Democracia e soberania brasileiras são inegociáveis
Decidi escrever este ensaio para estabelecer um diálogo aberto e franco com o presidente dos Estados Unidos. Ao longo de décadas de negociação, primeiro como líder sindical e depois como presidente, aprendi a ouvir todos os lados e a levar em conta todos os interesses em jogo. É por isso que examinei cuidadosamente os argumentos apresentados pela administração Trump para impor uma tarifa de 50 por cento sobre produtos brasileiros.
Trazer de volta os empregos dos estadunidenses e promover a reindustrialização são motivações legítimas. No passado, quando os Estados Unidos levantaram a bandeira do neoliberalismo, o Brasil alertou para os seus efeitos nocivos. Vimos a posição brasileira ser confirmada quando a Casa Branca finalmente reconheceu os limites do chamado Consenso de Washington, uma prescrição política de proteção social mínima, liberalização comercial irrestrita e desregulamentação geral, dominante desde a década de 1990.
Contudo, recorrer a ações unilaterais contra nações específicas é prescrever o remédio errado. O multilateralismo oferece soluções mais justas e equilibradas. O aumento tarifário imposto ao Brasil neste verão não é apenas equivocado, mas ilógico. Os Estados Unidos não registram déficit comercial com o nosso país, nem estão sujeitos a altas tarifas. Ao longo dos últimos 15 anos, acumularam um superávit de US$ 410 bilhões no comércio bilateral de bens e serviços. Quase 75% das exportações estadunidenses para o Brasil entram com isenção de impostos. Pelo nosso cálculo, a tarifa efetiva média sobre produtos estadunidenses é de apenas 2,7%. Oito dos dez principais itens enfrentam tarifa zero, incluindo petróleo, aeronaves, gás natural e carvão.
A falta de racionalidade econômica por trás dessas medidas deixa claro que a motivação da Casa Branca é política. O subsecretário de Estado, Christopher Landau, teria dito isso no início deste mês a um grupo de líderes empresariais brasileiros que trabalhavam para abrir canais de negociação. O governo dos EUA está usando tarifas e a Lei Magnitsky para buscar a impunidade para o ex-presidente Jair Bolsonaro, que orquestrou uma tentativa de golpe fracassada em 8 de janeiro de 2023, num esforço para subverter a vontade popular expressa nas urnas.
Tenho orgulho do Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro pela sua decisão histórica de quinta-feira, que salvaguarda as nossas instituições e o Estado de Direito democrático. Não se tratou de uma “caça às bruxas”. O julgamento foi resultado de um processo conduzido em conformidade com a Constituição brasileira de 1988, promulgada após duas décadas de luta contra a ditadura militar. Seguiu-se a meses de investigações que desvendaram planos para assassinar a mim, ao vice-presidente e a um ministro do STF. As autoridades também descobriram uma minuta de decreto que anularia, na prática, os resultados eleitorais de 2022.
O governo Trump acusou ainda o sistema de justiça brasileiro de mirar e censurar empresas estadunidenses de tecnologia. Tais alegações são falsas. Todas as plataformas digitais, sejam nacionais ou estrangeiras, estão sujeitas às mesmas leis no Brasil. É desonesto chamar regulamentação de censura, especialmente quando o que está em jogo é a proteção das nossas famílias contra fraude, desinformação e discurso de ódio. A internet não pode ser uma terra sem lei, onde pedófilos e abusadores têm total liberdade para atacar nossas crianças e adolescentes.
Igualmente infundadas são as alegações do governo sobre práticas desleais por parte do Brasil no comércio digital e nos serviços de pagamento eletrônico, bem como de suposta falta de aplicação das leis ambientais. Longe de ser desleal para com os operadores financeiros dos EUA, o sistema de pagamento digital do Brasil, conhecido como PIX, permitiu a inclusão financeira de milhões de cidadãos e empresas. Não podemos ser penalizados por criar um mecanismo rápido, gratuito e seguro que facilita as transações e estimula a economia.
Nos últimos dois anos, reduzimos a taxa de desmatamento na Amazônia pela metade. Somente em 2024, a polícia brasileira apreendeu centenas de milhões de dólares em ativos usados em crimes ambientais. Entretanto, a Amazônia continuará em perigo se outros países não cumprirem a sua parte na redução das emissões de gases de efeito estufa. O aumento das temperaturas globais pode transformar a floresta tropical em uma savana, desregulando os padrões de precipitação em todo o hemisfério, incluindo o Meio-oeste dos EUA.
Quando os Estados Unidos dão as costas a uma relação de mais de 200 anos, como a que mantêm com o Brasil, todos perdem. Não há diferenças ideológicas que devam impedir dois governos de trabalhar em conjunto em áreas onde têm objetivos comuns.
Presidente Trump, permanecemos abertos a negociar tudo o que possa trazer benefícios mútuos. Mas a democracia e a soberania do Brasil não estão sobre a mesa. No seu primeiro discurso na Assembleia Geral das Nações Unidas em 2017, o senhor disse que “nações soberanas fortes permitem que países diversos, com valores, culturas e sonhos diferentes, não apenas coexistam, mas trabalhem lado a lado com base no respeito mútuo”. É assim que vejo a relação entre o Brasil e os Estados Unidos: duas grandes nações capazes de se respeitar e cooperar pelo bem de brasileiros e estadunidenses.