Pronunciamento do presidente Lula na abertura do 6° Encontro do Pnae
Primeiro, Camilo [Santana, ministro da Educação], eu queria te dar os parabéns por mais um evento da Educação. Quero pedir desculpas a vocês porque não vou ler a nominata. A nominata é extensa, quase do tamanho do discurso do Camilo. E eu vou... Mas eu queria… duas coisas novas que aconteceram aqui.
Primeiro, eu não sabia que a Janja [Janja Lula da Silva, primeira-dama do Brasil] tinha virado embaixadora. Então eu vou reclamar no Itamaraty que precisa dar um título para mim. Mulher é embaixatriz, homem o que que é? Eu vou discutir aqui qual será o meu nome nisso.
A segunda coisa, uma homenagem que vocês já prestaram a uma figura jovem que foi convidada pelo Camilo para estar aqui porque eu fazia questão de dar um abraço nela, na mãe dela, e mostrar para vocês que sempre vale a pena a gente acreditar na escola pública. E aqui tem uma moça chamada Samille Malta, que é de Minas Gerais. Fique em pé, Samille.
Essa menina é do interior de Minas Gerais, nasceu nos Estados Unidos. A mãe dela, como tantas outras pessoas do Brasil, foi tentar arriscar a sorte nos Estados Unidos. Ela ficou lá até sete anos, quando a mãe voltou, trabalhando de tudo que vocês possam imaginar, de entregar jornal, de garçonete [inaudível] e voltaram. E essa jovem voltou para a sua cidade natal.
E essa jovem foi a única menina, ou melhor, jovem, moça, de escola pública que tirou a nota máxima do Enem. Foi a única jovem. E mais importante, essa jovem, além de tirar a nota máxima do Enem, ela já passou em duas faculdades importantes, duas universidades.
Ela já passou para Medicina na Unicamp, em Campinas, e já passou na Universidade Federal de Minas Gerais para Medicina, que é a universidade que ela escolheu, porque o mineiro fala muito diferente de todo mundo. Fala “ô trem, nóis”. Então, ela vai estudar em Belo Horizonte.
E eu pedi para o Camilo convidar ela, porque a gente vê tanta gente falando mal da escola pública, a gente vê tantas críticas à escola pública, e as pessoas não se dão conta, muitas vezes, do quanto ganha um professor na escola pública. As pessoas, muitas vezes, não se dão conta das condições de educação na escola pública.
Muita gente não conhece o sofrimento da periferia desse país, o sofrimento que as crianças às vezes passam em casa e vão para a escola, às vezes, na perspectiva de comer a sua refeição. Mas crianças que às vezes sofrem com toda a violência que a periferia desse país enfrenta, e quem suporta essas crianças com muita delicadeza são professores e professoras que, muitas vezes, são desrespeitados pelo próprio poder público.
Então, a Samille é um exemplo de que, primeiro, tem que estudar para vencer. Se o cara acha que vai para a escola... Outra coisa importante que fizemos na semana passada foi tirar celular da sala de aula na mão de criança. Eu disse no lançamento, no anúncio da lei, de que era extremamente importante que a gente formasse, nas nossas escolas, pessoas humanistas, pessoas com coração, pessoas solidárias, pessoas fraternas.
E a gente não queria formar algoritmos, a gente queria formar meninos e meninas, brasileiros e brasileiras, para que esse país e o mundo voltem cada vez a ser mais humanos. Isso é extremamente importante, porque tem que estudar.
Essa menina, para chegar onde ela chegou, ela estudava quase que 12 horas por dia. Eu perguntei para ela: “quanto tempo você ficava no celular?”. Ela falou: “só duas horas”. Se a gente quiser fazer o contrário, ficar 12 horas no celular e só duas horas estudar, ninguém vai ser nota mil. Ninguém vai conseguir. Eu não consegui chegar lá, porque eu não tinha nem celular e nem estudava, então, eu não podia chegar lá. Mas ela chegou.
Então, eu trouxe ela aqui para que ela possa servir de exemplo, para que as pessoas acreditem. A escola pública, ela depende do respeito que o poder público tenha por ela, ela depende do carinho que o professor e a professora tenham pelos alunos e da dedicação. Da dedicação.
E por isso que qualquer investimento que a gente faça na educação é muito pouco. A nossa dívida histórica com a educação, ela é quase que impagável num século. É muita dívida que a gente tem com a educação.
Se a gente pegar a história do Brasil, a gente vai ver que até o começo do século passado, ninguém se importava que criança fosse para a escola. Aliás, não era obrigatório ir para a escola. Menina não podia ir para a escola, porque ia aprender a escrever carta para o namorado. O menino não tinha que ir para a escola, porque tinha que trabalhar, vai cortar cana, vai capinar, vai fazer qualquer coisa.
Estudar não era prioridade, foi a educação que nós recebemos nesse país até metade do século passado. É por isso, Décio, que esse país só foi ter a sua primeira universidade em 1920. Quatrocentos e vinte anos depois de descoberto, esse país foi ter a primeira universidade. Porque o filho do rico ia para a Sorbonne, ia para Londres, ia para Harvard, ia para Coimbra, ia para Madri, e o filho do pobre para o canavial. Essa é a nossa história.
E isso também justifica, quando a gente investe na alimentação escolar, porque ninguém consegue estudar de barriga vazia, gente. Ninguém. Uma criança que sai de casa sem tomar café. Uma criança que não jantou uma janta de qualidade com as calorias e as proteínas necessárias à noite. O que essa criança vai aprender na escola?
Somente pensa que uma criança com fome aprende quem nunca viu ouviu a lombriga maior roncando para comer a menor. Quem nunca passou fome não sabe o que é a capacidade de não aprender nada quando a gente está com fome.
Porque é duro. É duro você não tomar café, você não ter um pão com café e leite para você tomar, você não ter um almoço decente, e você não ter uma janta, não é possível aprender. O Paulo Freire dizia: “Quando a gente come, a gente fica inteligente”.
O cérebro tem tempo de aprender, mas quando a gente não come, ele só pensa na maldita comida que não vem nunca. Então, quando a gente faz esse investimento, que é pouco, tem muita gente que pensa, mas gastar R$5,5 bilhões em alimentação escolar é muito pouco, porque são 40 milhões de pessoas. Quarenta milhões de pessoas.
E quando eu entrei no governo, em 2003, eu tive que dar um reajuste, porque fazia mais de 10 anos que não tinha reajuste, Camilo. Agora eu volto outra vez, e fazia muito tempo que não tinha reajuste. Porque me parece que as pessoas que governaram esse país não se lembram disso.
De vez em quando eu vejo as pessoas falarem, pela primeira vez na história do Brasil, e eu sempre falei “pela primeira vez na história do Brasil”, às vezes dá impressão: esse país nunca teve governo? O Lula, só ele que governou o Brasil? Porque eles falam isso: “o Lula pensa que só ele governou o Brasil”.
Não. É pela primeira vez, porque eles nunca governaram para as pessoas mais pobres desse país. Nunca se preocuparam. Então, os mais pobres vão ficando esquecidos.
Vão ficando esquecidos, até que não tem mais jeito.
Quando o Camilo fala que 68% da nossa população não completou o ensino fundamental, isso demonstra que se a gente tivesse jogado mais na educação, a gente teria muito mais competitividade internacional, a nossa qualidade dos produtos seria infinitamente melhor, a nossa educação seria muito melhor, mas não se investiu nisso. Então, o que nós estamos fazendo é tentar recuperar o tempo perdido.
Esse tempo perdido a gente não recupera em 10 anos, ou num dia, vai ter muito tempo. Quando a gente fez convênio com os prefeitos, todos os prefeitos concordaram conosco que a alfabetização no tempo certo é necessária. Foi feito um convênio com 100% de participação dos prefeitos.
Agora é preciso fiscalizar para saber se vai ser cumprido, porque muitas vezes não se cumpre. Da mesma forma que nós estamos querendo que pelo menos 80% das crianças, até 2030, nem colocamos 100%, colocamos 80%, que sejam alfabetizadas. Quando isso acontecer, vocês vão ver o milagre que vai acontecer nesse país.
E depois, uma coisa importante é que a gente, Camilo, precisa aprender uma lição. Quando a criança não quer ir para a escola, é porque alguma coisa está acontecendo com ela. Então, nós temos que ver também se a qualidade da educação é motivadora para as crianças irem para a escola.
Ou seja, a escola tem que virar um prazer, uma vontade, uma necessidade, uma angústia das crianças correrem para a escola, levantar de manhã e querer ir para a escola. E aí a escola tem que ser de qualidade. E aí, Camilo, nós ainda precisamos fazer com que a comunidade tome conta da sua escola.
Não é de Brasília que o presidente vai tomar conta da escola. Quem vai tomar conta da escola e da qualidade é a comunidade que tem seus filhos na escola, que precisamos criar condições para que fiscalize essas escolas. Por exemplo, uma escola de tempo integral, Camilo, uma escola de tempo integral, muitas escolas, pelo menos em São Paulo, são quase que uma caixa de fósforo.
São escolas que não têm espaço para as crianças se divertirem. Nunca se pensou em criança praticar esporte na mesma escola. O que tem é uma quadra, que vale para o basquete, vale para o futebol de salão, vale para o futsal e vale para um monte de coisa, uma quadra só.
Quando a gente precisa pensar, que a gente precisa criar coisas novas, alternativas, e cada vez que um prefeito, um governador, um presidente da República for colocar dinheiro, pelo amor de Deus, não seja miserável, não pense aquilo como gasto: “eu vou gastar, eu vou gastar”. Você vai investir, você não vai gastar.
Você vai formar homens e mulheres de melhor qualidade, com mais aprendizado. É esse país que nós precisamos construir. E não o país da mentira, o país da cretinice, o país da fake news, o país da irresponsabilidade.
Por isso, companheiros e companheiras, cada vez que eu venho fazer lançamento de alguma coisa da educação, eu fico pensando: valeu a pena. Valeu a pena a gente apostar, porque quando eu vou numa Olimpíada da Matemática, e eu vejo os alunos recebendo medalhas de ouro, eu fico pensando: valeu a pena.
Porque quando a gente lançou, Camilo, as pessoas achavam que alunos de escola pública não aceitariam participar de matemática porque não estavam preparados. E os alunos de escola pública deram um banho. Na primeira inscrição foram 10 milhões, depois 14 milhões, depois 16 milhões, depois 18 milhões, quando eu deixei a Presidência tinha 19 milhões de crianças se inscrevendo.
E depois eu aprendi que matemática não é difícil. Matemática, na hora que você consegue pegar o fio do casulo, você aprender é a matéria mais gostosa da escola. É como português, as pessoas não são boas na redação, não são boas na redação, as pessoas precisam aprender.
Tem que aprender na escola. E eu queria terminar dizendo para vocês: nós temos mais dois anos de governo, e vocês aprenderam uma lição. Construir leva décadas. Destruir, basta um aloprado ganhar as eleições, que ele destrói em quatro anos o que a gente fez em 20 ou fez em 30. Vocês sabem como é que é. A gente passa horas e horas, meses e meses construindo uma coisa. Entra um cara, num decreto ele destrói tudo.
Porque fica melhor criar CAC [Colecionador, Atirador Desportivo e Caçador] para as pessoas aprenderem a atirar do que criar escola para as crianças aprenderem a estudar. É isso. Então, companheiros e companheiras, nós ainda não terminamos tudo o que a gente tem que fazer pela educação. Nós estamos no meio do caminho. E tem muita coisa para fazer.
Por isso eu quero agradecer às merendeiras. Porque é um trabalho que muitas vezes não é observado com carinho por quem nunca foi numa cozinha. Há dessas mulheres que se dedicam o dia inteiro para garantir que os nossos filhos possam comer. Elas merecem, merecem muito mais do que respeito, merecem ter um salário condigno, com o orgulho que a gente tem da profissão delas.
Da mesma forma, o respeito que a gente tem que ter pelas pessoas que cuidam, que nós chamamos de nutricionistas. Da mesma forma. Também o respeito que a gente tem pelas pessoas que não sendo nem professores dentro da escola têm preocupação de participar de instituições que cuidam da questão da alimentação escolar.
E também nós temos aqui, não sei se tem trabalhador rural aqui, nós temos a obrigação… Nós criamos ainda no meu primeiro mandato a responsabilidade de que 30% da merenda escolar, naquele tempo chamava merenda escolar, não era alimentação. Evoluímos tanto que até o nome mudou. Então, que 30% fosse obrigado a ser comprado da agricultura familiar.
Eu não sei se aconteceu, se todo mundo comprou. Mas o dado concreto é que a forma mais barata da gente multiplicar a qualidade da comida, a qualidade de vida e o ganho das pessoas que trabalham no campo para ajudar as pessoas que comem na cidade.
É todo um processo difícil, gente. É todo um processo difícil, porque exige muita reunião, muita discussão, tem que ter muita paciência. E muitas vezes tem gente que não gosta. Você acha que um presidente qualquer que não tenha nenhuma relação com o povo, ele vai estar preocupado em fazer reunião?
Ele vai estar preocupado em ouvir as companheiras que fazem a comida? Ele está preocupado em saber se os especialistas vão tratar disso? Ele está preocupado em conversar com o nosso querido ministro da Educação, com o nosso querido Wellington [Wellington Dias, ministro do Desenvolvimento e Assistência Social], com o nosso querido Paulo Teixeira [ministro do Desenvolvimento Agrário]? Ele não vai.
É o seguinte, você tem dinheiro, vai comprar no supermercado. Não tem, não come. Essa é a lógica. Pra que perder tempo com um alimento saudável se eu compro enlatado americano e todo mundo come, e vai ficar gordão? Porque quando a gente é magro de fome, a gente pensa que engordar é saudável. É coisa natural. Você é magrinho, é que nem o Jeca Tatu.
O Jeca Tatu é um personagem do folclore brasileiro, magrinho, doente, não come nada, não come nem macaxeira. Aí dá um alimento para ele, um Biotônico Fontoura, o bicho fica forte, gordo e acha bonito. Olha como eu estou bonito, magrinho.
Olha como eu estou. Vamos ser francos. Estou melhor do que... Vamos ser francos.
Então, a comida tem que ser saudável. Saudável e gostosa, não é? Saudável e gostosa, porque tem que ser saudável, de qualidade e barata ainda. Está bem, gente?
Por isso, meus queridos companheiros e companheiras, eu sou obrigado a terminar isso aqui dizendo que vale a pena a gente governar um país que tem pessoas da qualidade de vocês que se comprometem, às vezes sem ganhar nada, a fazer aquilo que muitos que ganham tanto não fazem.
Que Deus abençoe todos vocês. Parabéns.