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Dissertação de mestrado do ON indica imprecisão nos critérios para classificar aglomerados de galáxias distantes
Julgar pela aparência pode levar a erros também na Astrofísica. Ao estudar aglomerados de galáxias distantes, cientistas costumam classificá-los com base no que parecem ser, usando critérios que podem estar imprecisos e não refletir sua real condição atual.
Isso é preocupante porque muitos estudos utilizam observações dessas grandes estruturas para entender como o universo evoluiu ao longo do tempo. Se os critérios forem imprecisos, as conclusões também podem estar equivocadas.
Essa imprecisão nos critérios de avaliação dos aglomerados de galáxias distantes foi a principal constatação da dissertação de mestrado desenvolvida pelo estudante Vinícius Bessa no Observatório Nacional (ON/MCTI), sob orientação do Dr. Renato Dupke. A dissertação gerou um artigo que será publicado na prestigiosa revista The Astrophysical Journal (ApJ).

- O aglomerado de galáxias SPT2215, que fica a 8,4 bilhões de anos-luz da Terra. Foto: NASA / CXC / MIT / M. Calzadilla / STScI / HST / N. Wolk.
Nesta dissertação, Vinícius analisou o distante aglomerado de galáxias SPT-CL J2215-3537, ou simplesmente SPT2215. Por estar tão longe, ou seja, a 8,4 bilhões de anos-luz da Terra, ele é observado como era quando o Universo tinha aproximadamente 5,3 bilhões de anos, isto é, um terço da idade atual. Isso acontece porque a luz leva bilhões de anos para chegar à Terra. Assim, olhar para objetos distantes é, na prática, olhar para o universo jovem.
Ao analisar o SPT2215, Vinícius identificou uma série de fenômenos antes só documentados em aglomerados muito mais próximos de nós, concluindo que métodos para extração de informação física de aglomerados baseados apenas na aparência das imagens podem falhar em objetos muito distantes, levando a resultados equivocados sobre matéria escura e a estrutura de grande escala do universo.
O trabalho aponta caminhos para melhorar esses critérios, tornando os estudos sobre o Universo jovem mais confiáveis. Então, à primeira vista, o aglomerado SPT2215 parecia já calmo e bem organizado. As imagens iniciais em raios-X mostravam o gás intra-aglomerado distribuído de forma muito regular, algo inesperado para uma época em que o universo ainda estava se formando e para a qual espera-se que a taxa de fusões seja muito superior à atual.
Aí está o grande feito desse estudo do ON: ir além dessa aparência. Usando dados mais profundos do telescópio espacial Chandra, Vinícius conseguiu enxergar detalhes que nunca haviam sido vistos em um aglomerado tão distante. Ele identificou frentes frias, que revelam movimentos internos do gás e uma cavidade em raios-X, sinal claro de atividade do buraco negro supermassivo no centro.
Essas estruturas nunca tinham sido observadas antes em um objeto e essa distância. Com isso, ficou claro que o aglomerado não é totalmente relaxado, mas também não está completamente desorganizado. Ele está em um estágio intermediário, chamado de “moderadamente relaxado”.
“Essa descoberta é importante porque muitos estudos cosmológicos usam aglomerados de galáxias para entender como o universo evolui. Para isso, os cientistas precisam de aglomerados realmente relaxados, pois nesses casos a massa pode ser estimada com precisão. Se um aglomerado dinamicamente ativo for tratado como estável, a massa calculada não será representativa da real, o que pode afetar resultados sobre matéria escura e a evolução cósmica”, explicou Vinícius.
Em resumo, o estudo não só revelou o estado real de um aglomerado antigo, como também ajudou a refinar as ferramentas usadas para investigar a história do universo. Ainda há, no entanto, detalhes a serem trabalhados. No doutorado que está fazendo, Vinícius planeja utilizar uma extensa amostra de aglomerados para o qual existem observações ópticas e em raios-X para construir um conjunto de parâmetros morfológicos que permitam aumentar a acurácia das classificações de estágio dinâmico, auxiliando na seleção de amostras adequadas para estudos cosmológicos com aglomerados.
•Para entender mais a fundo
Aglomerados de galáxias são as maiores estruturas do universo mantidas pela gravidade. Eles reúnem centenas ou milhares de galáxias envolvidas por um gás extremamente quente, que emite em raios-X e nos permite sondar a distribuição de matéria e a dinâmica interna do sistema. Ao longo de sua evolução cósmica, aglomerados de galáxias sofrem eventos de fusão com outras estruturas, o que perturba significativamente o gás no meio intra-aglomerado, adicionando turbulência e movimentos de bojo.
Por outro lado, distribuições de matéria gravitacionalmente ligada tendem naturalmente ao equilíbrio dinâmico, de modo que, dado tempo suficiente, alcançam o chamado estado de relaxamento ou “virialização”.

Dessa forma, a regularidade na distribuição do gás intra-aglomerado, inferida pela correspondente emissão em raios-X, é a assinatura observacional de que um aglomerado está aproximadamente virializado e que, por consequência, encontra-se num período prolongado sem interações violentas com estruturas externas.
Em geral, conhecendo-se a equação de estado de um gás, pode-se relacionar o gradiente de pressão com o campo gravitacional subjacente. Podemos imaginar um bloco sobre um êmbolo e uma coluna contendo um gás qualquer. A altura do êmbolo é resultado da combinação do peso do bloco e da pressão exercida pelo gás.
Se alguém deseja estimar a massa do bloco, pode fazê-lo uma vez que conheça as propriedades termodinâmicas e cinéticas do gás. A magia dos aglomerados de galáxias relaxados está no fato de que a componente de pressão dominante tem origem térmica, e não cinética, de modo que o gradiente de pressão térmica e temperatura sozinhos podem ser utilizados para inferir a massa total do sistema (incluindo a matéria escura) através da chamada aproximação hidrostática.
Para um aglomerado dinamicamente ativo, o suporte de pressão decorrente dos movimentos internos do gás não mais podem ser negligenciados, de modo que a estimativa da massa exige conhecimento acerca do campo de velocidades do sistema.