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Em encontro de gerações, Naná Vasconcelos rege uma sinfonia de vozes na Fundação Palmares
Alunos da Secretaria de Educação do Distrito Federal, músicos, integrantes do movimento negro, entre outros, participaram de momentos onde a música e diferentes ritmos serviam de base para que Naná compartilhasse com todos, sua história de vida e experiências como o músico. Trajetória que o elegeu oito vezes o melhor percussionista do mundo, de acordo com revista americana Down Beat.
Usando chocalhos, caxixis, instrumentos diversos de percussão aliados a alguns equipamentos eletrônicos, Naná conseguiu transportar as pessoas diretamente à Floresta Amazônica e seus sons inconfundíveis. Cantos e sons da floresta foram contemplados por todos os presentes no auditório, que logo após foram regidos pelo maestro Naná e reproduziram uma sinfonia utilizando somente as próprias vozes.
Considerado uma autoridade mundial em percussão, Naná já publicou 23 álbuns que misturam jazz, estilos folclóricos e MPB, além de ter atuado ao lado de diversos nomes de peso como Jon Hassel, Egberto Gismonti, Pat Metheny, Evelyn Glennie e Jan Garbarek, e já ter conquistado oito prêmios Grammy.
Acompanhe abaixo a entrevista que Naná Vasconcelos concedeu com exclusividade ao Portal da FCP antes de subir ao palco:
Portal FCP–Você é um dos raros casos demúsico brasileiros com carreira solocapaz de lotar teatros e casas de espetáculos. Ao que você atribui esse sucesso?
Naná Vasconcelos–Isso acontece porque eu fiz sucesso lá fora [no exterior]. Claro, que é gratificante todas as coisas que eu recebo aqui no Brasil. Já recebi muitas homenagens, mas o meu som é um som que o Brasil não conhece. Eu não estou nas rádios, não estou nas grandes mídias e, acho isso muito bom, porque quando estou aqui na minha terra as pessoas descobrem que a minha música existe e que ela é genuinamente brasileira.
Portal FCP – Você começou a tocar aos 12 anos de idade e, como toda criança, tinha os seus ídolos. Como é, depois de mais de 50 anos de carreira, ser bem sucedido na carreira que escolheu e ao mesmo tempo ser um ídolo?
Naná Vasconcelos – Eu não acho que sou um ídolo. Nunca fui a uma escola de música e aprendi tudo o que sei com a vida, com a minha intuição – que é uma herança que cada um de nós carrega – que me levou a acreditar e ousar. Até hoje eu procuro desafios. Necessito disso para não pasteurizar a minha música e virar uma mesmice. Eu acredito que a música tem que ser visual. Quando você escuta, você tem que poder ver o que eu estou querendo te mostrar. E tudo isso é desafio, que eu procuro fazer tudo da maneira mais simples. O meu trabalho é de corpo e alma. É sério, não tem distração, mas é simples, divertido e prazeroso.
Portal FCP – É notável que a sua história de vida esta sempre presente em suas composições. Você concorda com o provérbio português que dá nome ao projeto da FCP e afirma que “Antiguidade é Posto”?
Naná Vasconcelos– Tradição é a eterna mãe de tudo o que a gente faz. O primeiro meio de comunicação surgiu quando os homens descobriam o fogo e, logo depois, os tambores. E hoje, o filho mais novo disso, é a tecnologia. Você aperta um botão e pronto. Mas a tradição é eterna e é sempre moderna. Eu morei fora do meu país durante 30 anos, mas eu nunca saí daqui, porque eu sou muito agarrado às nossas tradições. Isso, no entanto, não quer dizer que eu seja um músico tradicional.
Portal FCP – Os seus álbuns costumam ter uma mistura de jazz, estilos folclóricos brasileiros e MPB. Você acredita que esse seja o seu grande diferencial e o que te permitiu ser reconhecido em todo o mundo?
Naná Vasconcelos – Eu sempre tive uma coisa de raiz que os americanos não tinham. Acredito que fiz sucesso porque eu não tinha nada parecido com eles e era algo que eles nunca tinham escutado antes. Ao mesmo tempo o meu pensamento conseguia lidar com a contemporaneidade do que estava acontecendo. Eu me sinto um músico disponível a participar de qualquer situação musical e isso é porque eu aprendi a ouvir. Quando você aprende a ouvir você encontra espaço em qualquer situação e faz qualquer coisa.
Portal FCP – Você acredita que a arte é decisiva para a eliminação da desigualdade racial?
Naná Vasconcelos – A música das artes ela é a mais imediata porque ela mexe com as emoções. A música tem um poder de agregar que nada mais tem. Ao mesmo tempo em que ela reúne e transmite sensação de felicidade, ela pode levar as pessoas à extrema violência. É um grande poder e isso, de certa forma, pode até ser perigoso. Agora, quando falamos de racismo, isso se torna muito delicado, porque está diretamente relacionado à intolerância. Nós precisamos celebrar as diferenças e exaltar as similaridades.
Portal FCP – Com toda a experiência de vida que tem hoje, se você tivesse que dar um único conselho aos jovens brasileiros, qual seria?
Naná Vasconcelos – Eu diria para eles acreditarem que tudo o que eles precisam está dentro deles. Eu nunca quis ser americano e eu nunca perdi a minha identidade porque eu acreditei que eu tinha algo que era só meu, o meu ponto de referência e a minha verdade. O importante é ser verdadeiro consigo mesmo e nunca renegar suas origens. Afinal, você nunca vai conseguir ser o que você não é. Reconhecer isso é muito importante.