Pronunciamento do presidente Lula durante sanção de leis que tratam de direitos das mulheres
Eu vou apenas agradecer ao único homem que está aqui nesta mesa como deputado federal Gutemberg [Gutemberg Reis - MDB (RJ)], que dá uma demonstração de que a luta não é uma luta das mulheres. É uma luta dos seres humanos civilizados, que compreendem a diversidade das pessoas, que compreendem as diferenças entre as pessoas e que aprendem a conviver com elas tentando elaborar uma política de respeito entre as pessoas.
Nem sempre a violência contra a mulher é aquela que aparece na carne. Muitas vezes a alma, muitas vezes a questão psicológica é muito mais profunda do que qualquer outra coisa.
E o que está se fazendo aqui nesses três projetos de lei, nós não vamos consertar a humanidade, mas é um passo muito importante para que o Brasil prove ao seu próprio povo e para que o Brasil sirva de exemplo a outros países, a outros povos, de que a gente, se tiver capacidade, se tiver coragem, se tiver determinação e se a gente teimar a vida inteira, a gente vai conseguir construir uma sociedade em que a gente aprenda a respeitar os outros. Aprenda a viver com as diferenças. Aprenda que ninguém é inferior a ninguém, que ninguém é superior a ninguém, que ninguém é mais inteligente ou menos inteligente. A gente aprende que todo mundo merece ser tratado com respeito.
A questão da violência psicológica é grave, a questão da pessoa que tem um atrito dentro da sua casa e sai de casa, para tentar proteger os seus filhos e fica 24 horas dentro de quatro paredes preocupada se o agressor vai voltar, se o agressor vai aparecer, se o agressor vai encontrá-la no supermercado, se o agressor não vai encontrá-la na escola...
Ou seja, é um sofrimento perpétuo, é um sofrimento que não acaba nunca, né, porque quando ela está em casa morando com o agressor, ela sabe que vai ser agredida quando ele chegar do trabalho, mas quando ela sai, ela passa a ter medo 24 horas por dia, porque ela fica na expectativa: quando é que ele vai aparecer, quando é que vai aparecer, vai ser de noite, vai ser de dia, vai ser de manhã? Então é preciso que se crie um mecanismo de proteção à mulher e que ela possa, com o tempo hábil, sabe, receber um sinal de que ele está por perto para poder chamar alguém para protegê-la. É uma coisa extremamente importante.
Da mesma forma, a questão da Bolsa de Estudos, da discriminação. Eu fui dirigente sindical muito tempo e convivi muito com situações de mulheres dentro de fábrica, em linha de montagem de indústria automobilística, e muitas vezes a mulher, para ir ao banheiro, ela tinha que ir na chefe dela pegar uma plaquinha, uma chapa, um número, sabe? E por que era isso? Era para saber se ela ia muitas vezes, para saber se ela estava grávida ou não.
Na verdade, era uma forma psicológica de controlar, na medida em que uma mulher que está grávida tem mais vontade de ir ao banheiro do que uma mulher que não está grávida. E por conta disso, muitas vezes, na linha de montagem de algumas empresas, as mulheres faziam o xixi na calça, com medo de pegar a chapinha e ir ao banheiro e ser admoestada ou mandada embora pela chefe. Até que nós conseguimos a estabilidade da mulher gestante. Isso era um sofrimento para as mulheres.
E a outra coisa também é você ser discriminada, sabe... Em uma disputa de um cargo, em uma disputa de uma bolsa, em uma disputa de uma vaga em qualquer lugar, você ser discriminada por estar grávida. Não tem nenhum sentido.
E a última coisa, Erika [Erika Hilton, deputada federal - PSOL (SP)], o que aconteceu com você, na minha opinião, é abominável. É importante que as deputadas que estão aqui se lembrem que vocês poderiam chegar na Câmara dos Deputados, vocês fazerem o ofício de todas as deputadas e mandar para o parlamento americano, dizendo da inconformidade de vocês com a ingerência da embaixada americana no documento de uma deputada brasileira.
Quem tem o direito de discutir o que essa mulher é, é o Brasil. E é ela, sobretudo. É a ciência, não é o decreto do Trump [Donald Trump, presidente dos Estados Unidos].
Então é importante que vocês aprendam a ficar inquietas também. Tem que ter um protesto da Câmara dos Deputados brasileira para a Câmara dos Deputados americana. Tem que ter uma carta para o Senado americano.
Eu falei com o ministro [Mauro Vieira, ministro das Relações Exteriores], ele tinha falado com você ontem, eu falei com o ministro hoje, que tem que ter uma nota mostrando a inconformidade do Brasil com a ingerência de uma embaixada no passaporte de uma brasileira. Você não foi pedir mudança de sexo, você foi pedir passaporte para fazer uma viagem aos Estados Unidos. Era isso que eles deveriam ter te dado.
E defender isso é defender a soberania brasileira. É o mínimo que a gente espera. Então, você pode ficar certa, porque eu acho que a Câmara, companheiras, Benedita [Benedita da Silva, deputada federal], você que é nossa decana, mesmo eu estando presidente, você é a decana dessa reunião, porque você é, sabe, dois anos mais velha do que eu, ou três anos, ou uns dez, parece mais nova, mas é. Então, você tem a obrigação de chegar na Câmara, procurar o presidente da Câmara, juntar as mulheres da Câmara.
Porque é nessa hora que a gente mostra o que a gente quer e o que a gente faz. Sabe? É sair. É sair da inquietude, sabe? E, sabe, dizer claramente: nós não aceitamos isso. Nós não vamos fazer isso com um americano que queira vir para cá. Nós não vamos fazer com um americano que quer vir para cá. A gente vai apenas autorizar, ou não, o visto. Diga que não quer dar o visto e acabou. Agora, o que não pode é tentar mudar, sabe, o que a pessoa é.
Então, gente, essas leis aqui, elas são apenas o início de uma caminhada muito longa que a gente vai ter que caminhar para que a gente possa fazer com que os seres humanos, independentemente, sabe, da cor, da raça, da idade, do gênero, da religião, se respeitem e sejam tratados com respeito. Ninguém merece passar por violência de espécie alguma. De espécie alguma.
Nem psicológica, nem através da inteligência artificial, porque a gente pensava que violência contra a mulher era uma grosseria da falta de inteligência. Agora, uma coisa que diz que é superior à inteligência artificial, se ela é para fazer violência, não precisa dessa inteligência. Chega, chega a nossa inteligência.
Portanto, parabéns às deputadas. Parabéns às mulheres. Parabéns à imprensa.
Eu quero que vocês deem a cobertura necessária para que as mulheres brasileiras saibam que, aos poucos, elas estão ganhando proteção contra qualquer violência contra elas.
Muito obrigado.