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Cartas, filmes e tecnologia revelam bastidores da ciência e a memória viva da Mata Atlântica
Cartas de cientistas, filmes em super-8, desenhos científicos, entrevistas de história oral e projetos de digitalização estão ajudando a recontar a história da Mata Atlântica — e a revelar o lado humano por trás das grandes descobertas científicas. O acervo reunido pelo Arquivo de História da Ciência do Instituto Nacional da Mata Atlântica (AHC-INMA) guarda registros inéditos de nomes como Augusto Ruschi, Adelmar Coimbra-Filho, Álvaro Aguirre, Ibsen de Gusmão Câmara e Alceo Magnanini, pioneiros da conservação no Brasil, além do arquivo institucional do Museu de Biologia Professor Mello Leitão. Parte dessas vozes e documentos inspira novas produções, como um podcast em desenvolvimento, que combina trechos de entrevistas e registros históricos para contar episódios marcantes da ciência feita no bioma.
Alguns recortes históricos e seus bastidores acabam de ser retratados no artigo “Arquivos e educação patrimonial: ações de difusão e construção de laços identitários com a Mata Atlântica”, publicado na revista Acervo (v.38, n.3, 2025). A pesquisa mostra como o AHC-INMA vem unindo preservação histórica, tecnologia digital e práticas educativas para tornar a ciência mais acessível e participativa.
Os materiais do AHC-INMA, antes restritos a pesquisadores, estão sendo transformados em instrumentos de educação patrimonial e difusão científica, aproximando o público das histórias, ideias e desafios que moldaram a ciência voltada à Mata Atlântica — o bioma mais ameaçado do país e lar de aproximadamente 60% da população brasileira.
“Os arquivos revelam o lado mais humano da ciência — os bastidores, as correspondências, as dúvidas e as paixões desses pesquisadores”, explica André Benaquio Galvão, primeiro autor do estudo e bolsista do Programa de Capacitação Institucional (PCI) no INMA. “Ao abrir esses acervos para a sociedade, nós também abrimos espaço para que as pessoas se reconheçam nessa história e percebam a floresta como parte da sua própria identidade.”
O AHC-INMA, por meio de atividades como circuitos temáticos, exposições interativas e oficinas com documentos históricos, tem aproximado o público dos arquivos pessoais como o de Augusto Ruschi, Patrono da Ecologia do Brasil e fundador do Museu de Biologia Prof. Mello Leitão. Iniciativas como o projeto “Abrindo o baú de memórias do Ruschi” e a Semana da Mata Atlântica de Santa Teresa têm mobilizado escolas, pesquisadores e comunidades locais, promovendo o diálogo entre história, ciência e identidade cultural. Com foco na educação patrimonial, o AHC-INMA transforma documentos em ferramentas de aprendizagem crítica, despertando o senso de pertencimento e a consciência ambiental entre os visitantes.
Outra ação em curso é a organização, digitalização e disponibilização on-line dos acervos, para ampliar o acesso público e criar novas formas de interação com o patrimônio documental. “Mais do que transferir documentos para o digital, queremos criar novas formas de diálogo com a sociedade — mostrando que a história da Mata Atlântica também é a história das pessoas que dedicaram a vida a protegê-la”, destaca a pesquisadora Alyne Gonçalves, do INMA.
O grupo responsável pelo artigo — formado por André Benaquio Galvão, Marina Fonseca Lima, Lucas Erichsen e Alyne Gonçalves — também discute no texto o papel educativo dos arquivos e suas possibilidades de promover vínculos afetivos e identitários com o território. “Educar pelo patrimônio é educar para o pertencimento”, resume Marina Fonseca Lima. “Quando uma comunidade se vê representada em documentos, fotos ou cartas, ela compreende que também faz parte da história da ciência e da conservação.”
A equipe também desenvolve o podcast “Nos arquivos da Mata Atlântica”, que busca traduzir as descobertas científicas em linguagem acessível. O episódio piloto conta a história da descoberta de uma nova espécie de roedor, o Abrawayaomys ruschii, descrita em 1979, e mistura narrativas históricas, trechos de entrevistas e trilhas sonoras originais para aproximar o público da ciência. Para Lucas Erichsen, o trabalho do AHC-INMA “mostra que a história ambiental pode ser contada a partir de múltiplas vozes — de cientistas, moradores e comunidades — e que a preservação da memória é também uma forma de preservar o meio ambiente”.
Com esse esforço, o INMA se consolida como referência nacional na integração entre memória científica, tecnologia e educação patrimonial, mostrando que a Mata Atlântica é mais do que uma floresta: é um patrimônio biocultural que conecta ciência, história, pessoas e identidade.