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Seminário internacional “Decolonizando Museus: Modos de Fazer” é finalizado na Fundaj
Após quatro dias de trocas sobre a necessidade de refletir a forma de representar a colonização europeia, o seminário internacional “Decolonizando Museus: Modos de Fazer” foi encerrado nesta quinta-feira (30). O evento foi realizado por meio do Museu do Homem do Nordeste (Muhne), equipamento vinculado à Diretoria de Memória, Educação, Cultura e Arte (Dimeca), na Sala Calouste Gulbenkian do campus Gilberto Freyre da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), em Casa Forte. Toda a programação, dividida em quatro mesas de palestras com pessoas do Brasil, da França (continental e Guadalupe), do Marrocos, Senegal e Benin, contou com transmissão ao vivo no canal do Youtube da Fundaj. As apresentações podem ser acessadas no canal.
Confira a cobertura dos três primeiros dias:
A presidenta da Fundaj, Márcia Angela Aguiar, participou do encerramento da programação e ressaltou a importância de se repensar o posicionamento dos museus nos territórios. “Essa perspectiva decolonial traz inquietações para todos nós. A interpretação do passado vai se dando a partir também de uma perspectiva de classe social. Não é algo que tem somente uma vertente, uma versão com relação a qualquer que seja o objeto. É sempre um posicionamento de classe que está subjacente a todas essas interpretações. As próprias exposições, como elas emergem, são fruto de uma perspectiva daqueles que as estruturas, em determinado momento histórico, estão traduzindo e se colocando também no momento das suas escolhas", comentou.
Com a participação de Carolina Rodrigues, curadora geral do Museu Bispo do Rosário, do Rio de Janeiro, Malick Ndiaye (L'Institut Fondamental d'Afrique Noire, Senegal), e Bénédicte Savoy (Technische Universität Berlin, Alemanha), a mesa do último dia evento foi mediada por Cibele Barbosa, pesquisadora da Fundaj. Cibele Barbosa comentou sobre o direito ao patrimônio histórico. "São diferentes formas de resistência, para além, claro, da principal, que é a reivindicação, pelo direito, não só da materialidade do patrimônio, como o direito também de narrar e pensar sobre esse patrimônio."
Carolina Rodrigues apresentou uma análise detalhada sobre o contexto histórico, territorial e curatorial do Museu Bispo Rosário, utilizando a trajetória de Artur Bispo do Rosário como eixo central para discutir políticas de saúde, arte contemporânea e reparação social. Militar da Marinha, boxeador e trabalhador doméstico, Bispo era um homem negro que foi internado pela polícia em hospital psiquiátrico. Nos 50 anos que passou internado, produziu mais de mil obras com os poucos materiais a que tinha acesso. "Bispo, nós falamos que ele era um ótimo estrategista, um homem muito inteligente. Ele foi ali traçando estratégias dentro da instituição para poder fazer relações de trocas, de coletas, isso dentro de uma instituição onde as pessoas eram privadas de ter objetos para si", disse Carolina.
Em sua apresentação, Malick Ndiaye apresentou um estudo de caso detalhado sobre o Museu d’Art Africain Théodore Monod em Dakar, Senegal. Segundo ele, a narrativa do espaço apresentava muitos traços do colonialismo que afastaram o público. “O patrimônio era percebido como um ‘patrimônio colonial’, dificultando a apropriação pela sociedade”, contou. A revisão da curadoria do local possibilitou uma mudança: “Ao invés de partir apenas dos arquivos coloniais para a interpretação dos objetos, a equipe passou a partir da evolução social e a interpelar as comunidades sobre suas visões, histórias e educação em relação aos objetos”, explicou.
A fala de Bénédicte Savoy abordou a descolonização de museus focada na metodologia da "proveniência invertida". Sua tese central é que os objetos espoliados e retidos em museus europeus criam um vazio e um trauma nos seus locais de origem. “Trata-se de convidar os museus da Europa, do norte da Europa, a pensar que o que eles possuem, se o possuem, está faltando em algum lugar, criando uma ausência em outros lugares."
A culminância do seminário internacional “Decolonizando Museus: Modos de Fazer” se deu com uma visita à exposição “Elas: onde estão as mulheres nos acervos da Fundação Joaquim Nabuco?” e contemplação da apresentação cultural de maracatu rural Águia Misteriosa, de Nazaré da Mata.
Na visita à exposição, os visitantes foram apresentados à uma autocrítica realizada pelo Muhne com relação ao acervo que representa mulheres e que foi produzido por mulheres. A exposição Elas expõe cerca de 300 itens produzidos ou reunidos por mulheres, como publicações, vídeos, fotografias, obras de arte, discos, rótulos comerciais, cartões-postais e outras peças preservadas pela Fundaj.
O Maracatu Águia Misteriosa, por sua vez, recepcionou a saída da exposição com música, cores, dança e ancestralidade pernambucana. Caboclos de lança, rei, rainha, damas do paço e batuqueiros desfilaram no campus Gilberto Freyre da Fundação. Logo após o desfile, o Maracatu Águia Misteriosa doou à Fundaj um estandarte desfilado em 2009 pela agremiação. O presente foi recebido com reverência pela presidenta da Fundaj. No final do evento, os convidados foram recepcionados pela presidenta da Fundaj em seu Gabinete. Márcia Angela Aguiar mais uma vez parabenizou e ressaltou a importância de realizar o seminário.