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MPI alerta que projeto de regularização fundiária na Amazônia Legal pode acirrar conflitos em Terras Indígenas
- Foto: Letícia Rocha / MPI
O secretário nacional de Direitos Territoriais Indígenas, Marcos Kaingang, manifestou forte preocupação do governo federal em relação aos impactos do Projeto de Lei 4.718/2020 sobre Terras Indígenas durante audiência na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) do Senado Federal nesta terça-feira (9). O principal alerta é de que a proposta, que propõe alterações na lei de regularização fundiária de ocupações em áreas da União na Amazônia Legal, pode gerar sobreposições com áreas reivindicadas por povos indígenas e acirrar conflitos agrários.
Marcos Kaingang, representando o Ministério dos Povos Indígenas (MPI), argumentou que a matéria transfere para o Judiciário uma competência que é estritamente do Poder Executivo, onde já atuam o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).
“Nós teríamos que criar dentro do Poder Judiciário instituições com essa expertise”, disse, defendendo o fortalecimento dos órgãos existentes. Para ele, a instância mais adequada para tratar do tema é a Câmara Técnica de Destinação de Terras Públicas, retomada recentemente.
O secretário destacou que a regularização judicial de áreas sobrepostas a Terras Indígenas em processo de demarcação tende a gerar insegurança jurídica e conflitos. Ele lembrou que os processos administrativos de demarcação, regidos pelo Decreto 1.775, já são longos, podendo levar até 30 anos. Incluir uma nova via judicial, ampliaria a morosidade e a judicialização de disputas.
A sobreposição de Terras Indígenas com propriedades privadas já gera dificuldades, como o bloqueio ao acesso a financiamentos para produtores, mas a solução não é mudar a competência para o Judiciário. A estratégia defendida pelo MPI é estruturar e empoderar os órgãos competentes, como o Incra e a Funai, para que possam agilizar as regularizações de forma adequada.
Por fim, o secretário informou que o ministério elaborou contribuições técnicas ao projeto, sugerindo a supressão total ou parcial de artigos específicos, e deixou o documento à disposição da Comissão.
MMA
Em sua fala à Comissão, Marcelo Mateus Trevisan, Diretor do Departamento de Ordenamento Ambiental Territorial do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) destacou que o projeto trata especificamente da regularização fundiária individual em glebas públicas federais já discriminadas, que se concentram quase integralmente (99,96%) na Amazônia.
Ele ressaltou que o Estado brasileiro tem um histórico de ações na área, citando a criação da Secretaria Extraordinária de Regularização Fundiária da Amazônia Legal e a entrega de títulos em agendas conjuntas com o Incra. "Nós não podemos partir da premissa de que não fizemos nada", afirmou.
O diretor enumerou avanços técnicos, como a existência de mais de 1,2 milhão de imóveis georreferenciados e a Plataforma de Gestão Territorial, que permite um processo quase 100% digital para análise de sobreposições e emissão de títulos.
Na esfera institucional, elencou a importância da Câmara Técnica de Destinação de Terras Públicas, que reúne cinco ministérios e cinco órgãos para discutir a destinação de terras, não apenas para regularização individual, mas também para unidades de conservação e territórios de povos indígenas e tradicionais.
Trevisan apontou como problema no Projeto de Lei a dificuldade de operacionalizar a integração de dados técnicos com os cartórios de registro de imóveis da região. "Cartório hoje não tem equipe técnica para olhar o georreferenciamento. Então, não tem como a gente jogar uma responsabilidade dessa dimensão para um cartório", disse, questionando a eficácia de transferir a competência para o extrajudicial.
Por fim, defendeu que a aceleração do processo não pode prescindir de garantias, uma vez que se trata de patrimônio público. "O mais importante é sim um processo mais célere, mas tem que ser um processo de garantias", concluiu, argumentando que o caminho é o fortalecimento dos órgãos fundiários com estrutura humana, tecnológica e orçamentária para "aumentar a dimensão do alcance da política pública".
Participaram da audiência: Michel François Drizul Havrenne, Procurador da República e Coordenador da Comissão de Terras Públicas do Ministério Público Federal; Júnior Divino Fideles, Adjunto do Advogado-Geral da União; Marcos Vesolosquzki, Secretário Nacional de Direitos Territoriais Indígenas do Ministério dos Povos Indígenas; Daniela Ferreira dos Reis, Coordenadora-Geral de Justiça Socioambiental e Direitos Territoriais do Ministério da Justiça e Segurança Pública; Carlos Gondim, Consultor Jurídico do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar; e Érico Melo Goulart, Assessor Técnico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil.