Pronunciamento do presidente Lula sobre o Programa "Agora Tem Especialistas"
Bem, queridas companheiras e companheiros; queridos prefeitos aqui presentes nessa reunião; governadores de estados; deputados; senadores e senadoras; companheiro Padilha [Alexandre Padilha, ministro da Saúde]; eu queria começar agradecendo à nossa querida companheira Nísia [Trindade], ex-ministra da Saúde.
A Nísia fez um esforço quase que desumano para colocar esse programa em pé. Eu sei o quanto ela trabalhou, eu sei o quanto eu cobrei, e eu sei que a Nísia deve estar assistindo a gente em algum lugar. E deve estar torcendo porque, sinceramente, metade de tudo isso aqui, ou um pouco mais, é da responsabilidade da companheira Nísia, que nos ajudou.
A segunda coisa é que já há muito tempo, quando o Temporão [José Gomes Temporão, ex-ministro da Saúde] era meu ministro da Saúde no meu segundo mandato, o primeiro foi Humberto Costa [ex-ministro da Saúde]. Eu queria um estudo para saber se a gente poderia fazer com que a gente trouxesse os especialistas para as pessoas que frequentavam a assistência do SUS.
E nunca é fácil a gente tomar essa decisão, porque sempre não tem dinheiro, porque sempre não tem os especialistas. O Temporão tentou, e eu queria que fizesse um plano de saúde mais barato, até inventei um plano de saúde público, mais barato, para que o povo pobre tivesse o direito de ter as máquinas que os ricos têm. Eu não queria nada, não queria tirar a máquina de ninguém, só queria dar ao pobre o direito de chegar naquela máquina. Porque ele também é um ser humano, ele tem o direito de ter aquela máquina.
E, em 2012, eu já não era mais presidente da República, eu estava na Via Anhanguera, com o doutor Padilha, com a Dilma Rousseff, presidenta da República [atual presidente do Novo Banco de Desenvolvimento], e com o Aloizio Mercadante [ex-ministro da Educação, atual presidente do BNDES], discutindo o Mais Médicos. Eu dizia para o Padilha: olha Padilha, eu acho que nós estamos cometendo um equívoco, porque o problema da sociedade é a segunda consulta.
O problema do povo pobre, naquele tempo ainda, já não era tanto a receita, mas era a segunda consulta. E, naquele tempo, eu até falei que a gente ia ter resistência muito grande nos sindicatos dos médicos com a criação do Mais Médicos. E tivemos. No Brasil inteiro, muitos sindicatos se colocaram contra. Muitos setores da saúde se colocaram contra o Mais Médicos.
E eu acho que o Mais Médicos foi uma revolução feita nesse país, porque pela primeira vez a gente conseguiu fazer médicos chegarem em quase todos os municípios brasileiros. Eu lembro que quando a Luíza Erundina era prefeita [de São Paulo], ela tinha dificuldade de levar médico para atender nas regiões mais pobres de São Paulo, por conta da violência e do medo que as pessoas tinham de trabalhar lá.
E quando nós voltamos a presidir esse país, o Mais Médicos estava só com 13 mil profissionais. Hoje nós já temos 28 mil profissionais, ou seja, nós mais que dobramos a quantidade de médicos neste país. Mas eu ainda me ressentia da necessidade de ter alguma coisa a mais que pudesse atender o povo mais humilde, o povo que trabalha em fábrica, porque eu vivi os dois lados. Eu sei o que é um hospital quando eu era deputado federal. Eu sei o que é um hospital quando eu era metalúrgico. Então, a diferença é muito grande para o médico que tem um presidente da República e o acesso do povo que o presidente da República diz representar.
Então, era preciso garantir — às vezes brinco, as pessoas não precisam nem ficar nervosas comigo, é porque quando você chega numa cidade, num estado, você pergunta assim: a saúde da tua cidade é boa? O cara fala: “É ótima”. E eu pergunto: e quando você vai no médico, você vai no médico da cidade? Não. Muitas vezes ele vai no particular.
A educação é a mesma coisa. “A educação da minha cidade é boa”. Mas o cara vai, coloca o filho numa escola particular, porque ele tem dinheiro pra pagar e a escola particular dá uma atenção que o poder público pela universalidade não pode dar. E a saúde é a mesma coisa. Eu sou de um tempo em que as pessoas, esse dedo meu aqui não precisava ser cortado. Hoje eu tenho consciência que eu não precisaria ficar decepado como eu fiquei.
Poderia ter tirado um pedaço só. Mas eu era um metalúrgico. Cheguei no hospital cheio de graxa. Às seis horas da manhã, o médico resolveu dar anestesia aqui, arrancou o dedinho e acabou. O que é que faz falta um dedo? E faz falta um dedo. Faz muita falta. Vocês não sabem que no começo eu tinha vergonha de não ter um dedo. Eu nem usava aliança para que as pessoas não vissem que eu não tinha um dedo.
Eu já contei uma vez, eu tinha muita dificuldade de lavar o rosto, porque você enchia a mão d'água e quando chegava aqui estava vazio. Ou seja, eu levei algum tempo para aprender a colocar a mão assim e conseguir lavar o rosto. Eu não precisaria ter passado por isso.
Ontem, saindo de um ato, Padilha, lá em Itajaí (SC). Nós fomos fazer um ato ontem, gente, presta atenção. Desde 2016, a Petrobras não contratava uma obra em nenhum estaleiro brasileiro. Pois ontem nós fomos dar o início da contratação de R$ 9 bilhões no Porto de Itajaí e Navegantes.
E na despedida lá, cumprimentando as pessoas, eu fui visitar um local em que estavam as pessoas com deficiência. Tinha bastante gente lá. E quando eu fui abraçar a mulher, a mulher falou assim pra mim: “Olha, eu vim aqui para te abraçar”. Ela falou: “Eu vim te abraçar porque eu vou morrer. Eu já estou desenganada. Então, eu não queria morrer sem te abraçar”.
Eu não tinha o que falar. Dei um beijão e eu falei: “olha, você tem que ter fé, tem que rezar muito, e se cuidar, e fazer tudo que o médico mandar.”
Possivelmente, essa mulher que tava com a cara de ser uma mulher muito humilde, ela não tenha feito o tratamento certo, não teve a consulta na hora certa, não descobriu o câncer na hora certa. Ou a doença que ela tem, porque eu também não perguntei a doença, eu não tive mais coragem de conversar com ela.
E aí eu lembrei que eu fui no Sírio [Hospital Sírio-Libanês] dar uma olhada na minha garganta, e eu jamais imaginei ter câncer. Dia 26 de outubro, um dia antes do meu aniversário, eu estava com muita febre, a garganta irritada, eu fui ao médico e ele falou: “Você está inflamado”. E me deu um remédio lá.
Eu ia saindo, a Marisa [Marisa Letícia Lula da Silva, ex-primeira-dama do Brasil] falou assim pra mim: “Ô Lula, por que você não faz um PET Scan?”
Eu fiquei muito nervoso, porque eu tinha que tirar a roupa, tirar o cinto e deitar numa máquina, que é chato. Aí, eu deitei naquela máquina. Quando eu saí, tinha algumas pessoas chorando. Eu tinha descoberto o câncer na minha garganta. Muito pequeno, mas eu tinha descoberto. Dois dias depois, eu já estava no hospital internado, fazendo tratamento.
E eu fico imaginando, por que todas as pessoas não têm direito a isso? Quantas pessoas morriam nesse país, porque iam no médico, o médico fazia o diagnóstico, dava a receita, o cidadão pegava a receita, não tinha dinheiro, colocava a receita no criado — hoje a gente não pode mais chamar de criado-mudo —, no armarinho lá, colocava a receita lá, e morria sem poder comprar o remédio. Morria.
Nós inventamos o Farmácia Popular, e graças a Deus, agora, a gente está distribuindo já uma quantidade razoável de remédio de uso contínuo de graça, porque tem que ser assim mesmo, senão a gente não salva a vida. E as pessoas, hoje, já não passam a privação do remédio. Mas eu falava, Nísia, pelo amor de Deus, Padilha, pelo amor de Deus, Chioro [Arthur Chioro, ex-ministro da Saúde], pelo amor de Deus, todo mundo, pelo amor de Deus, é preciso a segunda consulta.
O que é a segunda consulta? Eu vou no médico, ele lá me atende, porque hoje também, com o avanço tecnológico, quando vai um cara, presidente da República, ele nem atende mais, ele manda pra máquina: “Vai”.
Eu faço 500 fotografias por dentro, o cara já sabe o que eu tenho, meia hora depois, eu já estou com o resultado dos exames no celular, então, pra quem pode, é muito fácil.
Então, eu ficava pensando, você vai no médico, ele fala: “olha, você tem um problema, eu estou sentindo que você tem um problema no coração. Você precisa procurar um cardiologista. Procura o doutor Padilha”. Mas, daí, ela vai no balcão marcar o cardiologista, o cara fala: “Olha, só tem vaga para daqui a… fevereiro do ano que vem”. A pessoa: “Só, doutor?” “Só”. Volta pra casa, guarda o pedido do exame lá, e a doença não espera.
A doença não espera.
Aí ele vai no cardiologista, chega lá, o cara fala: “Você tem um problema sério mesmo. Você precisa fazer uma”... É ressonância? “Você vai ter que fazer um exame”. Aí ela volta pra marcar a máquina. Aí a máquina, mais dez meses. Ou seja, não é possível a gente ficar brincando com a sorte da pessoa. Porque a gente sabe que a doença, se não for tratada, ela vai se agravar.
Teve um tempo que eu acreditava em benzimento. Minha mãe me levava pra curar dor de dente no benzimento, o cara falava: “Coloca álcool no dente, coloca alho no dente, amassa um alho ou coloca o algodão com pinga dentro do dente”. Era melhor, era pra ficar bêbado, não era pra curar meu dente. Mas eu, durante muito tempo, acreditei. E ainda acredito, às vezes, que pode ter solução.
Mas hoje, com esses avanços, não precisamos fazer o que estamos fazendo, Padilha. Porque é uma coisa muito, muito séria você saber que no Brasil muita gente ainda morre. O Padilha sabe da minha obsessão por esses especialistas, da minha obsessão pelo Brasil Sorridente.
E eu estou meio chateado porque eu vejo muita gente banguela ainda nos comícios que eu vou e o Brasil Sorridente não está chamando as pessoas. Ou seja, ele não está indo às pessoas. Não está indo. Nós precisamos fazer o dentista ir às pessoas. Porque as pessoas que não tem dente não estão na capital, não estão na melhor praia, ainda estão na periferia, sim. Mas nós precisamos ir até elas, já que elas não podem ir até o governo. Não podem ir até a prefeitura.
Então, Padilha, eu acho que o que você está fazendo hoje, o que vocês construíram, é uma coisa nobre. A gente não vai ter dimensão nos primeiros dias, porque é importante as pessoas saberem que a gente está anunciando o programa hoje, a gente assinou a medida provisória. Essa medida provisória começa a valer no momento que a gente assina, mas ela vai ser debatida pelos deputados e pelos senadores.
Enquanto isso, a gente vai fazendo o decreto, a gente vai organizando. É preciso que os estados que vão fazer convênio estejam preparados, ou seja, vai levando um tempo até as coisas se implantarem. É mais ou menos como o time do Corinthians. Começa lento, começa devagar, começa devagar, mas depois ganha. Hoje não está sendo assim, nem sempre ganha.
Mas então, eu só queria que vocês soubessem que este programa é um sonho da minha vida. Este programa é um sonho e eu queria que a gente conseguisse concretizá-lo, Padilha.
Eu acho muito importante você colocar a sociedade para tomar conta de um programa como este, chamar os especialistas para tomar conta, porque muitas vezes a gente sozinho não dá conta disso. É importante a gente confiar nas outras pessoas e fazer com que as pessoas ajudem e utilizar, Padilha, todos os meios possíveis que a gente tiver.
O que é importante é que todo mundo sabe que vai morrer um dia. Se tem uma coisa que todo mundo sabe é o seguinte: para morrer basta estar vivo. Mas se a gente puder garantir o retardamento da morte, por falta de tratamento médico, por falta do remédio, nós temos obrigação de fazer isso.
Então eu queria, Padilha, primeiro dar os parabéns para você, dizer para a Nísia que foi um erro meu não pedir para convocar ela para estar aqui nesse dia de hoje, porque seria também um dia marcante para ela. Eu tenho um apreço muito grande pela companheira Nísia, mas muito grande mesmo.
E eu espero e peço a Deus que a gente consiga fazer com que esse programa funcione mais rápido. E peço a Deus que o nosso Barichello [Gilberto Barichello, presidente do Grupo Hospitalar Conceição] do Hospital Conceição seja um pouco mais veloz do que o Barrichello [Rubens Barrichello, automobilista] que era o corredor de automóveis. Porque o povo tem pressa, a periferia tem pressa, e as pessoas das cidades menores tem pressa.
E eu queria pedir a vocês da saúde, da área médica, aos que estão no Ministério da Saúde, aos que estão no hospital: pelo amor de Deus, vamos fazer com que o pobre se sinta gente… se sinta gente. Nós já sofremos o dia inteiro com o que acontece lá na Palestina. Já sofremos o dia inteiro com aquela matança de mulher e de criança, todo santo dia, uma coisa sem compreensão. E na saúde a gente pode evitar isso.
Já que nós temos a melhor política de cuidar do campo, já que nós temos o SUS, que é o melhor sistema de saúde público de todos os países com mais de 100 [milhões de] habitantes, já que nós temos vontade de fazer, Padilha, só vou te pedir uma coisa: não vamos deixar esse programa falhar. É importante que as pessoas tenham, agora todo mundo tem telefone. Você citou o número 136. O Padilha citou o número 136, que é para vocês ligarem para ter informações e para reclamar também. Só não pode falar palavrão, mas pode se queixar, pode dizer o que não está funcionando, onde não foi bem atendido.
Porque sabe o que acontece?
Na verdade, se você participar, se você que vai no médico participar ativamente e cobrar ativamente, as coisas andam. Se você for mal atendido e não falar para ninguém, a gente só vai saber três meses depois pela internet ou pela televisão.
Por isso, Padilha, eu estou aqui para dizer o seguinte: parabéns. Parabéns, que Deus abençoe cada um de vocês, sobretudo o pessoal da saúde, vocês que cuidam de gente, vocês que cuidam do povo. Vocês têm que saber que os pobres são feitos de carne e osso, eles têm os mesmos direitos, eles sofrem a mesma dor, eles sofrem as mesmas consequências. E só vocês, com o conhecimento de vocês, podem aliviar esse sofrimento e garantir mais vida para todo mundo.
Muito obrigado, companheiros, e vamos agora inaugurar o caminho.