Notícias
Novembro Negro
A PROCURA DO TESOURO PALMARINO
Vamos Subir a Serra
Por: Marcela Ribeiro, coordenadora de Comunicação da Fundação Cultural Palmares
No painel “Arqueologia de Palmares”, realizado na Praia de Pajuçara (Maceió), neste 21 de novembro, pesquisadores da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (NEABI), apresentaram um projeto que inaugura uma nova etapa da arqueologia afrodescendente no Brasil, com a Fundação Cultural Palmares como principal financiadora e articuladora nacional. O encontro integrou a programação do maior evento afro-cultural do Nordeste: o Vamos Subir a Serra.
Na Praia de Pajuçara, diante do mar e da ancestralidade negra, o Vamos Subir a Serra abriu sua 9ª edição com um painel que reposiciona a Fundação Cultural Palmares no centro da produção científica nacional. Reconhecido como o maior projeto afro-cultural do Nordeste, o evento desdobra-se entre a Serra da Barriga (14 a 16 de novembro) e Maceió (21 a 23 de novembro), impulsionando geração de renda, valorização cultural, pertencimento e fortalecimento da memória negra.
Foi nesse cenário que ocorreu o painel “Arqueologia de Palmares”, reunindo o professor Flávio Moraes, da UFAL, o professor Danilo Luiz Marques, do NEABI, e Guilherme Bruno, coordenador-geral do Centro de Informação e Acervo da Memória e da Cultura Afro-Brasileira (CIAM). A discussão marcou a apresentação pública do projeto de prospecção arqueológica financiado integralmente pela Fundação Cultural Palmares, no valor de R$ 300 mil, que inaugura uma nova etapa de busca pela materialidade da resistência negra no Brasil.
Professor Flávio Moraes abriu o painel lembrando que as escavações realizadas na Serra da Barriga no início dos anos 2000 encontraram apenas material indígena datado de cerca de oitocentos anos. Essa ausência parcial, explicou, foi distorcida por grupos negacionistas interessados em apagar a presença quilombola. “A ausência de evidência não é evidência de ausência. Palmares extrapola o solo, porque está na memória, nos relatos, na cartografia e na luta de quem habitou e resistiu naquele território”, afirmou.
O professor Danilo Luiz Marques, representando o NEABI, explicou a metodologia que sustenta a nova fase do projeto: o cruzamento de fontes primárias holandesas, como as rotas descritas por Blaer, Heyndrick e os mapas de Georg Marcgrave, com tecnologias geoespaciais contemporâneas. As análises apontam para três áreas sensíveis de ocupação: Velho Palmares, Outro Palmares e Palmares Grande. “Construímos uma arqueologia que rompe com os vícios coloniais e reconhece os saberes do território”, afirmou.
Encerrando o painel técnico, Guilherme Bruno apresentou o papel da Fundação Cultural Palmares na articulação institucional e na viabilização da pesquisa. Ele destacou a rapidez incomum com que o IPHAN publicou a portaria autorizando as escavações, apenas uma semana, e enfatizou a importância de consolidar uma política nacional de arqueologia afrodescendente.
A essa altura, quem assumiu a palavra foi o presidente João Jorge Rodrigues, que ampliou a discussão e a situou no contexto político mais amplo do país. Em uma fala firme, que envolveu os presentes, afirmou: “De São Paulo, onde escavações revelam um cemitério possivelmente com mais de 100 mil africanos escravizados, a Salvador, ao Rio de Janeiro e ao Rio Grande do Sul, temos uma arqueologia negra adormecida. A materialidade existe. O país apenas não investiu na sua descoberta.”
A fala do presidente não se limitou ao diagnóstico. João Jorge destacou que o novo ciclo da Palmares devolve à instituição sua vocação original: ciência, pesquisa, formação e memória. Reafirmou que a Fundação sai da defensiva dos últimos anos e volta a atuar como protagonista da produção de conhecimento sobre a história negra no Brasil. “A Palmares está de volta para honrar nossos ancestrais, defender a ciência negra e garantir que nossa história nunca mais seja tratada como território de ataque”, reforçou.
Entre pesquisadores, ganhou força o nome simbólico dessa nova fase: A Procura do Tesouro Palmarino: a busca científica por vestígios concretos da resistência negra, desde trilhas e reorganizações da terra até estruturas cerâmicas e marcas de ocupação móvel que traduzem a inteligência territorial quilombola.
Enquanto o Vamos Subir a Serra segue com sua programação em Alagoas, uma certeza se impõe entre pesquisadores, gestores e comunidades: a arqueologia palmarina inaugura uma nova forma de reconstruir a história. E a Fundação Cultural Palmares, ao assumir sua centralidade nesse processo, afirma que ciência, ancestralidade e política caminham juntas quando o objetivo é proteger a memória do povo negro.