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Erupções solares são as maiores dos últimos anos; ON fará "live" sobre o tema
As erupções solares registradas nas últimas semanas são as mais fortes dos últimos anos e já causaram prejuízo. Recentemente, uma delas provocou apagões de rádio na Europa e na África e formou impressionantes auroras boreais. O fenômeno, apelidado de “tempestade canibal”, ocorre quando múltiplas erupções solares se combinam, tendo assim um maior impacto no campo magnético terrestre.
Como visto, o Sol fica a 150 milhões de quilômetros da Terra, mas o que acontece lá interfere na nossa vida aqui. Interfere literalmente falando, pois até interferência no sinal de rádio e funcionamento do GPS, a estrela vem causando.
Grande conhecedor desse assunto, o doutor Gabriel Hickel, parceiro do Observatório Nacional (ON/MCTI) no programa “O Céu em Sua Casa” e professor da Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI), ajudou o ON a elaborar um manual para você compreender esse fenômeno e saber quais cuidados deve tomar.
Como o assunto é complexo, na terça-feira, dia 25 de novembro, o doutor Gabriel participará de uma "live" no canal do YouTube do ON. Ele vai tirar todas as dúvidas dos participantes e mostrar imagens surpreendentes desse fenômeno. A mediação é da gestora da Divisão de Comunicação Popularização da Ciência (DICOP) do ON, Dra. Josina do Nascimento. A "live" começa às 19h (horário de Brasília). O endereço é este aqui.
- O que é exatamente uma erupção solar?
Erupções solares não são exatamente explosões, mas liberações súbitas de energia e de material, que ocorrem nas camadas mais externas do Sol e que conseguimos observar. As estrelas como o Sol são enormes esferas de gás ionizado, o que se chama de plasma, composto de elétrons e íons atômicos. Este plasma está em contínuo movimento, seja pela rotação do Sol, seja pela convecção que ocorre nas camadas mais externas. Quando cargas elétricas se movimentam, elas induzem a formação de campos magnéticos, efeito descoberto pelo francês Ampère, no início do século 19. Assim, o Sol é permeado de um intenso e complexo campo magnético. Por outro lado, a presença de linhas de campo magnético induz movimentos específicos, confinando o plasma. Assim, existe um forte vínculo entre as linhas de campo magnético e o plasma. O plasma movimenta e arrasta as linhas de campo magnético, mas a concentração e rompimento de linhas de campo magnético também provocam movimentos do plasma.
O campo magnético do Sol sofre variações cíclicas, sendo a mais importante delas, o ciclo de 22 anos, no qual o campo magnético solar inverte a sua polaridade e depois retorna à polaridade normal. Nos intermediários, que ocorrem a cada 11 anos, linhas do campo magnético do Sol podem aflorar nas camadas mais externas, formando arcos magnéticos para fora do Sol, recheados de plasma. Esses arcos ficam sob uma tensão magnética muito grande. Quando um desses arcos se rompe, em um fenômeno de reconexão magnética, ele age como a borracha de um estilingue arremessando o seu plasma em altíssimas velocidades; tanto para fora, no meio interplanetário, quanto na direção oposta, retornando às camadas mais externas do Sol.
Esse plasma acerta essas camadas, liberando muita energia na forma de radiação ionizante, composta de raios-X e UV. Já a parte que vai para o meio interplanetário forma o que chamamos de ejeção de massa coronal, em alusão à coroa solar, que é a camada mais externa do Sol.
- Por que uma erupção que acontece lá no Sol consegue causar apagão de rádio aqui na Terra?
Nossas telecomunicações são feitas com ondas eletromagnéticas que atravessam nossa atmosfera. Por exemplo, as comunicações via satélite são emitidas de solo para o satélite e deste de volta para o solo, passando pela atmosfera duas vezes, em particular, pela última camada, chamada ionosfera. A ionosfera também contém plasma, ou seja, elétrons e íons, sendo permeada pelo campo magnético terrestre. Para algumas frequências de rádio, em particular as ondas longas de radioamador e que também são usadas na navegação marítima, a ionosfera funciona como um espelho, não permitindo que essas ondas a atravessem.
Por isso, mesmo com a curvatura da Terra, é possível comunicar-se com outro continente. Então, quando ocorre uma ejeção de massa coronal no Sol, o primeiro efeito a chegar é a radiação ionizante, raios-x e UV. Essa radiação vai alterar a altura e densidade da nossa ionosfera, afetando as condições de transmissão e reflexão de ondas de rádio através dela.
Além desse efeito imediato, o plasma que é ejetado pelo Sol para o meio interplanetário, pode atingir a Terra, entre 20 horas e 3 dias depois. E esse material vai interagir com a ionosfera e o campo magnético terrestre, perturbando suas linhas e a própria ionosfera. Isso forma a tempestade magnética. Ela causa ruído severo nas telecomunicações, podendo causar também, o apagão para algumas frequências.
- Quais aparelhos do nosso dia a dia podem ser afetados por esse tipo de evento – celular, GPS, internet, satélites?
Aparelhos eletrônicos só são afetados se estiverem no espaço, fora da proteção da atmosfera terrestre. O que é afetado é a comunicação entre eles, ou seja, as ondas eletromagnéticas utilizadas na comunicação são afetadas. O GPS, por exemplo, perde precisão e eficácia. A internet, hoje em dia, tem a maior parte do fluxo de dados efetuado por cabeamento, não sendo muito afetada nessa modalidade. Então, destes aparelhos citados, somente os satélites estão sujeitos aos efeitos diretos da radiação ionizante e do plasma ejetado pelo Sol. Neste caso, os satélites podem sofrer apagões temporários, mau funcionamento e, em casos mais extremos, terem sua eletrônica interna danificada.
Para que os aparelhos eletrônicos que usamos em solo, como os celulares, sejam afetados, precisaria ocorrer um evento muito extremo de liberação de energia no Sol, a ponto de criar flutuações no campo magnético da Terra tão intensas, que danificaria a eletrônica interna deles. Não tivemos eventos assim na história recente da humanidade, o último foi o evento Carrington, em 1859, que danificou os telégrafos da época. Eventos assim são muito raros, mas sem dúvida, podem ocorrer. Existem registros geológicos que mostram eventos até mais intensos.
- Existe algum risco para as pessoas ou é só para os equipamentos mesmo?
De modo geral, para 99% destes eventos que ocorrem no Sol, não há nenhum risco para seres humanos e para a vida na Terra. A menos claro, que você esteja no espaço. Então, os astronautas que ficam lá na estação espacial, por exemplo, precisam se proteger e são avisados pelos observatórios espaciais solares de quando ocorrem emissões solares de energia mais intensas, para se protegerem da radiação ionizante. Aqui em solo, só somos afetados no 1% de eventos mais energéticos, que ocorrem na taxa média de 5 a 8 a cada 11 anos. E como somos afetados e quais os riscos? Eventos muito energéticos emitem uma quantidade grande de raios-X e uma pequena parte deles consegue penetrar na nossa atmosfera e chegar até o solo, onde estamos. Algo como uma radiografia dentária. Não é muito, mas o efeito é acumulativo ao longo da vida, o que em tese, aumenta a probabilidade de câncer de pele.
Outro efeito é que o excesso de raios-X e radiação UV emitido pelo Sol nesses eventos, é absorvida pela alta atmosfera da Terra, afetando diretamente a camada de ozônio. Na prática, essa camada é enfraquecida, demorando de algumas horas a dias para se recuperar. Então, após o evento, ficamos mais expostos ao UV do dia a dia, emitido pelo Sol, o que também não é saudável para a nossa pele e olhos, aumentando o risco de câncer de pele e catarata, por exemplo.
- Quando acontece uma erupção forte assim, o que nós, cidadãos comuns, devemos observar ou fazer ou não fazer?
O ideal é evitar exposição direta ao Sol nas horas que sucedem estes eventos. Existem aplicativos de clima espacial, como o SpaceWeatherLive, que emitem alertas de eventos solares extremos no seu celular. Estes alertas não protegerão dos raios-X emitidos, pois quando chegam junto com a radiação ionizante. Mas antecipam o enfraquecimento da camada de ozônio, por exemplo. Desta forma, é bom evitar exposição direta ao Sol nas horas seguintes a um evento de ejeção de massa coronal, porque certamente, você receberá radiação UV em maior quantidade que o normal. Logicamente, isso não é para alarmar a população. Os problemas com radiação ionizante dependem da carga recebida pelo organismo, ou seja, é a multiplicação do fluxo da radiação pelo tempo de exposição. O que eu quero dizer é que você não precisa ficar confinado, sem sair na rua, após um evento de maior energia na superfície do Sol. Só não é recomendável ficar um tempo excessivo exposto ao Sol, como bronzear-se ou fazer outras atividades que impliquem uma exposição de horas ao Sol. Caso precise, por questões de trabalho, proteja-se com roupas compridas, chapéu e filtro solar.
- Qual a ligação dessas erupções solares com as auroras boreal e austral? Por que há mais aurora boreal do que austral?
A ligação é direta, porque as auroras são causadas justamente pela interação do plasma ejetado pelo Sol nestes eventos, com a magnetosfera da Terra. Quando o plasma solar é arremessado no espaço interplanetário, ele também carrega linhas de campo magnético. Esse campo tem uma polaridade. Ao chocar-se com a magnetosfera da Terra, o plasma ejetado comprime o campo magnético terrestre e caso a polaridade magnética de ambos seja invertida, haverá um acoplamento, da mesma forma que ímãs de polaridade invertida se atraem. Tal efeito possibilita que as partículas do plasma solar, elétrons e íons, penetrem na nossa magnetosfera e sigam as linhas do campo magnético da Terra, na direção dos polos deste campo. Desta forma, estas partículas acabam por colidir com a alta atmosfera da Terra, atingindo átomos de oxigênio e nitrogênio, principalmente.
Após a colisão, estes átomos ficam mais energéticos e a forma que eles têm de liberar esse excesso de energia é através da emissão de luz visível. O oxigênio pode emitir luz vermelha ou verde, dependendo da altura em que é atingido na atmosfera. Já o nitrogênio, geralmente emite luz azulada. Essa emissão ocorrerá na alta atmosfera, nas regiões junto aos polos magnéticos, tanto no hemisfério norte, formando a aurora boreal, quanto no hemisfério sul, formando a aurora austral. Então, as auroras ocorrem com a mesma frequência nos dois hemisférios.
A questão é que, enquanto no hemisfério norte, essas regiões são bem povoadas no Canadá, EUA, norte da Europa e Rússia; no hemisfério sul, o polo magnético está sobre a Antártida, entre o polo sul geográfico e a Austrália. Assim, as auroras austrais só podem ser avistadas pelos cientistas nas bases instaladas na Antártida ou, no caso de eventos mais extremos, é possível vê-las no horizonte sul das regiões sul da Austrália, Nova Zelândia e do extremo sul da América do Sul (Punta Arenas e Ushuaia). Assim, não há mais auroras no norte do que no sul. É uma questão de ter ou não, pessoas observando.