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Pesquisador do ON tem estudo publicado na Nature; trabalho revela formação de satélite a partir da fusão de múltiplas “luas” em miniatura
O pesquisador do Observatório Nacional (ON/MCTI) Doutor Gustavo Madeira é um dos autores do estudo que a revista Nature Communications publicou na quinta-feira, 11 de dezembro, sobre a formação da Selam, a pequena lua do asteroide Dinkinesh, a qual tem, surpreendentemente, o formato de duas esferas se tocando, o chamado “formato de binário de contato”. O trabalho demonstrou que a lua Selam provavelmente se formou por uma série de fusões suaves entre várias pequenas luas – elas próprias geradas a partir do material expelido pelo asteroide Dinkinesh. “Lua” e “satélite” são sinônimos.
O resultado desse estudo fornece suporte direto a uma teoria proposta nos trabalhos Madeira et al. (2023) e Madeira & Charnoz (2024), segundo a qual o formato peculiar em certas luas de asteroides seria resultante do impacto entre luas de massa semelhante. Neste contexto, como “formato peculiar” se entende um formato que seja muito diferente do esférico, pois as luas de asteroides, assim como qualquer outra lua do Sistema Solar, em princípio devem ser prolatas, ou seja, alongadas nos polos, como uma bola de futebol americano.
O resultado do trabalho do Dr. Gustavo também têm implicações diretas para o entendimento da evolução de sistemas binários, da estrutura interna de asteroides do tipo “rubble pile” (ou seja, compostos por constituintes que atraem um ao outro) e até de estratégias de defesa planetária, pois a diversidade de formatos de luas é muito maior do que se supunha.
Então, modelos de fusão suave abrem uma nova janela para compreender como pequenos corpos evoluem, interagem e se reconfiguram ao longo de milhões de anos.
“A formação de luas com formatos peculiares ao redor de asteroides é uma questão discutida pela comunidade desde que a missão DART (2022), da NASA, revelou que a lua Dimorphos, do asteroide Didymos, possuía um formato oblato, algo não previsto pelas teorias vigentes”, explicou o Dr. Gustavo. Oblato é algo achatado nos polos, como a Terra, ou seja, o contrário de prolato, alongado nos polos, como devem ser as luas do Sistema Solar.

“Foi nesse contexto que desenvolvemos a hipótese da formação por impactos suaves, apresentada em duas publicações minhas sobre a origem da lua Dimorphos. Nesta publicação na Nature, mostramos que a mesma hipótese se aplica à lua recém-descoberta Selam, com um formato ainda mais peculiar, o que indica que esse mecanismo deve ser geral”, explicou o Dr. Gustavo.
O mais interessante no trabalho do Dr. Gustavo que saiu na Nature é que esta teoria não exige colisões com outros asteroides ou a destruição de grandes objetos: segundo o modelo, o asteroide ejeta material; desse material, várias luas se formam, e essas várias luas orbitam um mesmo asteroide; essas luas colidem entre si e formam a lua final.
Origem do estudo
O trabalho do Dr. Gustavo Madeira e seus colegas é uma resposta a uma pergunta que uma missão da NASA suscitou em 2023. Em 1º de novembro daquele ano, a missão Lucy surpreendeu a comunidade científica ao revelar que o asteroide do cinturão principal (152830) Dinkinesh possuía uma lua com formato de binário de contato: a Selam. Essa estrutura incomum levantou uma questão fundamental: como uma lua com um formato tão peculiar pôde se formar? Como dito acima, as luas tendem a ser prolatas, mas a Selam é bem diferente.

- Imagens do sistema Dinkinesh obtidas pela Missão Lucy comparadas com os resultados de simulação. Fonte: Nature
Para desvendar esse enigma, o grupo de cientistas utilizou simulações tridimensionais de colisões entre pequenas luas e modelos dinâmicos detalhados e concluiu que a Selam é o produto final de várias colisões de baixa velocidade entre luas de massa semelhante, que se uniram gradualmente ao longo do tempo.
Colisões suaves que constroem mundos peculiares
As simulações indicam que cada lobo da Selam – um com cerca de 210 metros e outro com aproximadamente 230 metros – formou-se separadamente antes de ambos se unirem, também por meio de uma colisão suave. Esses impactos ocorreram a velocidades próximas à velocidade de escape mútua dos pequenos satélites, entre 1 e 1,5 vez essa velocidade, e em ângulos rasantes de 5° a 15°, condições ideais para deformar, mas não destruir completamente, os corpos envolvidos.
Um paralelo inesperado: implicações para o sistema Didymos-Dimorphos
A pesquisa confirma ainda que fusões semelhantes podem explicar o surpreendente formato oblato (achatado nos polos) da lua Dimorphos, alvo do impacto da missão DART em 2022. Embora a Dimorphos não apresente feições geológicas tão claras quanto a Selam, simulações mostram que colisões entre luas com velocidades um pouco mais altas poderiam ter gerado essa forma achatada. A missão Hera, da ESA, deverá fornecer novos dados para testar essa hipótese.
Sistemas com múltiplas formações lunares podem ser mais comuns do que imaginamos
Além de explicar a Selam, o estudo do Dr. Gustavo propõe um quadro mais amplo: pequenos asteroides podem passar por múltiplos episódios de formação de luas, impulsionados por eventos de ejeção no asteroide, que liberam material em órbita. Com o tempo, essas luas podem migrar e colidir umas com as outras, gerando uma diversidade de formas.
Isso significa que a Selam pode não ser uma exceção, mas sim um dos primeiros representantes observados de uma classe inteira de luas formadas por fusões múltiplas – uma população até agora invisível devido a limitações observacionais.
