Monitorando a Cidade (Colab-USP)

Publicado em 16/12/2021
Há quem desconheça a importância da participação social para que ocorram mudanças na realidade local. Mas é por meio da participação que é possível influenciar de forma efetiva as políticas públicas.
A participação se dá quando a população se envolve diretamente em grupos organizados, em manifestações orientadas a exercer influência ativa cobrando os seus direitos, ou mesmo, individualmente, quando alguém produz ou acompanha os dados que podem melhorar a oferta dos serviços públicos.
Existem práticas que contribuem para o exercício da participação social, como é o caso do “Monitorando a Cidade”, desenvolvido pelo Colaboratório de Desenvolvimento e Participação da Universidade de São Paulo (Colab-UsP). Sobre essa experiência, conversamos com a Professora Gisele da Silva Craveiro, Coordenadora do grupo de pesquisa Colaboratório de Desenvolvimento e Participação da USP. Docente do Programa de Pós em Mudança Social e Participação Política da EACH-USP. Mestre e Doutora em Computação.
1. O Monitorando a Cidade foi premiado pela Fundação Banco do Brasil por seu caráter inovador no envolvimento da sociedade. Poderia explicar o que é o Monitorando a Cidade? Como ele funciona?
Monitorando a Cidade é uma plataforma de coleta de dados para que grupos de cidadãos conheçam e busquem transformar sua realidade social. Mais do que isso, é um processo coletivo que visa discutir questões críticas, obter informações para melhor compreendê-las e dialogar com atores locais para desenvolver soluções.
O Monitorando possibilita a construção de instrumentos de coleta para campanhas de monitoramento sobre temas diversos. Para isso, é composto por um sistema web e uma aplicativo móvel. A plataforma web permite criar uma campanha de coleta colaborativa, definindo seus objetivos e as perguntas que compõem o instrumento de coleta. Realizado esse desenho, as pessoas envolvidas na etapa de coleta têm a sua disposição o aplicativo móvel que possibilita a contribuição de dados coletados no território, à medida que as perguntas do instrumento são respondidas.
É também sugerida uma metodologia para definição de etapas necessárias ao processo: desde a sensibilização e conscientização sobre o tema, definição do problema e os principais atores a serem engajados na visibilização do problema e/ou sua solução. Buscamos que os resultados da campanha, apresentados através de gráficos e visualizações simples, contribuam no diálogo e entendimento do diagnóstico da situação em questão. Fizemos um vídeo explicativo em que apresentamos o conceito através das palavras de quem já o utilizou. Vale a pena assistir!
2. Que impactos o Monitorando a Cidade já gerou e ainda pode gerar nas áreas em que atua?
Desde 2016 a metodologia e a plataforma tecnológica Monitorando a Cidade foram empregadas em dezenas de campanhas de monitoramento colaborativo. Algumas dessas campanhas foram desenvolvidas e implementadas por órgãos de controle, universidades, institutos de pesquisa, organizações da sociedade civil, escolas públicas e indivíduos. As campanhas de maior escala abrangeram diversos estados brasileiros, com o envolvimento direto ou indireto de milhares de pessoas. As campanhas de maior escala engajaram principalmente a comunidade escolar de instituições públicas de ensino, desde o ensino básico até o superior e visibilizaram questões de preocupação da comunidade tais como a alimentação escolar e outros aspectos da infraestrutura ou serviram de apoio às atividades de ciência cidadã e a conscientização sobre meio ambiente e qualidade dos cursos d´água. As metodologias desenvolvidas e adaptadas para cada contexto foram estudadas e têm dado origem a relatórios de pesquisa, artigos e dissertação acadêmicos.
As campanhas têm propiciado um espaço para debate sobre os problemas, conscientização de direitos, acompanhamento da qualidade do serviço público oferecido e dado elementos para a discussão de possíveis soluções a partir dos elementos apontados.
3. Como outros atores – do governo ou da sociedade civil – podem se envolver nesse projeto?
As comunidades interessadas podem utilizar a plataforma sem custo algum. Todo material fica disponível na internet. Para o desenho de um instrumento de coleta, o cidadão deve utilizar um computador conectado à internet. Para a coleta de dados, cada pessoa deve baixar o aplicativo e instalá-lo no seu dispositivo móvel. O envio dos dados coletados pode ser feito posteriormente, quando o dispositivo estiver conectado à internet.
Temos interesse em estudar alguns casos de uso para fins de pesquisa e melhor compreensão de processos de accountability societal ou de educação política. Também necessitamos de recursos para a contínua manutenção tecnológica da plataforma e seu aprimoramento.
4. Quando falamos em Controle Social é comum pensarmos primeiramente na atuação de organizações da sociedade civil focadas nessa área, mas o Projeto nasceu do envolvimento da academia, com uma colaboração USP e MIT, correto? De onde nasceu a ideia do projeto e da parceria? Como foi a experiência de desenvolver esse projeto com parceiros internacionais?
O projeto, originalmente, visava o acompanhamento de promessas políticas e assim foi concebido por Oded Grajew, na época na Rede Nossa São Paulo, e Ethan Zuckerman coordenador do Centro de Mídias Cívicas do MIT. Em 2014 um protótipo foi testado junto aos conselheiros participativos de São Paulo para atingir essa finalidade. Nossa participação se deu a partir de 2015, quando a líder do projeto, Emilie Reiser realizou a divulgação da ferramenta por meio de oficinas práticas que visavam incentivar organizações sociais e comunidades a criar seus próprios monitoramentos locais para acompanhar e fiscalizar problemas de interesse público. O Colab-USP buscava documentar o processo de forma a coletar contribuições para desenvolvimento e melhoria tecnológica e metodológica da plataforma, com o objetivo de sistematizar aprendizados e produzir conhecimento sobre o processo de implementação. Posteriormente, em 2019, iniciamos um processo de transferência tecnológica da plataforma para o Colab-USP e passamos a acumular o papel de mantenedores.
Foi um grande privilégio conhecer e trabalhar com a equipe do extinto Centro de Mídias Cívicas e uma grande responsabilidade acompanhar os usos do Monitorando, ao mesmo tempo que apoiávamos na maturação de seu conceito sendo desenvolvida em campanhas de larga escala, tanto em número de participantes (na ordem de milhares), ou em extensão geográfica (várias unidades da federação) ou sendo aplicado em diferentes temáticas.
5. Que futuro você gostaria de ver para o Monitorando a Cidade?
No curto prazo, esperamos que a condição epidemiológica permita a reabertura das escolas e a reativação de espaços de discussão e mobilização em torno de temas comuns, campanhas que estavam em desenho ou prestes a serem lançadas antes da pandemia de COVID-19 sejam reativadas no Pará, São Paulo, Goiás e Distrito Federal.
Também queremos seguir na elaboração de material descritivo de nossa metodologia e, também, do uso da plataforma tecnológica, pensando em diferentes públicos. Ao longo desses 6 anos de projeto tivemos campanhas que alcançaram uma escala nacional envolvendo gestores públicos, professores, alunos e pessoas ligadas a movimentos sociais e organizações da sociedade civil, então já identificamos a necessidade de elaborar um material para difusão e uso com diferentes linguagens para alguns desses públicos-alvo.
No médio e longo prazo gostaria que a iniciativa inspirasse outras formas de comunicação entre a cidadania e governos, assim como novos processos de co-implementação de políticas públicas e monitoramento da entrega dos seus resultados e que essas interações comunicacionais formassem um ecossistema perene de colaboração, de acordo com os princípios de um governo aberto.
6. Que outros projetos o Colab-USP desenvolveu ou planeja para o futuro?
Um dos nossos projetos mais longevos comemora 10 anos de existência em 2022, o Cuidando do Meu Bairro.
Gostaríamos de realizar um evento comemorativo para discutir aprendizados dessa trajetória e reflexões para o futuro em relação à transparência orçamentária no nível local, desafios para relacionar o gasto com sua distribuição no território, plataformas cívicas e sua sustentabilidade, entre outros temas. Sugestões e contribuições são muito bem-vindas.
Além da pesquisa e desenvolvimento de iniciativas de governo aberto mais voltadas ao executivo subnacional, estamos desenvolvendo cada vez mais pesquisas ligadas à Justiça Aberta. Nesse escopo temos atuado em cooperação regional, na criação da Red Internacional de Justicia Abierta, que agrega pesquisadores e operadores do direito de vários países da América Latina. Esperamos em breve fazer o evento de lançamento do livro “Justicia Abierta v.2” aqui no Brasil e seguir no desenvolvimento de um guia de abertura de dados de justiça.
As respostas aos questionamentos expressam a opinião da entrevistada.