Pronunciamento do presidente Lula na reunião com ministros de Agricultura da União Africana
Minha querida companheira, Janja.
Senhora Thulisile Dladla, vice-primeira-ministra do Reino de Essuatíni, em nome de quem cumprimento os chefes de delegação e demais representantes dos países africanos.
Meu querido companheiro, Geraldo Alckmin, vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços.
Meu caro Mauro Vieira, ministro das Relações Exteriores, em nome de quem cumprimento os ministros aqui presentes.
Mas era importante lembrar vocês que estão aqui presentes três pessoas… quatro pessoas, muito importantes que vão acompanhar vocês nessa estada no Brasil.
Primeiro, a nossa querida Silvia [Massruhá], presidente da Embrapa, que é a Empresa de Tecnologia Agrícola Brasileira, uma das responsáveis pelo sucesso da agricultura brasileira.
É importante você levantar para as pessoas verem quem é a Silvia.
Outra pessoa importante, o ministro Carlos Fávaro, ministro da Agricultura e Pecuária brasileira, que também vai acompanhar vocês.
Outro ministro importante, o companheiro Paulo Teixeira, ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar.
Um outro ministro muito importante, que tem muito para conversar com vocês, o ministro Wellington Dias, do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome.
E, por último, o ministro que vai ensinar todo mundo a pescar, o companheiro André de Paula, ministro da Pesca e da Aquicultura.
Bem, meus queridos companheiros e companheiras, é, primeiro, a imensa alegria de poder conviver com vocês neste segundo momento histórico.
Na verdade, o primeiro Diálogo Brasil-África sobre a questão da segurança alimentar também foi convocado por mim em 2010, quando eu era presidente da República. E esse, embora seja o segundo Diálogo Brasil-África, na verdade, esse é o primeiro encontro do Brasil com os seus aliados na Aliança [Global] contra a Fome e a Pobreza, aprovada no G20, no Rio de Janeiro, no ano passado.
A Aliança Global contra a Fome e a Pobreza é uma tentativa de fazer com que a gente possa não apenas produzir os alimentos e as coisas que necessitam para as pessoas, mas que a gente possa tentar sensibilizar o resto do mundo e, ao mesmo tempo, criar um processo de indignação na mente das pessoas de que não é possível a gente se conformar que na primeira metade do século XXI, depois de toda a revolução tecnológica, depois de toda a revolução genética, depois de toda a evolução das universidades, depois de tudo que nós aprendemos, a gente ainda tenha 730 milhões de pessoas passando fome no mundo.
Essa é uma marca que nós não podemos esquecer, mas que nós precisamos, todo santo dia, falar pela manhã, falar pela tarde e falar pela noite. Porque quem está com fome não são aqueles que precisam nos ouvir. Quem está com fome são aqueles que precisam falar.
E é importante que a gente tenha clareza de que não é possível nenhum país do mundo ser soberano se o seu povo não tiver o direito de tomar café da manhã, almoçar e jantar todo santo dia. Quando eu tomei posse no meu primeiro mandato, em 2003, a coisa mais sagrada que eu disse no meu discurso é que se ao terminar o meu mandato, eu tivesse garantido que cada brasileiro e cada brasileira estivesse tomando café, almoçando e jantando, eu já teria realizado a obra da minha vida. E nós conseguimos tirar o Brasil do mapa da fome, porque, quando nós começamos em 2003, tinha 54 milhões de pessoas no Brasil que passavam fome.
Em 2012, nós conseguimos tirar o Brasil do mapa da fome. Quinze anos depois, eu volto à presidência da República e nós tínhamos 33 milhões de pessoas passando fome outra vez. Numa demonstração clara de que a questão da fome não é uma questão das intempéries, não é uma questão da seca ou uma questão do efeito de chuva, porque tudo isso faz parte da natureza.
E nós aprendemos que a fome não é por conta da natureza ou por conta de qualquer outro evento. Muitas vezes a fome é causada pela irresponsabilidade de quem governa os países, que não coloca a fome como prioridade para ser resolvida no seu país. Só não se preocupa com a fome quem nunca passou fome.
Só não se preocupa com a fome quem nunca viu uma criança chorando atrás de um copo de leite sem ter o leite para beber. E nós, seres humanos, temos condições de mudar isso por mais pobre que seja o nosso país. É apenas uma determinação de prioridade: para quem que eu quero governar, quem é que eu quero atender e quem é que precisa mais de mim? Aliás, quem é que precisa do Estado? A quem que o Estado deve servir? Essa é uma decisão que somente nós, governantes, poderemos tomar.
Eu digo sempre que o presidente da República nunca deveria esquecer o discurso que ele fez para ganhar as eleições. Quando a gente ganha uma eleição, a gente deveria pegar o discurso que a gente ganhou nas eleições, colocar na cabeceira da nossa cama e todo dia de manhã, quando a gente levantar, a gente ler o que a gente falava para a gente não esquecer o que a gente falava.
Porque muitas vezes, muitas vezes, os discursos das eleições são esquecidos um dia após as eleições. E quando eu resolvi convidar vocês para vir ao Brasil, é para que a gente possa trocar ideias, mas, ao mesmo tempo, não ter vergonha de mostrar para vocês as experiências bem-sucedidas nesse país. Porque qualquer um poderia ter acabado com a fome no Brasil.
Qualquer um. Qualquer presidente desse país poderia não ter permitido que ninguém passasse fome. Acontece que, muitas vezes, as pessoas mais pobres não são prioridade da maioria dos governos.
E é muito triste a gente saber que o mundo gastou o ano passado 2 trilhões e 400 bilhões de dólares em armamentos e conflitos. E não teve a mesma coragem ou ousadia de gastar isso ensinando as pessoas a plantar e acolher aquilo que a gente come em cada país.
Então, o que eu quero é que vocês tenham total desprendimento para perguntar o que vocês quiserem, para tentar dizer que gostou ou não gostou das coisas que vocês ouviram, questionar, porque o Brasil tem uma dívida histórica com o continente africano.
Nós devemos ao continente africano o que nós somos, a nossa cor, a nossa arte, a nossa cultura, o nosso jeito de ser. Nós devemos há 350 anos em que este país explorou uma grande parte do povo africano.
E eu tenho consciência que o Brasil não pode pagar isso em dinheiro. E também porque isso não pode ser mensurado em dinheiro. O Brasil pode pagar em solidariedade. Em transferência de tecnologia. Para que vocês possam produzir parte daquilo que nós produzimos.
Eu, há muito tempo, tenho interesse no continente africano. Há muito tempo. Foi o continente que eu mais visitei. No meu primeiro mandato, abrimos 19 novas embaixadas na África. Levamos a Embrapa para Gana, que depois não deu certo, não sei porquê. Fizemos um hospital, fizemos uma escola, uma universidade aberta em Moçambique, que o objetivo era estender para outros países. Fizemos um hospital, uma fábrica para produzir remédios antirretrovirais, para tentar ajudar a distribuir no continente africano. E depois que nós deixamos o governo, depois do impeachment da presidenta Dilma [Rousseff], tudo isso recuou.
Tudo isso refluiu. Porque, na verdade, muita gente não quer enxergar o continente africano. Muita gente passa o olho por cima para enxergar diretamente a Europa.
E a gente não pode se esquecer que o continente africano tem muito a ver com a história desse país. Aliás, eu não sei se esse país seria esse país sem que a gente tivesse tido esses tantos três séculos e meio de convivência com o trabalho escravo dos africanos aqui no Brasil.
Então, o que o Brasil pode fazer é exatamente isso, é ter um olhar especial, é ter um carinho especial e não tratar a relação com os africanos como se vocês fossem, sabe, os pobres do mundo e que a gente não devesse fazer as coisas com vocês porque vocês não podem pagar.
Na minha concepção, a relação com o continente africano é outra. Na minha concepção, a África faz parte do Brasil e o Brasil tem que ter orgulho de dizer que faz parte da África. Esse é o orgulho que nós deveríamos assumir.
E é por isso que vocês estão aqui. No dia 23 nós vamos ter, que é o dia nacional da África, nós vamos ter o encontro com o presidente de Angola aqui. Vocês estarão presentes. Mas o que eu quero é que vocês aproveitem.
Aproveitem. Eu lembro quando nós criamos a Unilab [Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira]. Eu tinha dois desejos importantes na minha vida.
Um era criar uma universidade Brasil-África para que a gente pudesse trazer estudantes da África para estudar aqui no Brasil, junto com os brasileiros. E nós conseguimos criar a Unilab. E uma das coisas mais importantes da minha vida foi a primeira formatura da Unilab em São Francisco do Conde, na Bahia, em que eu participei com a entrega de um diploma.
Depois, nós queríamos criar a universidade latino-americana. Uma universidade que tivesse currículo latino-americano, professor latino-americano, da mesma forma que a Unilab, e também professores africanos, estudantes africanos, para que a gente possa ter certeza de que a gente está criando um mundo novo. Ou, pelo menos, tentar fazer um mundo mais diferente, mais humano, mais solidário, mais fraterno.
Sobretudo nesse instante em que as pessoas falam muito, muito em inteligência artificial, em algoritmos. E o que nós estamos precisando é tirar proveito de todos esses avanços tecnológicos para produzir comida, que é isso que o povo quer. Uma parte da população, ela quer tudo na vida, mas ela quer comer.
Ela quer ter água potável. Ela quer ter energia elétrica, aquilo que é o mais elementar para que um país possa crescer. Eu, uma vez, visitei a União Africana, fui a Adis Abeba, quando a Madame Zuma [Nkosazana Dlamini-Zuma] era presidente da União Africana.
E, na época, a União Africana tinha lançado um programa de desenvolvimento para a África que custava por volta de 360 bilhões de dólares, um programa para todos os países africanos. E eu fui a Adis Abeba propor à Madame Zuma que seria importante que a União Africana convocasse uma reunião de todos os bancos de desenvolvimento do mundo, de todos os empresários das empresas de engenharia do mundo, para que a União Africana pudesse mostrar ao mundo, chama o FMI, chama o Banco Mundial, chama os bancos brasileiros, os empresários do mundo inteiro, da construção civil, para ir à África, para serem convencidos de que a gente poderia participar da confecção da infraestrutura elementar necessária para a África.
Lamentavelmente, eu não sei explicar porquê, mas essa reunião nunca foi feita, nunca foi convocada, e eu não sei como é que está o plano de investimento.
O que eu sei é que ainda tem país africano com menos de 20% da população com energia elétrica. O que eu sei é que ainda continua faltando estrada. O que eu sei é que continua faltando água tratada.
O que eu sei é que falta respeito dos outros países ao continente africano. Eu quero dizer para vocês que, a partir desse encontro aqui, depois do resultado que vocês conseguirem produzir aqui, nós, internamente no meu governo, vamos fazer uma outra reunião com os mesmos ministros que viajaram com vocês, com a mesma Embrapa, e a gente vai decidir o que a gente pode fazer para parar com altos discursos e com baixa execução de programas de compartilhamento das experiências.
Essa região que vocês estão aqui, em Brasília, que faz parte do Cerrado, no Mato Grosso, uma parte de Minas Gerais, de Goiás, há 50 anos, era uma região tida por todos nós brasileiros como uma região de terra ruim.
A terra do Cerrado não presta. Aqui, tudo que a gente plantar, não vai dar. Hoje, a gente descobriu que essa região é uma das mais produtoras do país, porque com o avanço da ciência, com o manejo da terra, não tem mais terra improdutiva em lugar nenhum do mundo.
Quantas vezes eu tentei convencer empresários brasileiros a fazer investimento na África? Até para produzir na África e vender para a Europa, que tem uma simpatia pelos preços, compra mais da África, se produzir a um preço mais acessível, ter menos impostos. E é muito difícil você convencer.
Mesmo quando a gente afirmava que a savana africana tem a mesma qualidade de solo do Cerrado brasileiro e que, portanto, a savana africana poderia ser, quem sabe, um marco inicial da revolução agrícola que o continente africano iria fazer aos olhos do mundo. E eu acho que isso ainda está de pé. Eu acho que países africanos que eram autossuficientes na produção de alimentos antes da colonização, a colonização os fez desaprender de produzir o que comer para ficar dependendo do excesso de comida produzido no país colonizador. Isso não é humanamente correto, não é humanamente aceitável. E a gente precisa aprender a gritar, a gente precisa aprender a dizer que não é possível aceitar mais isso.
Imagina se o dinheiro que está sendo gasto na guerra da Ucrânia com a Rússia, da luta com a Ucrânia, estivesse sendo gasto na produção de alimentos. Imagina se o dinheiro que o exército de Israel gasta para matar mulheres e crianças lá na faixa de Gaza fosse utilizado para transferir tecnologia para países que precisam de muita tecnologia. O mundo seria outro.
E é esse Brasil que eu quero que vocês conheçam. Eu não sei se a gente tem muito para ensinar a vocês, mas certamente nós temos muito para aprender com vocês, já que é o continente africano que é o berço da humanidade. Portanto, eu queria dizer para vocês que sejam bem-vindos ao Brasil.
Tirem proveito da presença de vocês aqui no Brasil, porque dessa visita de vocês aqui tem que sair alguma coisa diferente do que está acontecendo até hoje. E quero dizer para vocês, olhando na cara de cada homem e de cada mulher, o Brasil pode ajudar. O Brasil tem como ajudar.
Basta que a gente assuma a responsabilidade de tratar vocês com o respeito e o carinho que vocês necessitam. Muito obrigado.