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Ayahuasca e outros conhecimentos tradicionais dos povos indígenas estão sob ameaça
A Ayahuasca e outros conhecimentos tradicionais dos povos indígenas, como a Jurema e o Rapé, são alvos crescentes de pedidos de registro de patentes, principalmente pela indústria farmacêutica, para produtos que utilizam esses conhecimentos.
A diretora do Museu/ Funai, Fernanda Kaingáng, especialista em patrimônio cultural e propriedade intelectual, foi convidada pelo Chacruna Institute for Psychedelic Plant Medicine para ministrar palestras durante a Conferência Psychedelic Culture 2025, realizada entre os dias 29 e 30 de março, em São Francisco, na Califórnia (EUA).
A diretora do Museu participou de três mesas de debate na Psychedelic Culture 2025. A primeira abordou a presença latino-americana no espaço psicodélico. “Esta mesa trabalhou a questão dos rituais. Sabe-se que no Brasil, a Ayahuasca, a Jurema, o Rapé e outras substâncias são alvos da indústria para fins de registros de patente. Nós temos 24 pedidos de patente para a Jurema, 87,109 mil para o Rapé, 2.805 para o Kampo, e 275 pedidos para a Ayahuasca”, explicou.
A segunda mesa de que participou tratou de psicodélicos, meio ambiente e patrimônio cultural, abordando os desafios dos povos indígenas para contribuir para a redução das taxas de perda da biodiversidade. Fernanda destacou que “além da demarcação dos territórios, como uma estratégia de conservação de biodiversidade, é preciso também defender suas culturas como forma de proteção do meio ambiente e redução dos impactos negativos de mudança climática”.
No dia 30, o evento contou com a participação de representantes do governo e do consulado brasileiro e tratou do tema reciprocidade. "É preciso que o uso dessas substâncias pela indústria respeite princípios internacionalmente consagrados como a justa e equitativa repartição dos benefícios monetários e não monetários resultantes do uso desses recursos genéticos e dos conhecimentos tradicionais intrínsecos a eles”, esclarece.
Fernanda também destacou que a expectativa é de que “boas práticas possam ser implementadas a partir desse tipo de diálogo, considerando que os Estados Unidos não são parte do tratado internacional que reconhece o direito de propriedade intelectual dos povos indígenas sobre seu conhecimentos tradicionais e sobre os recursos genéticos”.
Os promotores do evento destacam que “em meio ao chamado renascimento psicodélico, é mais importante do que nunca promover diálogos entre cientistas e comunidades que realmente se envolveram com esses medicamentos, para ter conhecimento sobre as maneiras adequadas de usá-los e administrá-los”.
A diretora do Museu tem atuado pela proteção dos direitos indígenas frente à Justiça Psicotrópica, Proteção das Plantas Sagradas e Tradições Culturais e Diálogos Decoloniais, atendendo a missão institucional da Funai é proteger e promover a defesa dos direitos dos povos indígenas. O Museu possui como atribuição regimental a garantia da autoria e da propriedade coletiva do patrimônio material e imaterial dos Povos indígenas, sendo fundamental que esteja representado em eventos que discutem ameaças e formas de proteção aos saberes tradicionais.
Propriedade Intelectual
Esse crescente interesse internacional pelo conhecimento sagrado afeta diretamente os rituais tradicionais dos Povos Indígenas da Amazônia, conforme aponta a Carta da V Conferência Indígena da Ayahuasca realizada em janeiro de 2025, no Acre.
Entre outros aspectos, o documento assinado por representantes de povos indígenas do Brasil e de países como Peru e Colômbia, defende “a integridade do patrimônio dos povos indígenas e seus direitos coletivos de propriedade intelectual”, afirma sua união contra ameaças e assédios; solicita que “governos, instituições governamentais e não governamentais, instituições de pesquisa, empresas e demais instâncias respeitem o direito à autodeterminação e à consulta livre, prévia e informada aos Povos Indígenas” e que tornem mandatórios os acordos internacionais que “protegem os povos indígenas, seus territórios, culturas, patrimônio genético e a propriedade intelectual”. Também repudia “todas as formas de comercialização da ayahuasca que formaram um mercado global fora dos limites éticos”.
A Conferência contou com a participação de indígenas de 34 povos do Brasil e de outros países como Colômbia, Peru, México, Guatemala, Indonésia, Egito e Estados Unidos, organizações indígenas, parceiros institucionais, pesquisadores e outros convidados não indígenas. Foram cerca de 285 participantes, sendo 207 indígenas e 78 não indígenas.
Tratado da OMPI sobre Conhecimentos Tradicionais e Recursos Genéticos
O Tratado de Propriedade Intelectual, Recursos Genéticos e Conhecimentos Tradicionais Associados foi aprovado, por consenso, no dia 24 de maio, durante a Conferência Diplomática da OMPI, em Genebra. A aprovação do instrumento representou uma vitória histórica para os povos indígenas e as comunidades locais e é fundamental na luta contra a apropriação dos saberes e fazeres que tem vitimado esses povos há séculos.
É primeiro Tratado da Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI) a abordar a interface entre a propriedade intelectual, os recursos genéticos e o conhecimento tradicional e o primeiro a incluir disposições específicas para os povos indígenas e comunidades locais.
A aprovação envolveu décadas de intensas negociações que culminaram na realização da Conferência Diplomática. Durante 11 dias os integrantes das delegações dos países membros da OMPI buscaram alinhamento em defesa de seus interesses, mas chegou-se a um consenso que reconhece os direitos dos povos indígenas e comunidades tradicionais.
A cerimônia de assinatura do documento contou com a participação de cerca de 1.200 delegados, entre ministros de Estado, observadores e interessadas de todo o mundo.