Transcrição do discurso do Presidente Lula na cerimônia de renovação do patrocínio Caixa e Governo ao Comitê Paralímpico
Antes de eu falar, Carlos, dê o aviso aqui, que tem mais dinheiro para avisar aí.
Fala do presidente da Caixa Econômica Federal, Carlos Vieira.
Obrigado a você. Quando fala de R$ 250 milhões, me alegra profundamente. Queridas atletas, queridos atletas, queridos professores, pais, mães, profissionais do esporte, é importante que a gente saiba como é que as coisas acontecem na nossa vida, porque muitas vezes a gente chega em casa, a mãe da gente preparou a comida, a gente nem pergunta o sacrifício que ela teve para fazer a comida.
Se a gente gosta, não fala bem, se a gente não gosta, a gente fala mal. Cuidar de uma coisa importante como esse Centro Paralímpico e fazer investimento em atletas que estão iniciando a sua vida profissional ou pessoas portadoras de deficiência, não é uma decisão simples nesse país que muitas vezes as pessoas são excluídas a partir do berço em que elas nascem, a partir da cor que elas têm e a partir da sua visão física.
Porque, no fundo, no fundo, a gente precisa começar a olhar um governo, seja municipal, estadual ou federal, que tenha um olhar para o conjunto da sociedade que ele representa.
Não é olhar apenas para uma parte da sociedade que ele representa, é olhar para o conjunto, independentemente de qualquer coisa, do Oiapoque ao Chuí, o governante precisa olhar para a totalidade das pessoas que ele representa e cuidar das pessoas dando oportunidade e igualdade de condições para todas as pessoas.
Quando nós decidimos criar o Bolsa Atleta e o patrocínio das Paralímpico, eu lembro que eu ficava muito irritado porque os atletas só têm patrocínio quando eles ficam famosos, quando eles são campeões do mundo, quando eles ganham medalha de ouro. Em qualquer esporte.
Aí aparecem os bancos para financiar, para fazer propaganda, aparecem empresas para fazer propaganda. Mas muitas vezes ninguém levantou o dedo para aquela pessoa dar o seu primeiro passo, para aquela pessoa fazer a sua primeira caminhada, para aquela pessoa fazer a sua primeira prática esportiva.
No Brasil, nós temos atleta que muitas vezes não treinava porque não tinha um tênis para treinar, tinha atleta correndo descalço em cidade do interior. Ora, um país que não cuida dos seus atletas e do esporte é um país que não vai nunca ser competitivo e nunca vai ser motivo de orgulho para o povo que mora naquele país.
O que o Estado tem que fazer? Qual é o papel do Estado? Muitas vezes quando nós sentamos para fazer o orçamento da União, o orçamento do estado, o orçamento de uma cidade, a gente reúne todos os ministros, ministro da Educação, da Saúde, do Transporte, nem todo mundo tem Secretaria de Esporte e Ministro de Esporte.
E aí cada ministro fica puxando para o seu lado a maior quantidade de dinheiro. Ora, se não tiver ninguém que lembre que nesse país tem atletas que muitas vezes mal e porcamente têm o que comer, se não tiver alguém que saiba o que essas pessoas passam, a gente nunca vai pensar na totalidade das pessoas.
Foi por isso que nós criamos o Bolsa Atleta, para dar às pessoas que não têm oportunidade, que nunca foram olhados com o menor respeito, a oportunidade de virar um atleta profissional e ser motivo de orgulho como vocês viraram por esse país afora e pelo mundo afora.
Mais do que isso, quando eu venho num Centro como esse, eu vejo as pessoas com os mais diferentes problemas e vejo as pessoas vencendo na vida, tentando praticar, lutando, fazendo as coisas, a demonstração mais viva é que nada, absolutamente nada, é impossível ao ser humano quando ele quer fazer as coisas e tem oportunidade de fazer as coisas.
Seria muito mais cômodo uma mãe que tem um filho com problema de saúde, que seja um cadeirante, que seja um problema de deficiência visual, seria muito mais fácil para a mãe: “ah, coitadinho do meu filho, ele está doente, ele tem uma deficiência, ele não pode fazer nada, eu vou esconder ele”.
Muita gente faz isso, mas o que vocês fizeram na vida de vocês? Vocês disseram, nós não somos inferiores a ninguém. Eu estava falando para o Gabrielzinho, eu tenho duas pernas inteiraças, eu tenho dois braços inteiraços e quando eu vejo ele nadar, falo: “Que vergonha desgraçada, eu não sei nadar e aquele cara nada tanto, como ele”.
Ora, o que que ele precisou? Ele teve a vontade que eu não tive, ele teve a disposição que eu não tive, ele teve a garra que eu não tive e ele conseguiu ser o que ele é. Assim são vocês e são as pessoas que eu conversei ali. Uma menina escrevendo o nome dela com o nariz no celular. É uma coisa que milhões de pessoas que estão em casa não sabem que é possível.
O que a gente não pode é se entregar nunca, o que a gente não pode é ceder nunca, o que a gente tem que dizer para a gente é que a gente tem que teimar, teimar, tem que tentar, porque a gente vence na vida, fazer uma coisa prazerosa, praticar esporte e ter a ambição de ganhar uma medalha. O Brasil não tinha isso há pouco tempo atrás, quando nós conquistamos as Olimpíadas, que nós disputamos em 2008 em Copenhague, foi uma tarefa muito dura chegar naquelas Olimpíadas, porque o Brasil era um país do terceiro mundo.
Só para vocês terem ideia, só para vocês terem ideia, presidente do Comitê Olímpico Brasileiro, naquele tempo o continente africano inteiro tinha menos delegados no COI do que a África. A África tinha menos delegados do que a Suíça. A China com 1 bilhão e 400 milhões de habitantes tinha um delegado, a Suíça tinha cinco, a Itália tinha cinco, a França tinha cinco. Por quê? Porque é um jogo que tinha sido feito para os países desenvolvidos, para os países industrializados e não para os países pobres.
E nós visitamos muitos países, reivindicando votos, reivindicando votos. O dia mais feliz da minha vida foi o dia em que aquele presidente suíço do Comitê Internacional citou o nome Rio de Janeiro. Aquilo para mim foi uma apoteose que eu nunca vi na minha vida, tanta alegria, o Brasil finalmente ia sediar uma Olimpíada.
E o Brasil sediou. E naquele tempo eu voltei para o Brasil, Alckmin [Geraldo, vice-presidente do Brasil], me reuni com quase todas as federações e confederações do esporte, de todas as categorias, dizendo para eles: “Pelo amor de Deus, vamos aproveitar essa oportunidade que a gente vai fazer as Olimpíadas de 2016, nós estamos em 2008, nós temos 8 anos pela frente, uma criança de 10 anos vai estar com 18 anos, vamos treinar essa criança, vamos levar ele para a escola, vamos fazer essa criança treinar esporte, qualquer coisa”.
Lamentavelmente isso não foi feito. Lamentavelmente isso não foi feito. E era importante que a gente compreendesse que hoje cada prefeitura deve ter o direito, a obrigação de cuidar das pessoas, cuidar de todo mundo que quer praticar esporte, incentivar as pessoas a partir da escola. É por isso que eu quero terminar o meu mandato, sendo o presidente que mais escola de tempo integral eu vou fazer nesse país, para que as crianças possam ficar o dia inteiro na escola, estudar e praticar o que eles quiserem.
Porque senão a gente não vai criar a nação forte que nós queremos. Por isso é que naquele tempo a gente decidiu que a Caixa ia patrocinar, o esporte ia patrocinar o Paralímpico. E hoje, querido Carlos, eu estou orgulhoso de ver o resultado. Estou orgulhoso.
Se tinha uma coisa que faltava eu ver, foi ver esse centro do jeito que ele está hoje. Isso aqui, como disse o Alckmin, era o lugar de prender jovens. Meninos e meninas que cometiam delitos em qualquer parte do estado vinham para cá. E aqui, possivelmente, como o país não tem uma política de recuperação de presos, as pessoas muitas vezes saíam pior do que entraram. E aí, esse terreno foi doado pelo Alckmin para fazer esse centro. A Dilma entrou com o dinheiro.
E tem muita gente que fala que isso é gasto. Tem muita gente que fala “não precisa fazer isso". Quando vai distribuir o dinheiro do orçamento: “Não, isso não é prioritário. Para que gastar dinheiro? Para quê gastar dinheiro tentando formar atleta para o Olímpico? Não, não precisa não, porque isso é muito gasto”.
Se eles viessem aqui hoje e conversassem com as meninas que eu conversei, conversassem com os meninos que eu conversei e conversassem com os pais e as mães que eu conversei, certamente nunca mais esse ignorante iria falar que um investimento desses é gasto. Porque só o prazer do pai ver o seu filho com todos os problemas motivados, não há dinheiro que pague a alegria de um pai, de uma mãe e o prazer do atleta.
Por isso, queridas companheiras, queridos companheiros, minha companheira de Garanhuns, eu fico vendo vocês na televisão, eu fico imaginando como Deus é justo. Uma pessoa não teve a oportunidade de nascer com todos os seus membros funcionando, mas mesmo assim Deus não tirou dela o direito de acreditar nela.
E quando eu vejo o esforço que vocês fazem, porque vocês devem servir de exemplo para as pessoas que não têm nenhum problema de deficiência, para as pessoas que têm preguiça, para as pessoas que não gostam de levantar cedo, para as pessoas que não gostam de fazer sacrifício, porque ninguém ganha uma medalha se quiser ir para a balada toda noite.
Ninguém ganha uma medalha se não tiver dedicação de se dedicar mesmo, suar a camisa, muitas vezes, oito horas por dia, nove horas por dia, de segunda a sexta, quarta, quinta, domingo. Porque se vocês não fizerem isso, quando vocês chegarem lá, os outros fizeram. E a gente vai ver que tem alguém melhor do que a gente. E aí não adianta ficar frustrado, é voltar e falar: “não, eu tenho que treinar mais”. E por isso você tem que ter técnico, meninas e meninos preparados e dedicados.
Porque cuidar das pessoas com problema não é só o profissionalismo, não. Tem que ter coração. A pessoa tem que gostar. A pessoa tem que amar o que faz. E é por isso, meu querido vice-presidente, meu querido presidente da Caixa Econômica, queridos companheiros, nós estamos pensando, eu estou cobrando desse menino aqui e vai apresentar semana que vem ou a outra semana a proposta de criar, nós estamos com divergência, de criar uma universidade do esporte.
Uma universidade para que a gente possa praticar todo e qualquer tipo de coisa com profissionais, com gente, com especialistas de excelência, para a gente não ficar devendo nada a ninguém. Qual é a nossa divergência? É que o projeto original é criar uma faculdade de futebol. E eu acho que só a faculdade de futebol é pouco diante da lição que vocês estão dando ao Brasil.
Porque vocês são as pessoas que fazem sacrifício para chegar onde vocês chegaram. Então nós vamos fazer uma conversa com o ministro da Educação, ministro do Esporte e vamos decidir. Eu sou favorável a gente fazer uma universidade para servir de exemplo para o mundo, que esse país não é tão rico, mas esse país tem orgulho, esse país tem amor, esse país tem dignidade e a gente não precisa ficar devendo nada para ninguém.
Em se tratando da qualidade de vida do nosso povo, da qualidade dos nossos atletas e da qualidade das condições que o governo pode oferecer para vocês. Seria muito mais fácil financiar um campeão do mundo, mas é muito mais nobre financiar uma criança pobre da periferia que quer praticar qualquer esporte. É isso que é a decência e o compromisso de quem governa uma cidade, um estado, um Brasil.
Por isso, viva o esporte Paralímpico. Viva os atletas brasileiros que são hoje motivo de orgulho. Parabéns aos pais e às mães que compreendem a necessidade de serem motivadores para que as crianças possam praticar esporte.
E parabéns aos professores, aos técnicos que tanto se dedicam para que as pessoas possam vencer na vida.
Um beijo no coração de vocês e até o próximo anúncio da Caixa Econômica para melhorar o patrocínio.
Um abraço, gente.