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Estudo em revista do Grupo Nature detalha com precisão inédita primeira entrada do mar na Margem Equatorial Brasileira
Um novo estudo publicado na Nature Communications Earth & Environment traz respostas inéditas sobre o início da abertura do Atlântico Equatorial (Equatorial Atlantic Gateway – EAG). Essa passagem marítima surgiu nos momentos finais de separação entre a América do Sul e África, processo que uniu os Oceanos Atlântico Sul e Norte.
O trabalho apresenta parte dos resultados da tese de doutorado do pesquisador João Maurício Figueiredo Ramos (Petrobras/UFRGS), orientado pelos pesquisadores Dr. Jairo Francisco Savian (UFRGS), Dr. Daniel Ribeiro Franco (ON/MCTI) e Dra. Milene de Freitas Figueiredo (Petrobras). O estudo “New insights into the early opening of the Equatorial Atlantic Gateway revealed through a magneto-cyclostratigraphy framework from the Brazilian Equatorial Margin” foi publicado em 24 de novembro.
De acordo com o pesquisador do Observatório Nacional (ON/MCTI), Dr. Daniel R. Franco, essa transformação remodelou o oceano, influenciou o clima e alterou a circulação atmosférica em um período, marcando a fragmentação final do supercontinente Gondwana.

- O diagrama ilustra como se formou a abertura do Atlântico Equatorial entre a África e a América do Sul – Imagem: D. Duarte et al., 2025 / Universidade Heriot-Watt
No trabalho, os pesquisadores construíram uma nova escala de tempo que permite datar com alta precisão os eventos dessa fase crítica da história da Terra.
O trabalho se concentra na Bacia São Luís–Grajaú, no Maranhão, uma área-chave porque preserva registros sedimentares formados justamente quando foi criada uma passagem (gateway ou seaway) conectando as águas dos Oceanos Atlântico Sul e Norte, mudando drasticamente a paleogeografia do Equador e tornando-o mais próximo da sua configuração atual. Os pesquisadores analisaram 254 amostras de um furo de sondagem (poço 2-ANP-5-MA), com medições paleomagnéticas e de magnetismo de rochas parcialmente realizadas no Laboratório de Paleomagnetismo, Cicloestratigrafia e Mineralogia Magnética do ON/MCTI (LPC2M-ON).
Até agora, havia grande debate sobre quando essa região deixou de ser um ambiente continental com lagos e zonas secas para se tornar um sistema transicional com presença de evaporitos e carbonatos marinhos, associado à entrada de água marinha: uma mudança decisiva para a conexão entre os antigos oceanos e o “jovem” Atlântico Equatorial.

- Imagem acima mostra: a) 120 milhões de ano; b) 100 milhões de ano, com a posição do testemunho 2-ANP-5-MA; c) Posição atual do testemunho 2-ANP-5-MA; d) Carta cronoestratigráfica da Bacia de São Luís com a localização aproximada do testemunho estudado; e Esquema litoestratigráfico da porção estudada do testemunho 2-ANP-5-MA com o perfil de raios gama.
Uma escala de tempo inédita
O resultado principal do estudo foi a criação da primeira escala astrocronológica para depósitos sedimentares da Margem Equatorial Brasileira, constituída com base nos ciclos orbitais. A construção de tal escala é domínio da área de Cicloestratigrafia, que permite a disposição de arcabouços cronoestratigráficos (que analisa a idade dos estratos rochosos em relação ao tempo) com resolução temporal sem precedentes, em comparação com outras técnicas convencionais de datação.
Este tipo de trabalho baseia-se no reconhecimento periódico dos ciclos de excentricidade longa (com duração média de ~405 mil anos) em rochas sedimentares, que funciona como um verdadeiro metrônomo da história da Terra. Isso é possível porque este ciclo é definido pela interação gravitacional estável entre planetas de grandes massas do Sistema Solar, especialmente Vênus e Júpiter, mantendo seu período praticamente constante por centenas de milhões de anos. Dessa forma, cada variação na intensidade desses ciclos registrada nos sedimentos pode ser convertida em tempo real, permitindo a ancoragem cronológica de eventos geológicos mesmo na ausência de fósseis ou idades radioisotópicas.
A Margem Equatorial Brasileira é uma região-chave para os estudos geofísicos porque registra, como poucas no mundo, os últimos estágios da separação entre América do Sul e África e a abertura do Oceano Atlântico Equatorial. Suas bacias sedimentares guardam uma sequência única de rochas que documentam transições de ambientes continentais para marinhos, mudanças no clima global e variações do campo magnético da Terra ao longo de milhões de anos.
Ao investigar essas camadas antigas, os cientistas conseguem reconstruir a evolução tectônica do planeta, entender como os oceanos se formaram e até refinar escalas de tempo geológico, além de gerar conhecimento fundamental para a exploração segura e sustentável de recursos naturais no país.
Com essa nova escala temporal, os pesquisadores chegaram a três resultados principais:
1. Estimativa precisa da primeira entrada do mar na Margem Equatorial Brasileira
Os pesquisadores correlacionaram eventos conhecidos da região do antigo oceano Tétis (que ficava entre África, Europa e Oriente Médio) com registros brasileiros e concluíram que o mar entrou pela primeira vez na região do Maranhão há 117,2 milhões de anos.
2. Datações para duas reversões importantes do campo geomagnético
Eles dataram dois “subcrons” com uma precisão inédita:
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M-1r: 116,93 ± 0,14 milhões de anos
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Subcron “2”: 116,28 ± 0,14 milhões de anos
Subcron é uma subdivisão de um intervalo de polaridade magnética, marcada por uma reversão curta ou mudança característica do campo geomagnético terrestre. Esses eventos são registrados nas rochas e servem como pontos de correlação para construir escalas de tempo detalhadas.
3. Mudança climática regional após a entrada do mar
O estudo também mostra que a instalação de um clima mais úmido na região equatorial - chamada Cinturão Úmido Equatorial (EHB) - aconteceu cerca de 800 mil anos depois da chegada do mar. Essa mudança conecta a geologia da região a eventos climáticos globais, como o evento Cold Snap (ocorrido no estágio Aptiano), um período de resfriamento que marcou uma virada no clima do Cretáceo.
O resultado também ajuda a entender como o clima respondeu à abertura do Atlântico equatorial durante a fragmentação do supercontinente Gondwana.
“Esses resultados fornecem uma referência cronoestratigráfica robusta para a abertura inicial do Atlântico equatorial e informam sobre as respostas paleoclimáticas do Aptiano durante a fragmentação de Gondwana”, destacam os autores.
Um planeta em transformação
De acordo com os resultados, a abertura do Atlântico Equatorial não foi apenas um fenômeno geológico, mas um gatilho para transformações climáticas globais. A entrada de água marinha alterou a salinidade, a circulação oceânica e a troca de umidade entre oceano e atmosfera, influenciando o clima do chamado período Aptiano, uma fase marcada por eventos extremos, como aquecimentos globais, crises de oxigênio nos mares e grandes reorganizações ambientais.
Estudos sugerem que houve um aumento dramático na temperatura média global durante o Aptiano e, no final deste estágio, teria havido uma diminuição da temperatura, o chamado “cold snap”.
Além disso, ao correlacionar os dados brasileiros com registros de outras regiões, como o Tétis, o estudo cria uma referência temporal sólida para reconstruir como o planeta reagiu à separação de continentes que antes formavam Gondwana.
“Esses novos dados permitem um aprofundamento na grandeza do tempo geológico envolvido no processo de ruptura continental que deu origem ao Oceano Atlântico Equatorial. A datação das rochas da Bacia de São Luís-Grajaú possibilitou uma maior compreensão a respeito do efeito do cold snap no hemisfério equatorial. Uma mudança do regime de aridez para umidade já havia sido apontado por outros autores, porém ainda não era possível realizar uma correlação direta entre esses dois eventos geológicos devido à falta de um vínculo temporal entre ambos. Porém, com a abertura do Atlântico Equatorial, o regime pluviométrico regional se alterou, proporcionando grandes mudanças climáticas do período Aptiano”, destacou o pesquisador João Maurício Figueiredo Ramos.
Segundo ele, entender as mudanças climáticas do Aptiano também permite compreender, em parte, os desafios futuros esperados frente à mudança climática esperada para as próximas décadas, já que os aumentos no nível do mar previstos nos modelos oceanográficos também irão alterar os regimes de chuvas em muitas regiões do Planeta.
Contribuição do Observatório Nacional
Para Ramos, a contribuição do ON nesta pesquisa foi fundamental para que o grupo pudesse alcançar os resultados mencionados:
“A interação com o Prof. Daniel R. Franco, referência no tema da magneto-cicloestratigrafia no Brasil, foi essencial para o reconhecimento e para a compreensão de como configurações passadas do Sistema Solar (distância Terra-Sol e orientação da Terra em relação ao Sol) criaram forçantes orbitais capazes de modificar o clima da Terra, sendo registrada nas rochas através de sinais cíclicos”.
Além disso, o pesquisador deu destaque à infraestrutura do LPC2M-ON, fundamental no processo de identificação da mineralogia dos minerais magnéticos presentes nas rochas estudadas, proporcionando a obtenção de séries de dados (proxies) confiáveis para o reconhecimento dos sinais orbitais cíclicos utilizados na datação das rochas.
O pesquisador disse ainda que a interação entre Petrobras, UFRGS e Observatório Nacional abriu uma “via de mão-dupla”, pois permitiu unir o interesse acadêmico da pesquisa científica com as necessidades atuais da indústria de hidrocarbonetos.
“Este relacionamento irá fomentar novas oportunidades de estudos futuros, tanto no contexto da nova fase exploratória da Margem Equatorial Brasileira, quanto em diversas outras oportunidades no Brasil e até no Exterior”, concluiu.