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Na Alemanha, Sonia Guajajara e alunos do Kuntari Katu defendem o reconhecimento de saberes indígenas como medida de adaptação à crise climática
Na sexta-feira (20), durante a Conferência de Bonn, realizada na Alemanha, 14 estudantes do Programa Kuntari Katu – Líderes Indígenas na Política Global participaram de uma coletiva de imprensa em que leram uma carta para evidenciar a luta dos povos indígenas pelo reconhecimento dos saberes tradicionais no processo de adaptação às mudanças climáticas; pela garantia de uma transição justa que respeite o consentimento livre e prévio dos povos indígenas e pela garantia de financiamento direto e proporcional à contribuição inestimável para a preservação do planeta que promovem no dia a dia. A coletiva também contou com a presença da ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara.
A ministra participa das Conferências do Clima das Nações Unidas há cerca de 20 anos e vem realizando esforços para aumentar a participação indígena em espaços de governança ambiental desde então. Contudo, ela frisou a necessidade da existência de um grupo focado em acompanhar as negociações ambientais, porém dividido por tema.
Assim sendo, os jovens do programa Kuntari Katu vêm sendo preparados por aulas presenciais, virtuais, em campo e por meio de participação direta nos espaços das Conferências desde o ano passado. Um grande exemplo de vivência real foi a Conferência da Biodiversidade em Cali, na Colômbia, e na Conferência das Mudanças Climáticas, em Baku, no Azerbaijão, ambas em 2024. A própria Conferência de Bonn também é exemplo, uma vez que os alunos integram grupos técnicos, o Caucus Indígena e a Plataforma de Comunidades Locais e Povos Indígenas para exercer funções práticas.
“É uma alegria para mim ver aqui o resultado dessa formação para que que façamos a maior e a melhor Conferência das Nações Unidas da Conferência do Clima, a COP 30. Kuntari Katu é aldear a política, a ONU e os espaços internacionais. Estamos indo além de aldear o Estado brasileiro com esse grande avanço de participação ativa feito por nossos jovens”, descreveu Sonia Guajajara.
“Quando comecei a participar das COPs quase não se via cocar nesses espaços, mas hoje marcamos uma posição com nossa presença. Aliás, o curso serve para que essa participação não seja só em quantidade, mas em qualidade para que possamos trazer a sabedoria indígena para o alcance de uma transição justa”, defendeu a ministra.
Acordo de Paris posto em prática
Segundo a titular do MPI, em 2015, com o Acordo de Paris, o tratado reconheceu o conhecimento tradicional como científico. Entretanto, isso não deve ficar apenas em termos de registro. É necessário traduzi-lo na prática com participação e a presença dos alunos nos eventos materializa o Acordo com a palavra e a voz
A ministra elencou as ações do ministério que vêm contribuindo em níveis diferentes para aumentar a participação indígena nas COP 30. Ela citou o Kuntari Katu, o Ciclo COParente - que mobiliza o Brasil em todas as regiões ao explicar o que é a Conferência e que decisões importantes são tomadas nela -, o Círculo dos Povos, uma iniciativa lançada pela presidência da COP em abril que conta com a Comissão Internacional de Povos Indígenas, ambos liderados pela ministra Sonia Guajajara.
“Inspiramos outros grupos do Brasil a se organizarem e chegarem de forma articulada à COP 30. Com isso, inspiramos o mundo a trazer sua diversidade para contribuir com um grande aldeamento”, completou.
O Kuntari Katu teve início em agosto de 2024, visando a formação de jovens líderes indígenas nos temas relacionados à governança global. São 31 indígenas dos seis biomas brasileiros participantes do programa, que oferece formação híbrida, com módulos presenciais em Brasília, em conjunto com atividades virtuais, acompanhamento permanente à distância, mentoria e aulas de inglês, que é o idioma oficial das negociações.
Na Conferência de Bonn, realizada na sede da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (CQNUMC), os jovens participarão das mesas sobre mitigação, adaptação, financiamento, gênero, transição justa, perdas e danos, crédito de carbono e agricultura.
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Confira a carta apresentada pelos estudantes do Kuntari Katu durante a coletiva:
“Olá a todas e todos! Hoje é um momento de força, de afirmação e também de agradecimento. Somos cursistas do Programa Kuntari Katu, e estamos aqui como lideranças em formação, representantes vivos de nossos povos, de nossas comunidades e dos nossos territórios. O nome “Kuntari Katu” vem das línguas Nheengatu e Tupi, e significa “aquele que fala bem”. E é com essa força da palavra, que se traduz em luta, memória e ancestralidade, que construímos nossa caminhada.
Participar deste programa tem sido uma experiência desafiadora. Deixamos nossas aldeias, nossas famílias e nossos trabalhos para nos dedicarmos em uma rotina intensa de estudos, muitas vezes em ambientes distantes das nossas realidades. A barreira linguística, por exemplo, é um dos principais obstáculos que enfrentamos no curso e também nos espaços de decisão. Mas estar aqui, aprendendo é mais do que um ato de estudo: é um ato político. É um ato de resistência.
O Kuntari Katu não é apenas uma oportunidade de formação — ele é uma estratégia de luta. Entendemos que nossos saberes ancestrais precisam caminhar junto com o conhecimento técnico e político. Nossa presença na SB62 da UNFCCC, em Bonn, é uma etapa essencial dessa trajetória. É parte concreta do nosso processo formativo e, mais que isso, um reconhecimento da importância da nossa contribuição para alcançar a justiça climática.
Estar em um espaço real de negociação internacional nos permite compreender, na prática, como funcionam os espaços multilaterais, seus ritmos, suas linguagens e dinâmicas políticas. A vivência direta nos corredores da diplomacia climática global é insubstituível — é aqui que se constroem alianças, se definem estratégias e se disputa o presente e o futuro da política ambiental.
Sabemos que esses espaços não foram pensados por nós e tampouco para nós. Ainda hoje, nossos modos de vida e nossas vozes seguem sendo marginalizados nas decisões que afetam nossos territórios e nossas vidas. Mas mesmo diante dessas dificuldades, seguimos firmes. A força coletiva, o compromisso com nossos povos e a urgência da crise climática fazem desta formação não apenas possível, mas necessária. Porque sabemos: sem nossas ciências ancestrais, sem a demarcação das nossas terras, não há futuro possível.
Nossa luta é pelo reconhecimento dos saberes tradicionais no processo de adaptação às mudanças climáticas. É pela garantia de uma transição justa que respeite o consentimento livre, prévio e dos povos indígenas. É pela proteção dos territórios sagrados. E é pela garantia de um financiamento direto e proporcional à contribuição inestimável que damos para a preservação do planeta. O Kuntari Katu nos oferece ferramentas, mas a força vem de dentro. Vamos continuar avançando. Vamos ocupar conselhos, universidades, secretarias e assembleias — porque se não estivermos nesses espaços, outros decidirão por nós.
Seguimos juntos, cursistas do Kuntari Katu. Seguimos em nome dos nossos territórios, das nossas vidas, das nossas histórias. Pela demarcação já. Pelo bem viver dos povos indígenas. Por nossos modos de vida.
A luta continua! Diga ao povo que avance!”