Notícias
A ressignificação do espaço
Tudo começou quando, em 1958, Paschoal foi convidado pelos proprietários da fazenda a visitá-la para um período de descanso, após uma peregrinação cultural pelo país e realização do Festival de Teatro de Estudante, no Recife. A fazenda, cujo primeiro dono foi Emanuel Francisco Xavier, tem sua história marcada pela escravidão durante o ciclo de cultivo de café e já foi cenário de um evento histórico de luta pela liberdade. Em 1838, Manoel Congo e Marianna Crioula lideraram uma revolta dos escravizados na fazenda, a primeira insurreição que aconteceu na região. A ação ficou conhecida como a Revolta de Paty do Alferes.
Após o falecimento de Manuel Francisco Xavier, em 1840, a propriedade passou por outros donos. Em 1930, se transformou em uma fazenda de criação de gado leiteiro e, em 1945, foi transformada em um hotel. Na década de 50, a Aldeia foi adquirida por João Pinheiro Filho, sendo desativada e abandonada em 1958.
Motivado pelas artes, Paschoal teve a ideia de fazer daquele lugar um centro cultural modelo para o Brasil e o mundo. Os netos de João Pinheiro promoveram a doação da fazenda a Paschoal, que criou a Fundação João Pinheiro Filho, mantenedora da Aldeia de Arcozelo. Após grande reforma, em 19 de dezembro de 1965, o centro cultural foi inaugurado, contando com a presença de cerca de cinco mil pessoas, de todas as partes do país.
Com 51 km², o espaço cultural pensado por Paschoal marcou a história das artes e a trajetória de inúmeros artistas brasileiros que iam para a aldeia realizar residências, pesquisas, imersões criativas e mostras artísticas. O complexo cultural inclui o anfiteatro Itália Fausta com 1.200 lugares, o teatro Renato Vianna com 400 lugares, uma sala de música Padre José Maurício (para 150 ouvintes); os espaços para as artes plásticas, Galeria Pancetti e Galeria Bernardelli; uma sala de vídeo, Alberto Cavalcanti (com 80 lugares); biblioteca, coreto, além do edifício colonial, com 54 quartos, salões e varanda.
Entre 1965 e 1980, a Aldeia foi palco de festivais, seminários e congressos, se tornando um centro de referência para diversas manifestações artísticas e culturais. Além disso, Paschoal criou e transformou uma capela da Aldeia em um pequeno museu dedicado à memória dos escravizados que, no passado, haviam vivido na fazenda. Na década de 1990, esse espaço recebeu importante colaboração do Instituto de Arqueologia e História do Médio Paraíba, com levantamentos históricos e doação de acervo.
Paschoal ressignificou o espaço e deu, à fazenda, sua vocação cultural, artística e educacional. Ele colocou sua vida no projeto, vendeu bens para a manutenção de um sonho. Com dificuldades financeiras para manutenção do espaço, Paschoal fez um apelo pela televisão, que resultou na mobilização nacional para salvar a Aldeia. A renda de inúmeros espetáculos foi doada para pagar as dívidas. Mas não foi o suficiente. Após a morte de Paschoal, em 1980, a decadência se acelerou, o que resultou em longa disputa judicial que resultou na destinação do patrimônio, por sentença, à Funarte.
Em 3 de agosto de 2001, na Aldeia de Arcozelo, o então ministro da Cultura, Francisco Weffort, recebeu do presidente da Funarte, Márcio Souza, a decisão judicial que garantia a propriedade definitiva do imóvel à Fundação. A partir daí, a Funarte iniciou o processo de registro do documento, concluído em agosto de 2021 com a emissão da Certidão de Regularização pela Prefeitura de Paty do Alferes, um trabalho que foi possível em parceria com a Procuradoria Jurídica da Funarte e a Procuradoria Geral do Município.
A titularidade foi um marco para os novos passos de ressignificação da história da Aldeia que possibilitou a realização de ações concretas para restauração, revitalização e funcionamento do espaço que foi reinaugurado em julho de 2024, com a realização do Prêmio Paschoalino 2024, pela Federação de Teatro Associativo do Estado do Rio de Janeiro, a Fetaerj. Uma vitória que repete a história, quando em julho de 1990, a Aldeia, após uma grande reforma, abriu também os portões para artistas que vieram prestigiar a premiação.