Pronunciamento do presidente Lula na cerimônia de entrega do Selo Nacional Compromisso com a Alfabetização
Queridas companheiras professoras do nosso país, queridos companheiros professores do nosso país, queridos prefeitos e prefeitas, deputados e deputadas, senadores e senadoras, companheiros governadores e governadoras, ministros e ministras. Quem mais? Crianças, meninos e meninas. Eu estava prestando atenção na fala dos companheiros que falaram antes de mim e eu fiquei imaginando se todo mundo tem compreensão do significado desse ato.
Se a gente vai voltar para casa tendo certeza do que está acontecendo aqui, hoje, em Brasília, nesse salão. Não é uma manifestação qualquer. É uma manifestação primeiro republicana, porque aqui não tem veto ideológico, não tem veto partidário, não tem veto religioso e não tem veto de gênero.
Aqui nós convidamos as pessoas que se comprometeram a cuidar melhor da nossa educação. Aqui, da forma mais republicana possível, a gente fez um acordo com 27 governadores de Estado, fizemos um acordo com quase todos os seis mil prefeitos deste país, para que a gente fizesse um desafio a nós e assumíssemos a responsabilidade de cumprir, que foi, até 2030, chegar pelo menos a 80% das nossas crianças alfabetizadas até o segundo ano escolar. Não é difícil, muito menos impossível se a gente tiver vontade de fazer.
Se a gente assumir esse como um compromisso de honra, como uma profissão de fé e como se a gente estivesse cuidando das crianças do município, como se estivéssemos cuidando dos nossos filhos. É esse o compromisso que nós queremos. É esse o compromisso que nós vamos assumir diante do futuro desse país que não pode mais atravessar um outro século sendo eternamente um país em vias de desenvolvimento.
Está na hora do Brasil ser um país desenvolvido. E a gente nunca será desenvolvido se a gente não apostar na educação. Eu digo isso com muito orgulho, com muito orgulho, porque eu sei por que eu sou fanático por educação. Eu sou fanático por educação exatamente pelo fato de eu não ter tido oportunidade de ter educação. Isso não me fez ser uma criança revoltada ou um presidente magoado. Isso me fez garantir às pessoas que, como eu, não tiveram chance de estudar, de ter acesso a uma boa educação de qualidade.
Eu lembro, governadora Raquel [Lyra, governadora de Pernambuco], da minha primeira professora em Vicente de Carvalho, na cidade de Santos, chamada dona Terezinha. Eu vivia numa pendura tão grande. A minha família estava numa miséria tão grande que, quando a minha mãe resolveu sair de Santos e vir para São Paulo, a dona Terezinha queria me criar. E a minha mãe não me deixou lá em Santos, me trouxe para São Paulo.
Depois eu lembro da minha professora em São Paulo. Como eu não estudei muito, eu lembro das minhas professoras, porque foram duas ou três só.
Eu lembro da professora Zoraide que fez eu estudar até ter o diploma primário. Foi o máximo que eu consegui na minha vida, foi o diploma primário. E eu não esqueço nunca as lições que aquela mulher generosa tinha quando a gente tinha uma dificuldade dentro da sala de aula.
O mundo evoluiu, nós evoluímos, mas a questão da educação continuou sendo tratada nesse país com muita falta de respeito. Com muita indecência. Eu lembro que, quando eu cheguei no primeiro mandato, em 2010 [2003], o governo anterior tinha universalizado o Ensino Fundamental nesse país.
Mas eu lembro que ele tinha esquecido de fazer o Ensino Médio. E muitos estados não tinham escola quando as crianças terminavam o Fundamental para fazer o Ensino Médio. Eu lembro da loucura que a gente correu para construir urgentemente escolas para a gente atender as necessidades dos companheiros e companheirinhas que queriam fazer o ensino médio.
Eu lembro quanta falta de profissão no mundo do trabalho para que a gente se transformasse num país competitivo do ponto de vista da qualidade, do ponto de vista da competitividade mesmo. É por isso que eu tenho orgulho de, mesmo sendo o único presidente desse país que nunca teve um diploma universitário, eu tenho certeza que eu vou passar para a história como o presidente da República que mais investiu em universidades nesse país, que mais investiu em institutos federais.
Eu digo sempre para ninguém lembrar [esquecer], porque os adversários gostam de mentir através da internet. Eu gosto de dizer com as minhas palavras, olhando nos olhos de vocês: em 100 anos, a elite brasileira que governou esse país desde que João VI chegou aqui, só fez 140 escolas técnicas, institutos federais. Nós, em menos de 15 anos, vamos entregar 782 institutos federais para qualificar o Brasil na sua disputa no mercado internacional.
Da mesma forma que nós tivemos a capacidade de criar um programa como o Prouni, para a gente colocar as pessoas que, como eu, que não tive a oportunidade de estudar, estudarem. Sonhar em chegar na universidade.
Sonhar em ter um curso superior, coisa que era proibida até então. Porque durante quatro séculos só podia estudar nesse país quem era rico. Quem era pobre estava predestinado a cortar cana, a trabalhar de empregada doméstica, a trabalhar em serviços que ninguém queria fazer nesse país.
E nós, então, resolvemos mudar um pouco a história desse país, mudando a educação. Quando o Camilo [Santana, ministro da Educação] conta do Pé-de-Meia, era uma vergonha um país do tamanho do Brasil ter 500 mil crianças ou meio milhão de pessoas que desistiam da escola para poder ajudar o pai e a mãe a colocar o feijão na mesa.
Muitos governantes achavam isso natural, porque esse país teve governantes que achavam que o país deveria ser governado apenas para 35% da população. Para 35% da população, a gente não teria problema de orçamento, a gente não teria problema de déficit fiscal, porque ia sobrar dinheiro, porque governar para menos gente e gente com mais riqueza.
Na hora que a gente assume o compromisso de colocar todo mundo na mesa para comer, na hora que a gente assume o compromisso de colocar todo mundo na mesa para tomar café, para jantar, e na hora que a gente resolve colocar que toda criança, independentemente da origem, da cor, da religião e do time que torce, tem o direito de ter uma qualidade de educação plena, como todas as pessoas merecem nesse país. E quando a gente cria um piso educacional, um piso do professor que não é nada mais do que R$4.800, tem gente que acha ruim.
Tem gente que acha que é muito dinheiro para um professor ganhar: R$4.800. Um professor que entra na sala de aula para passar quatro horas tomando conta dos nossos filhos e não é só para educação, não. Às vezes, tem que tomar conta do tratamento de saúde, da caspa que o moleque tem, do piolho que ele tem, da fome que ele está. É quase que um trabalho nobre demais apenas por R$4.800 e tem gente que acha que é caro.
Quando a gente resolveu tomar consciência de que era preciso alfabetizar bem no tempo certo, quando a gente agora tomou consciência de que é preciso criar um Pé-de-Meia para que as pessoas voltem a ter vontade de ser professor, porque muita gente não está querendo ser professor. E a gente resolveu criar uma bolsa para que os melhores alunos do Enem optem por ser professores, porque a gente não queria apenas os mais fracos, a gente quer os mais fortes. Quando a gente faz tudo isso, é porque a gente sonha que o único caminho que esse país tem é investir na educação. Não tem outro.
A gente já foi atrasado desde que foi descoberto. Nunca se apostou na educação, e eu falo que é para doer aos ouvidos daqueles que não gostam de mim. Todos os países da América Latina tiveram universidade primeiro que o Brasil. O Brasil foi o último a abolir a escravidão. O Brasil foi o último a conquistar o voto da mulher. O Brasil foi o último à independência e foi o último a ter uma universidade federal.
É uma vergonha. A gente só foi ter a nossa universidade em 1920. E não era porque eles estavam pensando na educação para o povo pobre, não. Era porque o rei da Bélgica vinha aqui e ele precisava ganhar um título de Doutor Honoris Causa. Aí juntou um monte de faculdade que a gente tinha para criar a universidade no Brasil. É essa vergonha que justifica o atraso brasileiro.
Essa vergonha que mostra porque a gente, durante tanto tempo, ficou proporcionalmente atrás do Chile, atrás da Argentina e atrás de tantos outros países. Não é porque esse país não tinha dinheiro. Não é porque esse país era pobre.
É porque esse país não tinha vergonha na cara daqueles que governavam esse país para cuidar de todos em igualdade de condições. Eu sei que é muito duro falar isso. Tem gente que não gosta. Tem gente que já está dizendo que eu estou bravo. Não estou bravo. Não estou bravo.
Eu fui criança de caixa escolar. Eu sei o que é a vontade que eu tinha de ter um caderno, daquele caderno de brochura. Aquele caderno que a gente tirava folha por folha e ganhava um caderno, daquele que a gente não podia nem arrancar uma folha. Eu sei o que era a vontade de ter um compasso, de ter uma régua e não tinha.
E a gente precisa cuidar para que as nossas crianças hoje tenham. Porque dinheiro tem. Dinheiro tem. É só a gente dizer que vai colocar dinheiro. E vocês viram o que nós estamos fazendo na educação. Vocês viram o quanto de dinheiro do Fundeb tem. E a gente quer contribuição dos prefeitos. Nós não vamos fazer sozinhos. A gente quer que cada prefeito assuma a responsabilidade de fazer melhor do que pode fazer.
A mesma educação que ele dá para o filho dele. E, muitas vezes, o filho dele não estuda na escola pública do seu município e estuda numa escola particular. Muitas vezes é assim. Você chega numa cidade e pergunta: “Prefeito, como é que está a educação?” “Está maravilhosa, a educação aqui é fantástica”. “Prefeito, como é que está a saúde?” “A saúde aqui é fantástica”. Aí você pergunta: “Seu filho estuda na escola fantástica?” “Não”. O filho dele está numa que não presta particular.
Aí você pergunta: “Você se atende no pronto-socorro daqui que você acha que é espetacular?” “Não. Meu filho eu levo em outro lugar”. Então, esse país não vai dar certo nunca. Eu digo muitas vezes, Camilo, que esse país só vai dar certo no dia que a classe média voltar para a escola pública. E só vai voltar para a escola pública quando ela melhorar. Já foi assim.
Os grandes intelectuais brasileiros estudaram em escola pública. A Marilena Chaui, o Florestan Fernandes, o Paulo Freire são filhos de escolas públicas. De que tempo? No tempo em que quem podia ir à escola eram poucos. No tempo em que apenas um pouco podia ir na escola. Aí você pode dar qualquer coisa de qualidade quando a pequena minoria pode estudar. Mas quando é todo mundo, é preciso um pouco mais de recursos. É preciso um pouco mais de dinheiro.
E é isso que nós estamos fazendo. Eu falava para o Haddad [Fernando, ministro da Fazenda], falava para o Haddad e falo para o Camilo: toda vez que a gente quer fazer alguma coisa a mais, alguém diz que não tem dinheiro. O que é normal. Isso vale no sindicato, associação de bairro, clube de futebol. O papel do tesoureiro é sempre dizer não. E o papel do outro é sempre querer mais. Agora, entre o não do tesoureiro e a reivindicação do cara, eu posso decidir.
E, enquanto eu for presidente da República, não vai faltar recurso para a gente recuperar a educação deste país. Não vai, porque é uma condição de vida. É uma aposta que a gente está fazendo no país. O que nós estamos fazendo, gente, é um desafio para vocês, é para que todos nós começamos a criançar. Não tem o verbo esperançar? Então, vamos criançar.
Vamos criançar, prefeitos do Brasil. Vamos criançar, governadores. E vamos governar, professores, educadores. E mesmo aqueles que não são professores ou educadores, vamos colocar como prioridade as nossas crianças. Vamos perceber e permitir que eles tenham orgulho de nós daqui a cinco anos, daqui a dez anos. Vamos permitir que eles agradeçam a geração de vocês, porque vocês garantiram o que muita gente nunca garantiu, o direito dessa criança estudar.
E todos vocês sabem, todos vocês sabem que, quando nós chegamos na presidência da República, a merenda escolar era de péssima qualidade, porque fazia dez anos que não tinha reajuste para a refeição escolar. E todo mundo sabe que uma criança que está com a barriga vazia, ela não tem tempo de estudar. Gente, eu posso dizer para vocês com conhecimento de causa, quando a lombriga maior está comendo a menor, não há tempo para a cabeça da gente pensar em nada.
O professor pode falar quantas vezes ele quiser na sala de aula, ele está mais preocupado com o ronco na barriga. Então, se a gente não garantir para essas crianças o bom direito de comer, uma comida de qualidade, se a gente não tratar essas crianças com amor e com muito respeito, elas não vão aprender. Porque quando ele voltar para casa, ele não tem uma mãe de classe média bem formada para educá-lo. Quando ele volta para casa, ele tem acesso à realidade.
Ele, às vezes, não tem o que jantar. Então, é preciso a gente cuidar disso. Ou seja, se a gente quiser resolver o problema da educação, a gente não cuida apenas na sala de aula. A gente cuida da casa dessa criança, ou melhor, da barriga, como disse uma pessoa aqui antes de mim, até essa criança chegar na escola.
Porque a vida na periferia, a vida nos sertões desse país é muito complicada. É muito complicada. As pessoas correm de tudo, porque tudo assusta. Então, eu queria fazer um desafio a vocês. Um desafio, sabe, de brasileiros. Porque não importa saber se a governadora de tal estado é de direita, é de esquerda, é de centro.
Não importa saber se ela é de que religião. Não importa saber que time que ela torce ou que partido que ela pertence, não me interessa saber. O que eu quero saber é que quem está na escola são crianças brasileiras que precisam da nossa ajuda e nós temos que ajudar enquanto é tempo. Nós temos que ajudar porque o crime organizado está na esquina esperando o infortúnio dessas crianças. A falta de oportunidade da educação, ela pode terminar muito, muito forte no crime organizado, numa cadeia.
É por isso que eu falava para o Haddad e falo para o Camilo: vamos investir na construção de escola. Porque se a gente achar caro construir uma escola, muito mais caro será construir uma cadeia. Se a gente acha que custa caro uma criança por dia na escola, muito mais caro será manter um preso na cadeia. Então nós temos chance de evitar. Nós temos chance de evitar.
Eu e vocês. Eu só pedi para o Camilo um desafio. Eu falei para ele: olha, o Haddad foi o melhor ministro da Educação desse país. A tua tarefa agora é colocar o Haddad em segundo lugar e você passar a ser o primeiro. Por isso você vai ter que fazer mais, trabalhar mais e se dedicar mais. Se dedicar com muito carinho.
O carinho de uma professora, que não é apenas professora, ela é professora, é tia, é mãe, ela é tudo que uma criança precisa quando chega na sala de aula. Por isso, eu queria terminar a minha fala dizendo para vocês: se tem uma coisa que a gente não pode abdicar, se tem uma coisa que a gente não pode retroceder, se tem uma coisa que a gente não pode jamais ter medo de gritar e de defender, é com a educação desse país.
Hoje eu fico pensando nos grandes economistas que disseram “não, não pode fazer tal coisa porque custa muito dinheiro. Não pode fazer escola porque custa dinheiro. Não pode fazer universidade porque custa muito caro. Não pode alfabetizar todo mundo porque custa muito caro”.
Eu fico perguntando quanto custou não fazer as coisas no tempo certo. Quanto custou a esse país não ter investido na educação na década de 50? Quanto custou não alfabetizar as crianças há 30, 40 anos atrás? O barato fica caro e está cada vez mais caro.
Por isso eu queria terminar dizendo para vocês, vamos criançar. No verbo criançar, eu crianço, tu crianças, eles criançam. Vamos fazer isso para a gente assumir um compromisso de honra que as crianças serão alfabetizadas daqui para frente muito mais rápido e com mais competência.
Um abraço, queridos companheiros, um abraço e pode ficar certo que da parte do Governo Federal não faltará apoio, não faltará vontade para que a gente resolva esse dilema do futuro nesse país.
Beijo no coração.