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Impacto gigante entre protoplanetas pode explicar a estrutura singular de Mercúrio
A intrigante estrutura interna do planeta Mercúrio, com um núcleo predominantemente de ferro coberto por uma fina camada de silicato, parece ter encontrado uma explicação mais convincente do que as que foram propostas até o momento.
Um grupo de pesquisadores, incluindo o astrônomo e diretor substituto do Observatório Nacional (ON/MCTI), Dr. Fernando Roig, e o ex-aluno de doutorado do ON, Dr. Patrick Oliveira Franco, acredita ter descoberto por que a composição de Mercúrio difere tanto dos outros planetas rochosos. De acordo com o estudo “Forming Mercury by a grazing giant collision involving similar mass bodies”, aceito para publicação na prestigiosa revista Nature Astronomy, um impacto gigante entre dois protoplanetas (aglomerados de matéria que constituem a fase inicial na evolução dos planetas) de tamanho similar no início do sistema solar seria a explicação para essa propriedade peculiar.
Mercúrio é o menor e mais interno planeta do nosso Sistema Solar e possui uma série de características pouco compreendidas em comparação com os outros planetas rochosos. Sua estrutura interna é particularmente intrigante. Isso porque o planeta possui um grande núcleo sólido de ferro, além de um núcleo externo líquido de ferro, enxofre e silicatos. Um manto de silicato pobre em ferro encontra-se abaixo de uma crosta de silicato de 10 km de espessura.
Estrutura interna de Mercúrio - Crédito: ESA / Laboratório de Física Aplicada da Universidade Johns Hopkins/Instituição Carnegie de Washington
Uma hipótese que poderia explicar essa composição atípica seria a de que Mercúrio teria colidido violentamente com um protoplaneta muito maior. No entanto, simulações indicam que colisões desse tipo são extremamente raras, o que levou os cientistas a buscarem explicações alternativas.
Foi então que os pesquisadores, liderados pelo então doutorando do Programa de Pós-Graduação em Astronomia do ON, MSc. Patrick Franco e seu orientador, Dr. Fernando Roig, passaram a investigar novas abordagens para desvendar a origem da composição incomum de Mercúrio.
Por meio de simulações hidrodinâmicas, eles descobriram que a estrutura anômala do planeta pode ser resultado de um evento mais comum: uma colisão rasante entre dois protoplanetas de massas semelhantes.
vídeo de simulação
No estudo, que fez parte da tese defendida pelo aluno em 2023, foram realizados dois grupos de simulações, cada um com uma composição inicial diferente para o corpo-alvo, e testaram-se três conjuntos distintos de parâmetros de impacto, com o objetivo de avaliar sua viabilidade. Transcorridas 48 horas de evolução após a colisão, quando a forma final dos remanescentes do evento se estabilizou, os resultados reproduziram com notável precisão as características atuais de Mercúrio.
“Esses resultados indicam que uma única colisão de raspão envolvendo dois embriões planetários de massas comparáveis é um cenário altamente provável para explicar a estrutura atual de Mercúrio. Isso confirma o impacto gigante como a hipótese mais plausível para a origem do planeta”, pontuaram os pesquisadores.
Conforme destacou o principal autor do estudo, Dr. Franco, atualmente contratado como pós-doutor em astrofísica no Instituto de Física do Globo de Paris: “o trabalho reforça a ideia de que impactos gigantes não são apenas parte da formação planetária — eles podem, na verdade, ser os principais fatores que moldaram a estrutura final dos planetas rochosos no sistema solar".
O Dr. Roig destacou que o trabalho ainda apresenta algumas limitações. Por exemplo, a evolução da órbita dos dois corpos que colidiram pode, eventualmente, levar a um novo encontro, resultando em um desfecho totalmente diferente.
“Por isso, nossos próximos passos estarão focados justamente na análise do cenário pós-impacto. Em particular, queremos investigar como o Mercúrio resultante evoluiu durante os estágios finais da formação planetária, se ele poderia sobreviver no longo prazo e se seria capaz de se estabilizar na órbita atual de Mercúrio”, pontuou Roig.
O estudo contou com a colaboração de pesquisadores da FEG/UNESP e da Universidade de Tübingen, na Alemanha.