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MPI defende manutenção de etapas já concluídas em processos demarcatórios
- Foto: Gustavo Moreno
Na 12ª audiência da Comissão Especial de Autocomposição em torno do marco temporal, realizada no Supremo Tribunal Federal (STF), na segunda-feira (2), em Brasília, o Ministério dos Povos Indígenas, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e membros indígenas que integram a iniciativa defenderam que ações já concluídas das etapas dos processos de demarcação sejam respeitadas dentro da nova proposta para a lei.
A sessão foi retomada a partir da discussão dos artigos 14 e 15 da lei 14.701. O primeiro deles afirma que "Os processos administrativos de demarcação de terras indígenas ainda não concluídos serão adequados ao disposto nesta Lei" e segundo estipula que “É nula a demarcação que não atenda aos preceitos estabelecidos nesta Lei." Ambos os artigos foram vetados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no ano passado.
Assim sendo, MPI, Funai e representantes indígenas defenderam que o texto seja alterado, acrescendo o respeito aos atos administrativos dos processos realizados dentro das fases iniciais de identificação da área a ser demarcada - o que inclui a instalação de um Grupo de Trabalho e a produção de um Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação de terra indígena (RCID), bem como os pareceres da Funai referente às contestações apresentadas por ocupantes não indígenas - e as fases posteriores.
A fase inicial da demarcação é marcada por estudos multidisciplinares complexos de viés antropológico para definir se a Terra Indígena alvo de demarcação é de fato de uso e ocupação tradicional de um povo indígena. Já as demais são as de delimitação, de emissão de portaria declaratória pelo Ministério da Justiça (MF), a de colocação do marco (placa) e georreferenciamento feito pela Funai, para que em seguida seja feita a homologação da TI e seu posterior registro.
Uma das reivindicações das partes com interesses contrários aos indígenas é que possam participar integralmente de todas as etapas do processo de demarcação, alegando que isso traria mais transparência, mesmo diante do fato de que há um período de contestação já previsto para garantir o direito ao contraditório aos ocupantes de territórios não indígenas envolvidos em ações.
Membro da Comissão e diretor do Departamento de Línguas e Memórias do MPI, Eliel Benites, ressaltou que a primeira fase do processo de demarcação é sensível, pois lida com a memória e com a cultura oral dos indígenas e resulta em dados primários para o antropólogo. “Tem que ficar muito evidente que tipo de transparência está sendo exigida nessas fases de coleta de provas porque esse nível de interferência constrange a população indígena e afeta um momento que é destinado aos povos originários para que reabram feridas”, comentou o diretor.
Adequação
“Quando o artigo 14 menciona adequação, nossa preocupação são os atos concluídos diante do processo de demarcação, pois o que será adequado ficou em aberto no texto. Nosso receio é que isso aumente a morosidade, amplie a judicialização e traga uma série de retrocessos para processos que se arrastam há anos”, disse Alessandra Alves, consultora jurídica do MPI.
De acordo com a diretora de proteção territorial da Funai, Maria Janete de Carvalho, há 149 Grupos de Trabalho em campo atualmente e 70 Terras Indígenas na fila para serem homologadas. A diretora também demonstrou preocupação com o processo de adequação e citou como exemplo os registros de memória oral que não poderiam ser refeitos em áudio e vídeo, conforme prega a lei 14.701.
“Precisamos criar alguma regra de transição para não dar margem a um grande número de ações buscando a nulidade dos processos de demarcação baseado nesse artigo da lei. Do contrário, fica a impressão que a cada vez que se chega perto da linha de chegada para finalizar um processo, a linha simplesmente fica mais longe por causa da burocracia”, ponderou.
“Mudar o processo de demarcação de um ponto de vista técnico, operacional ou administrativo é mais atraso. Diante do acúmulo de portarias declaratórias e homologação, isso traria um retrabalho assustador, insegurança jurídica e acirramento de conflitos no campo”, reforçou a deputada federal Célia Xakriabá.
Como sugestão para resolver a questão, a Comissão trouxe à tona a teoria do isolamento dos atos processuais à luz do Código de Processo Civil (CPC), que se trata de um princípio do direito processual que considera cada ato de forma autônoma, preservando atos já realizados e os efeitos que eles produziram.
A próxima audiência será na segunda (16) e será dedicada a ouvir especialistas sobre os laudos antropológicos utilizados no processo demarcatório. Já a quarta-feira (18) foi reservada para representantes de comunidades indígenas falarem livremente sobre temas que interessem a suas etnias.