Notícias
Terreiro incendiado é reinaugurado em Brasília
Por Emiliane Saraiva Neves
Na noite de anteontem (05), no Paranoá em Brasília, o terreiro de candomblé Ylê Axé Oyá Bagan realizou um ato solene de reinauguração da comunidade de matriz africana após o incêndio ocorrido em 27 de novembro de 2015. Compôs a programação uma contagiante apresentação do grupo de percussão Filhas de Oyá, discursos de autoridades e o descerramento da placa de inauguração. A noite prosseguiu em confraternização ao som de batucadas em homenagem ao terreiro Ylê e exaltando a Oyá. Os convidados puderam provar além do acarajé, do vatapá e do caruru preparado pelas filhas de santo, o Xinxim de Galinha – prato da cultura afro-brasileira que leva amendoim, frango, camarão, gengibre e outros temperos.
Mãe Baiana, yalorixá do terreiro Ylê Axé Oyá Bagan, iniciou a solenidade convidando todos os babalorixás e as yalorixás presentes a baterem um Paó, ato de agradecimento segundo a tradição candomblecista, à ancestralidade. Em seguida relembrou o ocorrido no ano passado, quando o seu terreiro foi destruído por um incêndio que consumiu os santos, ferramentas e os barracões. Refletiu sobre a necessidade de uma segunda abolição, visto que a liberdade religiosa dos povos tradicionais ainda é sistematicamente comprometida. Enfatizou que a reinauguração é antes de tudo uma declaração simbólica de resistência e luta, onde os frequentadores do terreiro buscaram forças em seus orixás para perseverarem para reerguer o local e retomarem seus ritos religiosos que foram interrompidos naquele espaço.
Baiana nos relatou que a reconstrução do terreiro custou aproximadamente 75 mil reais. Valor que foi levantado exclusivamente por doações de filhos de santos, amigos e simpatizantes da casa e sua renda, fruto do seu trabalho secular. Juntando às doações foram feitos eventos para levantar a quantia necessária, como um almoço realizado na ARUC (Associação Recreativa Unidos do Cruzeiro).
Rafael Moreira, presidente da Federação de Umbanda e Candomblé de Brasília e Entorno, presente no evento, apontou que no lugar de uma casa derrubada, duas se levantam. E isso aconteceu no último ano. Segundo ele, três casas que também passaram por incêndio ou foram depredadas conseguiram se reedificar. “Cada semente que é plantada da umbanda ou do candomblé nunca será destruída. Ela pode ser apagada, capinada, mas sempre alguém vai dar continuidade”, disse.
Fernanda Lopes, filha de Ricardo T’ Omolú do Ylê Ase Onibô Araikó, terreiro que também foi intolerado conta que o “candomblé é uma religião de família, é uma mãe. Um acolhe o outro. Se você está desempregado você vende acarajé e mata a fome da sua família, o candomblé te acolhe. Se você não tem dinheiro para pagar o seu aluguel vá para o seu terreiro porque seu pai de santo vai te acolher dentro do terreiro e você vai ficar até encontrar um emprego e poder voltar a se sustentar.” Já a também Fernanda, filha de Aroldo de Ogum Ylê Asé BÍitola, vê que a reinauguração se trata de um exemplo de força e superação. Força que há no candomblé para renascer após as cinzas, não importando se foi derrubado, um novo axé para se reerguer.
Representando o Governo do Distrito Federal foi Nanan Catalão, Secretária Interina da Secretaria de Estado de Cultura do Distrito Federal. Para ela a reinauguração não foi apenas um momento de afirmação de uma cultura, mas um ato que sinaliza que é necessário haver uma retratação histórica, de uma dívida que o Estado Brasileiro tem com o povo de santo, com as religiões de matriz africana. “A discussão da regularização dos terrenos dos terreiros é uma demanda muito importante e nós faremos todo o esforço, quanto Secretaria de Cultura, através de uma articulação de governo, para resolvermos essa batalha de tantos anos”, disse.
Em seu discurso, o presidente da Fundação Cultural Palmares acrescentou que as “políticas públicas devem elevar o povo, políticas que promovam a mobilidade social do nosso povo. Por isso, a Palmares quer auxiliar que todos os terreiros se transformem em Pontos de Cultura, para que nesses terreiros a gente dê cursos para a promoção dos nossos irmãos. Não se promove mobilidade social sem capacitação”. Continuou, “estava conversando com a secretária da SEPPIR, Dra. Luislinda, disse a ela que os terreiros precisam fazer mais celebrações de casamento, os terreiros precisam fazer todos os sacramentos. As pessoas casam em tudo quanto é lugar, e por que não casar em nossos terreiros”, questionou.
Estiveram presentes também no evento: Marcos Woortmann, administrador do Lago Norte; Thérèse Hoffmann, Decana e Assuntos Comunitários da Universidade de Brasília, UnB; Maria Inez Montagner, diretora da Diversidade da UnB; Dra. Luislinda Valois da Secretaria Especial da Política de Promoção da Igualdade Racial, SEPPIR; Deputado Ricardo Vale; Dra. Gláucia Cristina, da Delegacia Especial de Repressão aos Crimes por Discriminação Racial, Religiosa ou por Orientação Sexual ou contra a Pessoa Idosa ou com Deficiência (Decrin). Também compareceram autoridades religiosas de Brasília e entorno.
Mãe Baiana encerrou a noite mandando uma mensagem para outros povos de terreiro e qualquer outro segmento religioso que também esteja passando perseguição: Gente chegou a hora da gente rezar, chamar pelos nossos orixás, chamar por Deus, por Jesus. Chamar cada um segundo seu segmento de fé e juntos começarmos a combater a intolerância dentro da nossa casa, dentro das escolas, na rua, na parada de ônibus. Começar a combater, não apoiar qualquer tipo de discriminação. Quando alguém é confrontado por seus gestos e ações de intolerância esse alguém tem a oportunidade de rever sua forma de pensar porque ele fica constrangido. E é esse tipo de confronto, de combate que precisamos buscar. Não usando a violência, mas com a bandeira da cultura paz, que é mais lógica e traz mais segurança para todos.