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Alocução do Ministro Ernesto Araújo no seminário “A defesa da vida: considerações filosóficas, políticas e sociais”
Alocução do Ministro Ernesto Araújo no seminário “A defesa da vida: considerações filosóficas, políticas e sociais” (12/11/2020)
Muito obrigado, querida Deputada Chris Tonietto.
É uma grande alegria, é uma honra para mim estar aqui participando dessa iniciativa tão importante.
Eu queria, antes de tudo, parabenizá-la pela sua liderança, pela sua fé, pela sua coragem nesse tema da vida, realmente, um tema tão presente. Infelizmente, parece, às vezes, uma coisa estranha que haja pessoas defendendo a vida e, no entanto, deveria ser um dever de todos nós. Estamos numa sociedade estranha. Quem defende a vida, às vezes, é colocado de lado e é tão criticado. Então, parabéns, realmente, pela sua coragem diante desse tipo de cultura por lutar realmente a luta que precisa ser lutada e não aquela que a gente gostaria. A gente gostaria de lutar lutas fáceis, talvez, e essa é das mais difíceis e, ao mesmo tempo, das mais necessárias, essa luta pelo direito à vida. Então, parabéns.
Eu só pude assistir à última palestra aqui, a mais recente, do Allan Lyra. Excelente palestra, que mostra a excelente qualidade desta inciativa. Eu queria parabenizar também o Allan pela palestra.
Eu queria dizer que, desde o começo da nossa gestão, no governo do Presidente Jair Bolsonaro, nós temos procurado, aqui no Itamaraty, na política externa, alinhar a nossa posição nos organismos internacionais, na nossa atuação internacional, com aquilo que são os valores, a essência da sociedade brasileira, e com a dignidade humana. Esse é o nosso alinhamento. Alinhamento com o próprio Brasil e com o povo brasileiro. Com aquilo que os brasileiros sentem e com aquilo que eles gostariam de ver representado no mundo, sempre dentro da nossa legislação, dentro da nossa Constituição.
A nossa Constituição, no seu Artigo 4º, que fala dos princípios de política internacional, coloca o primeiro deles como a “independência nacional”. Então, antes de tudo, nós estamos aqui para que qualquer decisão sobre o nosso ordenamento jurídico, sobre a vida na nossa sociedade, seja tomada pelos brasileiros da maneira que a Constituição prescreve, por meio dos seus representantes ou como seja, e não por organismos internacionais ou de outra maneira.
Então, nessa nossa gestão, durante todos os processos negociadores internacionais, o Brasil passou a atuar firmemente na defesa do direito à vida. Nos documentos internacionais – sejam resoluções, declarações, relatórios, por exemplo –, o Brasil tem questionado o emprego de expressões e conceitos como “direitos sexuais e reprodutivos”, e suas variantes, que possam (e sabemos que isso acontece) imprimir conotação positiva ao aborto, que é, ademais, considerado, claro, como sabemos, um ilícito penal pela legislação brasileira. O Brasil passou a defender a inexistência de um suposto direito internacional ao aborto e atua para reforçar a soberania e a independência de cada país – no caso, a nossa – para elaborar suas legislações, suas políticas nacionais relativas a esse tema, como qualquer outro, de acordo com o seu ordenamento jurídico.
É importante lembrar também, dentro dessa perspectiva de defender o nosso ordenamento – de defender a nossa Constituição, a nossa independência e soberania –, que a Constituição brasileira registra o planejamento familiar como “livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos [...] para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas”. As atividades de planejamento familiar foram listadas na Lei nº 9.263/1996, que obriga as instâncias gestoras do Sistema Único de Saúde (SUS) a garantir prestação de serviços, tais como a assistência à concepção e à contracepção, atendimento pré-natal, assistência ao parto, controle das infecções sexualmente transmissíveis, controle da prevenção de cânceres cérvico-uterino, da mama, entre outros. Ou seja, esse é o nosso arcabouço. Portanto, a rejeição internacional do termo “direitos sexuais e reprodutivos” não quer dizer que o governo brasileiro deixou de se preocupar com temas afeitos à saúde sexual e reprodutiva definida na nossa legislação.
Na garantia do direito constitucional à saúde, o governo brasileiro implementa políticas integrais de saúde sexual e de saúde reprodutiva para mulheres e homens adultos, jovens e adolescentes dentro do marco legal. Esse é um dos argumentos que se usa, de maneira totalmente incorreta, de dizer que, ao falar do tema do aborto, nós estamos sendo contra o tema dos direitos sexuais e reprodutivos de um modo geral e, sobretudo, de dizer que nós somos contra a saúde da mulher, como se isso fizesse algum sentido. Mas essa é uma estratégia de manipulação da linguagem, mais do que tudo, que infelizmente é muito corrente hoje nos meios internacionais e nacionais que defendem o aborto. Como não podem defendê-lo, como não querem defendê-lo abertamente, porque sabem que encontram uma rejeição muito grande da sociedade brasileira, utilizam todo tipo de subterfúgios.
O que ocorre é que não existe – temos de enfatizar isso – um marco legal definido sobre o tema do aborto no âmbito internacional. Isso dá lugar, muitas vezes, a interpretações contrastantes e abre espaço para que se interprete que, dentro de termos como “direitos sexuais e reprodutivos”, se encontra o aborto. Não há nenhum lugar em que esteja definido o que é essa expressão. Quando interessa àqueles que são favoráveis ao aborto, dizem “não, aqui está dentro o aborto”. Quando não interessa, dizem: “Não, por que vocês estão preocupados? Nós estamos falando de saúde da mulher.” Isso é uma nebulosa de discussões que sempre favorece àqueles que têm o controle da formação da linguagem, que, infelizmente, hoje, é esse conjunto midiático e um certo establishment que administra, que controla os termos, que controla a linguagem de acordo com os seus interesses. Esse problema do controle da linguagem é um problema muito visível.
Mas vemos que muitos países (alguns países, claramente) buscam legalizar o aborto no plano internacional usando de todo tipo de subterfúgio, como eu dizia. O Brasil não aceita essa imposição, não compactua com essa prática. Isso, como eu dizia, faz parte dessa nossa política geral de defesa da nossa soberania. Não se pode aceitar, em nenhum tema, que a nossa Constituição e as nossas leis se vejam submetidas a resoluções, ou comentários, ou determinações, ou recomendações de organismos internacionais que não tenham caráter vinculante. Se tiverem caráter vinculante – tratados –, eles terão que ser submetidos ao Congresso brasileiro para se tornarem parte do nosso ordenamento jurídico. A nossa Constituição é assim. Não existe nenhum instrumento internacional que automaticamente possa ser imposto aos brasileiros.
Nós estamos diante de um desafio muito grande, que cresceu, agora, com a COVID-19, que é a tentativa de uma normalização da ideia de que aquilo que emana dos organismos internacionais deve ser superior aos ordenamentos jurídicos nacionais. Hoje, escutamos muito aquele mantra de que “temas globais exigem soluções globais”. Já se citava muito isso em relação à questão do clima, do meio ambiente e, agora, cada vez mais, em relação à COVID-19. As pessoas repetem isso sem pensar. Parece que existe, em algum lugar do mundo, uma usina geradora de frases feitas, em que aquilo entra no sistema e, dali a dois, três dias, todo mundo está repetindo aquilo, mesmo sem pensar de onde veio. Inclusive, eu digo que a gente tem de pensar, hoje, não só nas cadeias de suprimento de bens, mas nas cadeias de suprimentos de ideias. A gente tem de pensar de onde vêm as nossas ideias e a quem elas beneficiam, de onde vem essas ideias feitas que se difundem pelo mundo.
“Problemas globais exigem soluções globais”. Isso é uma falácia, é como dizer “problemas azuis exigem soluções azuis”. Isso não significa nada. “Problemas globais” têm problemas diferentes, que afetam a todos os países do mundo, mas cada um deles tem uma natureza. Mas o que isso significa? O que eles querem que isso signifique, e que pareça algo inocente? Que, no caso da COVID-19, é um tema que afeta todos os países do mundo, então seria necessária uma solução central, seria necessário que haja algum tipo de mecanismo do qual emanem decisões que tenham que ser tomadas pelos países. Isso é extremamente preocupante, porque parece que há uma normalização desse tipo de ideias. Eu não acho que a COVID-19 tenha surgido com esse objetivo, mas eu acho que essas correntes que gostariam que houvesse esse tipo de esquema, com organismos internacionais ditando normas aos países, se aproveitaram, evidentemente, do grande medo, da grande comoção que a COVID-19 gerou para implementar esse tipo de ideias, para reforçar esse tipo de ideias que já existiam, com esse ar inocente de “olha só, nós estamos aqui defendendo o planeta, defendendo soluções globais”. Mas isso é extremamente preocupante.
Inclusive, é curioso porque, no caso da COVID-19 – eu sei que nós estamos desviando um pouco do tema –, às vezes as mesmas pessoas que pregam que determinações da Organização Mundial da Saúde (OMS) sejam automaticamente aplicadas no Brasil e em todo o mundo são pessoas que, dentro do Brasil, não querem que o governo federal aplique normas ou medidas comuns a todos os estados e querem que cada estado tenha autonomia para implementar as suas medidas. Então, por que, dentro de uma federação, como o Brasil, os estados têm autonomia para implementar políticas de saúde, mas, no mundo, os países não têm autonomia para implementar políticas de saúde diante de uma espécie de determinação mundial?
E eu enfatizo muito isso porque é por essa via da aparente inocência, do lobo em pele de cordeiro desse tipo de normativa, que podem penetrar nos países – no caso, no Brasil – coisas que são contrárias àquilo que os brasileiros sentem, àquilo que os brasileiros querem, como a COVID-19, no caso, se tornando esse cavalo de Tróia, digamos, para a implementação de uma agenda de natureza globalista.
O que nós tentamos, de um modo geral, nos organismos internacionais? É resgatar o papel desses organismos como oriundo de uma concertação dos membros, dos países-membros, dos Estados, dos Estados-nação, sobretudo. Ou seja, que as Nações Unidas, por exemplo, sejam as nações unidas, que seja um fórum onde as nações se encontram e coordenam suas políticas e onde o secretariado de cada organização sirva para organizar as reuniões, para fazer determinados relatórios, mas não para impor políticas. É claro que o caso da saúde é específico, como todo caso é específico, mas a filosofia de funcionamento desses organismos tem de ser essa.
Vindo mais perto, de novo, do nosso tema aqui, nós queremos resgatar o caráter originário do chamado “multilateralismo”. Primeiro, eu não gosto desse termo “multilateralismo”, porque “-ismo” geralmente é uma ideologia, é uma resposta automática, e é o que existe hoje, também. Falam assim: “A COVID-19 mostra que precisamos de mais multilateralismo.” Não. Isso é uma resposta ideológica. Cada situação tem a sua característica. Então, preferimos falar de instituições multilaterais, e não de multilateralismo como uma espécie de dogma. Queremos trabalhar e queremos, nos organismos internacionais, que eles se aperfeiçoem no sentido daquilo que eles deveriam ser.
Na questão dos direitos humanos, por exemplo, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 é uma maravilha, muito centrada no tema da liberdade, e onde está também o direito à vida. Mas ela vai sendo esquecida, os direitos humanos vão se tornando uma outra coisa, ninguém volta lá à Declaração Universal original. São ideias de direitos muito específicas, quase sempre usadas para criar novas agendas, agendas que não partem, novamente, dos países, mas que partem de algum tipo de visão geral. É absolutamente fundamental ter organismos internacionais de direitos humanos atuando, coerentes. Vemos o que eles podem fazer em termos de dar visibilidade a situações como aquela vivida na Venezuela, por exemplo. Mas é preciso que se atenham ao que são os direitos humanos nessa perspectiva original.
De maneira até mais interessante, mais explícita, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que é reconhecida como um dos marcos internacionais no campo dos direitos humanos, diz no seu artigo 4º: “Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção.” Isso não está tão explícito assim na Declaração Universal, mas aqui, nas Américas, o direito à vida desde a concepção – e diz “de maneira geral” porque, aí, contempla situações muito particulares específicas, onde a legislação brasileira autoriza o aborto –, mas, então, de um modo geral, para todas as outras situações, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos reconhece o direito à vida a partir da concepção e a necessidade de que esse direito seja tutelado pela legislação.
Então, nós queremos os verdadeiros direitos humanos, aqueles que estão escritos nos instrumentos de direitos humanos. Não somos absolutamente contra isso, muito menos somos obscurantistas ou queremos algum tipo de retrocesso. Ao contrário, queremos essa recuperação dos conceitos originários de direitos humanos, que são inteiramente compatíveis com as nossas convicções. A gente tem de olhar, claro, o que está por trás dessas defesas, mais explícitas ou menos explícitas, do aborto no plano internacional. Acho que cada vez fica mais claro que a generalização do aborto e a criação de um direito universal ao aborto fazem parte de um determinado projeto político de desarticulação da família. Infelizmente, é assim. Não é conspiração. Isso é visível. É visível que existe todo um conjunto de teorias, de práticas que convergem para isso: a desumanização do nascituro; a destruição do vínculo mais fundamental dentro de uma família, que é o vínculo entre a mãe e o seu filho ou sua filha, que nasce na concepção, nasce na gravidez, como toda a mãe sabe. Infelizmente, é uma coisa terrível; é a ideia de desarticular, destruir esse vínculo, ou de relativizar esse vínculo, tornando aquela criança que ainda não nasceu simplesmente como uma questão de opção, e não aquilo que todos nós acreditamos, que é uma bênção, uma dádiva. Isso não é simplesmente uma visão religiosa.
Aliás, isso também eu acho que é interessante de se mencionar, porque, em certos momentos da discussão sobre o aborto, se diz assim: “Olha, eu respeito você, na sua religião” – geralmente se diz isso para nós, cristãos, católicos –, “que você seja contra o aborto por questões religiosas, mas aqui não pode ser uma discussão religiosa; então, você tem de permitir o direito ao aborto.” Se for por esse raciocínio, nós não vamos legislar contra o roubo porque a Bíblia também diz “não roubarás”. Então, o roubo também é uma questão religiosa, e a gente não poderia ter lei contra o roubo porque, senão, a gente vai estar sendo fundamentalista. O fato de que a fé cristã seja a favor da vida, da maneira como ela é, de que proteja e valorize a vida desde a concepção, não quer dizer que seja uma questão que não possa ser discutida em público; e não quer dizer que as pessoas que defendem o direito à vida estejam partindo de uma perspectiva puramente religiosa.
Eu acho que um aspecto muito importante, que eu já toquei um pouco, é essa questão da linguagem. Mas, aqui, estamos dentro de um tema que não é um campo de jogo limpo – ou seja, você não tem pessoas que tenham determinados argumentos e outras pessoas que tenham outros argumentos e discutem isso como se fosse, ali, no jardim da Academia de Atenas. Infelizmente, não é. É uma discussão feia. Por quê? Porque um determinado lado esconde essa discussão dentro de outros conceitos. Esse eu acho que é o grande problema, não só nesse tema do aborto. É aquilo que eu tenho dito: a esquerda mundial, há muito tempo, tem essa tática em todos os temas, de sequestrar uma causa nobre e perverter essa causa em favor de objetivos completamente diferentes.
Aqui, no caso, saúde da mulher, claro, é uma causa nobre. Todo mundo quer trabalhar pela saúde da mulher, assim como pela saúde de todas as pessoas. Mas aí dentro se insere algo que não está previsto, que é um hipotético direito ao aborto. Em vez de defender abertamente o direito ao aborto, por razão X, Y ou Z, dentro de um debate aberto, com argumentos de boa-fé (o que seria respeitável), o que existe é uma tentativa de manipulação e controle da linguagem permanente, cada vez mais com aquela tática de demonização do seu oponente, de utilização de adjetivos que entram no debate para desmerecer os argumentos: chamar de obscurantista, fundamentalista. Às vezes isso é feito de maneira indireta, criando, até sem perceber, uma reação contra determinadas ideias. É estranho, mas as pessoas começam a normalizar essa concepção de que quem defende o direito à vida é “obscurantista” e que quem defende o direito à morte, digamos assim, é “esclarecido” e “progressista”.
Desculpem-me abundar nisso – depois eu vou falar mais especificamente do que nós temos feito na política externa –, mas um último ponto, de maneira mais teórica, que é a antiquíssima questão do direito natural versus o direito positivo. Nós estamos em sociedades que cada vez menos conseguem lidar com a ideia do direito natural, a ideia da existência de determinados padrões morais que são universais, que são como a matemática do espírito, digamos: assim como 2 + 2 = 4, também a vida é um valor que precisa ser protegido.
A imposição de determinados padrões que rompem, por exemplo, os vínculos familiares, necessita dessa dessensibilização das pessoas e desse esquecimento da ideia do direito natural. É muito perigoso quando uma sociedade começa a acreditar apenas no direito positivo. A lei é a lei, então, qualquer que seja a lei, ela tem de ser cumprida. Se for legislado de determinada maneira, que as pessoas têm que dormir penduradas numa árvore, as pessoas terão de dormir penduradas numa árvore. Isso é a origem das ditaduras, dos totalitarismos: o esquecimento de que há uma lei, há um conjunto de princípios que têm de ser externos e que têm de ser reconhecidos por qualquer ordenamento jurídico.
Você pode dizer que isso tem uma perspectiva religiosa, cristã; sim, mas não unicamente. Há muitos filósofos do direito que defendem o direito natural a partir de perspectivas não cristãs, como algo que existe na natureza das coisas e na natureza do funcionamento da sociedade. Uma sociedade que funciona só com base no direito positivo é uma sociedade maluca. Ela pode chegar a ser uma sociedade completamente maluca se qualquer coisa pudesse ser legislada. Então, eu acho que isso é parte dessa discussão, também, essa questão moral e dos fundamentos do direito, de quais são os limites que o direito natural deve impor ao direito positivo.
Eu queria falar, rapidamente (eu também já estou me estendendo, mas a Deputada, generosamente, disse que eu poderia me alongar um pouco), que nós, do Itamaraty, temos atuado na defesa do direito à vida em vários fóruns. Por exemplo, na Assembleia Geral das Nações Unidas; no Conselho de Direitos Humanos e na Comissão sobre População e Desenvolvimento das Nações Unidas; em outras agências especializadas, como a Organização Mundial da Saúde, tão em vista hoje. E temos participado de iniciativas organizadas por países afins, por países com ideias semelhantes às nossas, para discussão desse tema do aborto em nível bilateral ou plurilateral.
Em razão do processo negociador, seja em Genebra ou em Nova York, ou seja, no contexto de direitos humanos das Nações Unidas, nós nos temos oposto a quaisquer menções a termos que possam ser considerados favoráveis ao aborto. Temos atuado de maneira firme; ao mesmo tempo, construtiva, porque, dependendo da importância do tema, nós fazemos declarações sobre qual é a nossa posição, mas nos somamos, às vezes, ao consenso para aprovação de determinado documento. Isso, infelizmente, às vezes é necessário, porque a gente não consegue extrair a questão do direito à vida de documentos mais amplos. Como nesses documentos há muita coisa boa, e nós também não queremos nos opor frontalmente a tudo, porque são coisas que compartilhamos, o mecanismo que existe é esse: aderir ao consenso, não pedir uma votação, não votar contra, mas fazer declarações de que, nesse tema específico, nós temos uma outra posição. Por quê? Porque o jogo é esse. Esse é o problema da inserção de temas, digamos, tão polêmicos como esse dentro de temas que são de aceitação universal. Então, essa é a maneira que nós temos de resguardar o nosso posicionamento, de continuar trabalhando pelo direito à vida, ao mesmo tempo sem alimentar essa narrativa completamente falsa de que nós teríamos problemas com direitos da mulher, com direitos de igualdade da mulher ou com direitos à saúde, etc.
Algumas importantes iniciativas que eu gostaria de numerar aqui, desde o começo do ano passado, portanto, desde o começo dessa gestão. Em maio de 2019, o Brasil iniciou uma atuação concentrada na Assembleia Mundial da Saúde, na qual nós realizamos uma declaração conjunta com os Estados Unidos e outros sete países, no âmbito de discussão da Estratégia Global para Mulheres, Crianças e Adolescentes, que defende o papel central da família e o direito à vida e rechaça o aborto como método de planejamento familiar. Nessa declaração conjunta, esses nove países afirmaram que
Não apoiamos referências a termos e expressões ambíguas, tais como “direitos sexuais e reprodutivos” e seus derivados, no contexto da OMS, uma vez que causam confusão e divisão. Esses termos não levam devidamente em consideração o papel-chave da família na educação em saúde. Ademais, essa terminologia ficou associada a políticas e medidas pró-aborto que rechaçamos. Solicitamos, portanto, que a OMS mantenha o foco sobre aquelas expressões que contam com amplo consenso entre os Estados membros.
Isso é aquela ideia de trabalharmos no campo do esclarecimento da linguagem e evitar essas manobras de inserir coisas diferentes dentro de termos aparentemente universais.
Já em setembro de 2019, na Reunião de Alto Nível sobre Cobertura Universal de Saúde, durante a Assembleia Geral das Nações Unidas, nós participamos, com países afins, de uma declaração que reativa a defesa do papel central da família, do direito à vida e rechaça o aborto, novamente, como método de planejamento familiar. Eu me lembro, justamente, que estávamos chegando em Nova York para a Assembleia Geral das Nações Unidas, eu me lembro que estava no carro, no caminho do aeroporto para o hotel, e o Presidente Bolsonaro, que chegaria apenas no dia seguinte, me ligou e falou: “Olha, vai ter essa reunião aí e não tem a menor dúvida de que o Brasil vai se posicionar em favor do direito à vida e em favor do planejamento familiar.” O Presidente acompanha isso – é muito importante de se registrar – com a maior atenção, e nos dá sempre o apoio mais firme e mais claro a essa temática, sem nenhuma ambiguidade.
Em terceiro lugar, a Cúpula de Comemoração dos 25 anos da Conferência Internacional sobre a População e Desenvolvimento. Aqui, com um grupo de países afins, nós divulgamos um comunicado conjunto reafirmando mais uma vez a defesa da vida desde a concepção.
Houve a sugestão dos Estados Unidos de organizar a Cúpula sobre a Saúde da Mulher à margem da 73ª Assembleia Mundial da Saúde da OMS. Nesse contexto, foi negociado um documento chamado Declaração de Consenso de Genebra, que veio a ser lançado agora e que nós copatrocinamos com outros países, mais uma vez defendendo o direito à vida. Eu tive o prazer de participar por meio de vídeo gravado, juntamente com a Ministra Damares, no qual apresentamos esses princípios na cerimônia virtual de assinatura da Declaração. Trinta e dois países já assinaram esse documento, que continua aberto a outros países.
Isso tudo para mostrar que nós estamos trabalhando na frente de batalha, realmente, na frente dos organismos internacionais, procurando recuperar o espaço perdido pela discussão pró-vida, procurando contestar o uso inadequado de terminologias, habituando as pessoas a ouvirem essas palavras. Isso é uma pena, porque não se ouvia mais a palavra “vida”, não se ouvia mais a expressão “direito à vida” nesses organismos. Então, parece que somos extraterrestres quando chegamos defendendo esse direito humano tão básico. As pessoas só podem falar daquela linguagem ali das Nações Unidas, daquela coisa, mas o Brasil, os Estados Unidos e outros países têm essa postura.
Aqui eu faço parênteses para falar da nossa parceria muito forte com os Estados Unidos nesse tema. Fala-se, de maneira totalmente equivocada, de um alinhamento automático do Brasil com os Estados Unidos. Não há absolutamente nada disso. Nós estamos construindo uma parceria em muitas áreas, praticamente em todas as áreas, com os Estados Unidos porque existe uma convergência de interesses, de valores entre os dois países, e queremos estar juntos com aqueles países que pensam como nós e que têm uma capacidade de atuação como têm os Estados Unidos. Agora, se realmente se concretizar um governo de Joe Biden, possivelmente os Estados Unidos vão mudar esse tipo de posição; vão deixar de ter, infelizmente, uma posição a favor do direito à vida. Provavelmente, vão ficar numa posição bastante mais próxima do que é hoje a da maioria dos países europeus; e não é por isso que nós vamos juntos com essa ideia. Nós vamos continuar defendendo o direito à vida. Infelizmente, nessa hipótese, perderemos um dos principais países que defendem o direito à vida hoje, mas o Brasil continuará, nem que seja sozinho, defendendo o direito à vida. Então, não temos absolutamente nada de alinhamento automático. Alinhamo-nos com os nossos valores, com as nossas ideias, com as nossas convicções, e não com os Estados Unidos ou com qualquer outro país, pelo fato de ser esse ou aquele país.
Na Assembleia Geral das Nações Unidas, na Terceira Comissão, que trata desses temas, onde são negociados projetos que falam de temas sociais, o Itamaraty, nós, aqui de Brasília, temos instruído a nossa missão em Nova York a atuar sempre na defesa dos nossos posicionamentos no que se refere ao direito à vida. No momento, há sete projetos de resolução em discussão nessa comissão que abordam temas de mulheres, de um modo geral. Sempre alguns países tentam inserir linguagens sobre o aborto, geralmente de maneira não explícita, como temos visto aqui, e procuramos evitar que se incluam essas linguagens, mantendo o foco dos documentos na promoção dos direitos humanos das mulheres, de maneira explícita, e não dessa maneira sub-reptícia.
No Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, atualmente, são negociadas resoluções sobre temas de mulheres. Alguns países, novamente, tentam fazer uso dessas negociações para avançar agendas pró-aborto e buscam acrescentar temas nos projetos de resoluções que fogem aos temas centrais dos documentos. O Brasil tem sempre procurado evitar que haja novas inserções desse tipo. Se querem discutir o aborto, vamos discutir, mas explicitamente, e não utilizando esses veículos e esses disfarces que muitas vezes existem.
Temos, ao mesmo tempo, trabalhado, sempre que possível, de todas as maneiras, no fortalecimento do papel da família – que, como eu digo, está inserido na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 – com iniciativas como a “Parceria para as Famílias” (Partnership for Families), um grupo formado pelo Brasil, Estados Unidos, Hungria e Polônia, que atuam nas Nações Unidas para essa finalidade.
E no âmbito da OEA, para dar um exemplo da nossa atuação, na última Assembleia Geral da OEA, nós copatrocinamos – aqui também, com os Estados Unidos – uma intervenção conjunta intitulada “Fortalecendo a família e os diretos das mulheres de todas as idades”, proferida durante essa Assembleia Geral. É um texto que vai ao encontro de políticas, de posicionamentos nossos relativos ao fortalecimento dos direitos humanos das mulheres, o papel das famílias e o direito soberano de cada país de decidir acerca de suas políticas nacionais relativas ao aborto.
Desculpem-me por ter-me alongado, mas eu queria dar um pouco da ideia, digamos, do arcabouço teórico que nos guia nisso, e da nossa determinação diária, constante, de trabalhar por aquilo que nós acreditamos, que os brasileiros acreditam, por aquilo que é compatível com a nossa Constituição, com o nosso dever em defender a soberania nacional em todos os momentos. Quero reiterar a grande alegria de estar aqui e a minha total disposição de continuar trabalhando com todos vocês nessa causa tão fundamental.
Muito obrigado.