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“Chover com mais intensidade não é a solução"
Visão panorâmica da Pampulha, em Belo Horizonte (MG) - Foto: Acervo/CDTN
Em janeiro deste ano, especialistas em recursos hídricos da Universidade da Califórnia alertaram para o esgotamento das reservas de águas subterrâneas do mundo. O estudo, publicado na revista Nature, uma das mais prestigiadas na área científica, aponta para uma tendência global. Mas, afinal, o que são as águas subterrâneas? E quais são seus papéis no ciclo da água, na sociedade e nos demais ecossistemas?
Para isso, vale esclarecer que toda a água doce (potável ou não) que o ser humano dispõe no planeta tem origem na água da chuva. A conclusão parece óbvia, mas é pouco intuitiva. Na simplificação do ciclo, a água evapora principalmente a partir dos oceanos, forma nuvens e retorna para a terra em forma de chuva, granizo ou mesmo neve.
Quando essas precipitações caem na superfície terrestre, elas possuem algumas rotas finais possíveis. Em todas delas o destino final, em última análise, será o oceano, para comporem a porção de água salgada que representa 97,5% de todo o recurso hídrico que o planeta possui. Permanecer como água doce representa a segunda rota, compondo os 2,5% da água remanescente, que estão nas geleiras, rios, lagos, pântanos, etc. – essas são as águas superficiais, as quais podem ser vistas a olho nu.
A água da chuva que cai sob o continente pode se infiltrar no solo, percorrendo as camadas geológicas: seja para ser absorvida pelas raízes das árvores, ser evaporada e renovar um ciclo hidrológico menor, seja mantendo a umidade dos solos. O segundo caminho é o que compõe as águas subterrâneas, as quais podem levar décadas ou mais para se movimentarem no subsolo. São essas reservas de águas, no substrato geológico, que quando estão saturadas, emergem de volta para a superfície e formam as nascentes dos rios.
Estima-se que as águas subterrâneas são quarenta vezes mais volumosas do que as águas superficiais.
Como é possível ter tanta água no subsolo?
“É uma questão de velocidade. A olho nu é possível ver a água da chuva, que vai correr das ruas (ou dos terrenos rurais) até os rios, desembocando mais tarde no mar para, então, o recomeço do ciclo hidrológico. Já as águas subterrâneas podem se movimentar por apenas alguns milímetros por semana em uma grande extensão no subsolo ao longo de muitos anos”, explica o professor Paulo Rodrigues, geólogo do Serviço de Análise e Meio Ambiente do CDTN. Os rios podem ser entendidos como linhas, enquanto as águas subterrâneas formam grandes volumes de água debaixo da terra.
Rodrigues explica que as águas subterrâneas funcionam como uma reserva de água e nos ajudam a entender porque nem todos os rios secam em períodos de estiagem. As mudanças climáticas, o desmatamento e a interferência humana, porém, colocam esse equilíbrio em risco.
A redução e a extinção de nascentes são evidências do esgotamento das águas subterrâneas. A principal causa para a diminuição dessas reservas é o crescimento urbano e as atividades comerciais, que levam ao desmatamento e à ocupação/destruição dos topos de morro, regiões conhecidas como Zonas de Recarga Hídrica. Sem esses topos de morro, os terrenos perdem a capacidade de infiltração da água, comprometendo o acúmulo estratégico da água nos continentes.
Some isso às mudanças climáticas, que trazem fenômenos cada vez mais intensos. Há crise no regime de chuvas, seja com chuvas em falta ou em excesso.
“Chover com mais intensidade, portanto, não é a solução: não dá tempo das águas da chuva se infiltrarem no subsolo. Pelo contrário, você terá mais enxurradas, mais erosão, mais assoreamento e menos capacidade de absorção da água pelo solo. A sobrevivência na Terra depende dos rios, os rios dependem das nascentes e as nascentes dependem das águas subterrâneas”, avalia Paulo Rodrigues.
Se os períodos de seca e estiagem não estão sob controle, tampouco há interferência humana positiva sobre os demais protagonistas do ciclo da água – o mar ou as nuvens. Os estudos têm servido para alertar a urgência de ações humanas a favor da conservação dos topos de morro, das nascentes, das margens dos rios e, na maioria dos casos, da manutenção e recuperação da cobertura vegetal.
Por Deize Paiva
Assessoria de Comunicação do CDTN