mais justo é possível.
Eu queria, meus amigos e minhas amigas, dizer que existe uma tarefa que possivelmente todos vocês tenham consciência de que é importante cumpri-la, que é criar novos mecanismos de financiamento, sobretudo para novas situações, sobretudo para a questão da transição climática.
Todo mundo sabe que desde 2009, na COP15, em Copenhague, foi decidido que os países ricos iriam compensar a ajuda aos países pobres doando US$ 100 bilhões por ano para enfrentar a situação climática.
Já estamos em 2025 e, até agora, esse dinheiro não apareceu. Aquilo que era US$ 100 bilhões por ano, neste ano já é necessário US$ 1,6 trilhão para que a gente possa cumprir com os compromissos climáticos e não permitir que o planeta se aqueça mais de 1,5ºC.
Esse é um desafio de todo mundo e não há como fugir dele. Porque não existe outro planeta habitável até agora.
Tem gente tentando, tem gente gastando dinheiro, tem gente fazendo investimento para ver se tem outro planeta. Até agora não tem.
Então, nós somos obrigados a começar a pensar num modelo de desenvolvimento que, primeiro, seja um modelo capaz de a gente ter garantida a diminuição da emissão de gases estufa. Segundo, é preciso cuidar dos países que ainda têm floresta em pé. Não é possível que a gente queira que o Congo, que a Indonésia, que os outros países da América do Sul que tem a Amazônia, cuidem de suas florestas sem lembrar que embaixo de cada copa de árvore tem um pescador, tem um seringueiro, tem um extrativista, tem um indígena, que precisam de ajuda financeira até para que a gente possa mantê-los como guardiões de proteção da floresta.
Uma outra coisa desafiadora, companheira Dilma, e aí o NDB tem um papel preponderante, é a criação de novos formatos de financiamento. É preciso que a gente reeduque as instituições de Bretton Woods de que não é possível continuar no século XXI com a mudança que aconteceu na geopolítica, com a mudança que aconteceu no clima, tratando a questão de financiamento do mesmo jeito.
Ou seja, não é possível que o continente africano deva US$ 900 bilhões e o pagamento de juros, muitas vezes, seja maior do que qualquer dinheiro que eles tenham para fazer investimentos. Ou nós discutiremos uma nova forma de financiamento para ajudar os países em vias de desenvolvimento e os países mais pobres da África, da Ásia e da América Latina, ou esses países vão continuar pobres por mais um século, ou mais do que um século.
Não é possível que um país como o Haiti continue sendo um país semidestruído, onde você não pode nem eleger um presidente da República, porque as gangues tomaram conta do país.
Eu descobri, Dilma, esses dias, quando falei com o presidente Macron [Emmanuel Macron, presidente da França], que o Haiti pagou pela sua independência. E, se levar (em conta) o que o Haiti pagou pela independência no dinheiro de hoje, eu falei para o Macron que era preciso devolver US$ 28 bilhões para o Haiti. Porque não é possível um mundo que tem trilhões e trilhões de dólares, em que três ou quatro pessoas ganhem mais do que o PIB de muito país desenvolvido, não consiga resolver o problema de financiamento.
Não é doação de dinheiro. É empréstimo para que as pessoas possam ter uma chance de sair da miséria em que estão e darem um salto de qualidade.
Não é possível a gente viver num mundo no qual, no ano passado, se gastou US$ 2,7 trilhões em armas e ainda tenham 733 milhões de pessoas passando fome.
Eu sei que esse assunto não era para discutir aqui, mas se eu não discutir com as pessoas do dinheiro do mundo, eu vou discutir com quem? Eu vou discutir com quem não tem dinheiro? Então, está dado o recado.
Eu acho que vocês podem - e devem - mostrar ao mundo que é possível criar um novo modelo de financiamento. Sem condicionalidades. O modelo da austeridade não dá certo em nenhum país do mundo. A chamada austeridade, exigida pelas instituições financeiras, levou os países a ficarem mais pobres.
Porque toda vez que se fala em austeridade, o pobre fica mais pobre e o rico fica mais rico.
É isso que acontece no mundo de hoje. E é isso que nós temos que mudar.
Lamentavelmente eu quero terminar dizendo isso para vocês.
Eu tenho o prazer de possivelmente ser a pessoa mais idosa nesse plenário. Eu vou completar 80 anos no dia 27 de outubro. E tenho o prazer de ter sido presidente em outro momento na história do Brasil.
E eu queria dizer para vocês: o nosso problema não é econômico. Nosso problema é político. Porque, há muito tempo, eu não via o mundo carente de lideranças políticas como nós temos hoje. Há muito tempo, eu não via a nossa ONU tão insignificante como ela se apresenta hoje. Uma ONU que foi capaz de criar o Estado de Israel, não é capaz de criar o Estado Palestino.
Que não é capaz de fazer um acordo de paz para que o genocídio do Exército Israelense continue matando mulheres e crianças em Gaza.
Ou seja, essas lideranças políticas é quem tem que tomar a decisão sobre as questões econômicas. E por que a discussão de vocês sobre uma nova moeda de comércio é extremamente importante? É complicado? Eu sei. Tem problemas políticos? Eu sei. Mas se a gente não encontrar uma nova fórmula, a gente vai terminar o século XXI igual a gente começou o século XX.
E isso não será benéfico para a Humanidade.
Portanto, companheira Dilma Housseff, pesa sobre seus ombros a tarefa de, como presidenta do NDB, tentar contribuir com os outros bancos - o Banco Africano, o Banco Asiático - criar uma nova forma para a gente mostrar ao mundo de que um outro mundo é possível. Que outra realidade de vida é possível. Que outra política de financiamento é possível.
Porque, senão, a gente vai fazer com que a democracia seja destruída, desacreditada. O multilateralismo chega ao seu pior momento desde que ele foi criado, depois da Segunda Guerra Mundial.
E o que nós percebemos é que fora do multilateralismo e fora da democracia, a gente não tem saída.
Portanto, boa sorte a vocês. Que Deus ilumine a cabeça de cada um de vocês.
Eu sei que daqui não sai o dinheiro, mas que saiam as decisões importantes para que a gente tenha um novo jeito do financiamento sustentável.
Um abraço e bom encontro para vocês.