Discurso do presidente Lula na inauguração no Palácio Capanema e entrega da Medalha da Ordem do Mérito Cultural
Vocês sabem que um presidente da República moderno precisa de uma pessoa para compartilhar a leitura do discurso, então ela vai passando o papel e eu vou lendo aqui.
Primeiro, eu só quero dizer para vocês que o tempo vai passando e a gente pensa que já viveu todos os momentos importantes na nossa passagem pelo planeta Terra e, hoje, eu descobri mais uma vez que sempre tem alguma coisa que é novidade na nossa vida. E eu queria começar a minha fala dando os parabéns aos artistas brasileiros, porque vocês não desistiram nunca resistiram sempre. E graças a pessoas como vocês, a gente consegue manter a democracia capengando, mas a democracia andando.
É importante que nós estamos vivendo o tempo mais longevo de democracia contínua neste país. Da Constituinte para cá, esse é o momento mais duradouro que a gente vive no sistema democrático, com os defeitos que todo mundo acha que tem, mas mesmo assim tentaram dar um golpe no dia 8 de janeiro, e a sociedade brasileira mais uma vez repeliu a tentativa de golpe porque nós aprendemos que democracia não é um pacto de silêncio.
Democracia é uma sociedade em movimento, em busca de novas conquistas, em busca de melhorar a qualidade das coisas que a gente tem. E esse Brasil vai ser construído e, se depender de todos nós aqui, esse país nunca mais haverá de sofrer um golpe. Se sofrer um golpe, nós haveremos de destruí-lo.
Eu quero antes de tudo parabenizar a ministra Margareth Menezes e a sua equipe pela escolha do tema desta Ordem do Mérito Cultural: “40 Anos do Ministério da Cultura: Cultura e Democracia”.
Eu costumo dizer que democracia é mais que uma ideia abstrata, uma palavra escrita nos dicionários e nos manuais de ciência política.
Ela é mais que o direito fundamental e inalienável de escolhermos nossos governos.
A democracia é uma construção cotidiana. Ela jamais será plena sem que todas e todos – e não uma minoria privilegiada – tenham direito à alimentação saudável, à saúde, à educação e aos demais serviços públicos de qualidade.
A democracia tampouco será plena sem que todos e todas tenham acesso e participem da cultura do seu país. Não por acaso, a Constituição Cidadã de 1988 reconheceu a cultura como um direito tão fundamental quanto a educação e a saúde.
Muito já foi dito – e é preciso repetir sempre – sobre o papel da cultura na tradução da alma e na formação da identidade de um povo.
E também sobre a importância da cultura no crescimento econômico, na geração de empregos, oportunidades e renda para milhões de trabalhadores e trabalhadoras que nem sempre aparecem nos palcos ou na câmera. Muitas vezes são anônimos que muita gente nem conhece.
Mas é preciso lembrar – sempre e sempre – da extraordinária contribuição da cultura para a defesa da democracia.
A cultura de um povo é uma força coletiva tão poderosa que estará sempre na linha da frente da resistência a todo e qualquer regime de exceção.
Não é que os saudosos do autoritarismo odeiem manifestações artísticas e culturais.
Bem, na verdade é que eles geralmente odeiam. Preferem as armas aos livros, ao teatro, à música, ao cinema, à dança, às artes plásticas, como vimos recentemente no Brasil.
Mas a verdade maior é que eles temem a força revolucionária da arte e da cultura. E é por isso que a arte e a cultura serão sempre alvos preferenciais dos autoritários de plantão.
Durante o regime militar, artistas foram censurados, perseguidos, presos, torturados, exilados e mortos
Mas não se calaram. Lutaram com as armas que tinham: o talento, a alma e o coração.
Mantivemos atentos e fortes, como escreveram Caetano e Gil na canção eternizada na voz de uma das agraciadas na noite de hoje: a saudosa e eterna Gal Costa.
Minhas amigas e meus amigos,
O Ministério da Cultura nasceu junto com a concepção do projeto de nação democrática e plural.
Sobreviveu a tentativas de esvaziamento e a cortes orçamentários.
Sofreu um duro golpe durante quatro anos em que a arte e a cultura foram demonizadas, e os artistas tratados como inimigos do povo – quando são, na verdade, a mais completa tradução da alma do nosso povo.
Por isso, a celebração de hoje é também um desagravo à cultura e à democracia.
Os saudosos do autoritarismo tentaram matar o MinC, porque queriam matar a cultura. Mas o MinC está de volta, e a cultura hoje conta com recursos que jamais se imaginou que pudesse contar graças à aprovação da Lei Paulo Gustavo e Aldir Blanc. E aí eu quero parabenizar os deputados e as deputadas, sobretudo Jandira e Benedita da Silva, que trabalharam muito para isso acontecer.
No começo deste mês, sancionamos a lei que torna permanente a Política Nacional Aldir Blanc, a maior política cultural da história de nosso país.
Após o repasse dos R$ 15 bilhões a estados e municípios para fomento das culturas locais até 2029, a Lei Aldir Blanc passará a ser financiada por recursos definidos em cada lei orçamentária. Aí é importante que os artistas tomem consciência que todo ano, quando for aprovar o Orçamento, não fiquem dependendo apenas da peça orçamentária que o governo vai mandar para o Congresso Nacional. É preciso que vocês se aproximem do Congresso Nacional para convencer os deputados que nós queremos cada vez mais cultura, cada vez mais artes, cada vez mais cultura, e que a gente não quer mais obscurantismo como já tivemos tantas vezes.
Isso certamente vai estabilizar e dar previsibilidade ao financiamento da cultura, consolidando políticas públicas como o Programa Territórios da Cultura, os CEUs.
Os saudosos do autoritarismo também tentaram destruir este Palácio Gustavo Capanema, e, junto com ele, quase um século de memória nacional. Mas hoje nós reabrimos suas portas, e o devolvemos ao povo, totalmente revitalizado.
Vender o Gustavo Capanema para uma provável demolição seria o apagamento de um patrimônio da arquitetura modernista brasileira, que se tornou um foco da resistência democrática movida por artistas e intelectuais em anos recentes.
Aqui neste palácio, artistas e intelectuais brasileiros se concentraram para a resistência ao golpe contra a presidenta Dilma [Rousseff] e, em seguida, na tentativa de evitar a extinção do MinC.
Reduzir a pó o Gustavo Capanema seria mais um passo na política de terra arrasada movida por um presidente que demoliu o Ministério da Cultura e acabou com a Ordem do Mérito Cultural.
E que, no primeiro dia de mandato, extinguiu também o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, o nosso querido Consea.
A gente precisa de comida, de diversão, de arte, como cantaram Os Titãs. E foi justamente o que eles tentaram tirar de nós.
Mas nós resistimos. Temos muitos desafios pela frente. Mas temos também motivos de sobra para comemorar.
Queridas amigas, queridos amigos,
Somos fruto de uma grande e rica mistura. São diversos Brasis dentro de um mesmo Brasil. Uma política cultural para este país passa, necessariamente, pelo reconhecimento e pelo respeito a essa extraordinária diversidade.
E ela está refletida nos agraciados de hoje com a Ordem do Mérito Cultural.
Em vez dos tradicionais 30 nomes, abrimos consulta popular para indicações.
Essa lista tem 112 pessoas e 14 entidades agraciadas – mas poderia ser 1 mil, ou 1 milhão.
São representantes das mais diversas manifestações culturais, que deixaram e deixam marcas profundas na vida e no imaginário do nosso povo.
Entre os homenageados que ainda estão entre nós, figuram exemplos da vibrante e apaixonante mistura de sotaques e saberes que compõem o mosaico da cultura brasileira.
São pessoas de todas as regiões, de todas as classes sociais, de todos os níveis de escolaridade – mas todos gigantes em sua genialidade e talento.
É gente que contribuiu e contribui para nossa identidade plural, nascida em meio à riqueza artística e imaginativa dos povos que deram origem à nação brasileira.
São todas e todos merecedores dessa homenagem. Mas peço licença para saudar três artistas em especial: nosso querido Marcelo Rubens Paiva, nosso querido Walter Salles e a nossa querida Fernanda Torres.
Ao relembrar a história de sua mãe Eunice, Marcelo Rubens Paiva contou a história de tantas mulheres brasileiras, órfãs de maridos, filhos e filhas, mas que não se deixaram vencer pela tirania.
Walter Salles e Fernanda Torres, com o filme “Ainda Estou Aqui”, lançaram luzes sobre esse passado que não temos o direito de esquecer, e resgataram em muitos de nós o orgulho de torcer mais uma vez pelo Brasil.
Por um momento, o país do futebol se transformou no país do cinema. E o inédito Oscar de Melhor Filme Estrangeiro foi comemorado com a alegria e o entusiasmo que a nossa Seleção nos bons tempos.
Se hoje temos o Brasil como homenageado especial no Festival de Cannes; se hoje o mundo volta a admirar o Brasil pela sua arte e seus artistas, é porque estamos investindo fortemente na cultura.
É porque reconhecemos e investimos no talento de vocês, trabalhadoras e trabalhadores das mais diversas manifestações culturais do nosso país.
Podem ter certeza: vocês merecem a Palma de Ouro, e cada prêmio que houver neste mundo.
Minhas amigas e meus amigos,
A contribuição de um governo a um país é, também, a de devolver a palavra ao povo. É fazer com que a riqueza que herdamos de nossa gente tenha voz no mundo de hoje.
É a partir de nossas vocações tão próprias, e da assimilação de tantas diversidades e experiências, que vamos aos poucos saldando as dívidas do passado e construindo o nosso futuro.
Homenageamos hoje, com a entrega desta Ordem, o mérito de cada um e de cada uma de vocês, ao atribuir, com seu extraordinário trabalho, um valor ainda maior à criatividade e à força do povo brasileiro.
Quero terminar dizendo, em alto e bom som: Ainda estamos aqui. Atentos, e cada vez mais fortes.
Um grande abraço, e muito obrigado.