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Integridade da informação é destaque nos painéis da II Conferência Livre do CNPq
Nos dias 6 e 7 de maio, o auditório do CNPq recebeu a II Conferência Livre: Ciência pela Integridade da Informação, evento que reuniu especialistas e representantes de instituições públicas para debater sobre combate à desinformação.
A programação incluiu debates e painéis distribuídos nos dois dias, com foco em coleta de dados, regulação de plataformas, ciclo de políticas públicas e ferramentas para promover a integridade da informação.
Os trabalhos começaram com o debate “Coletas de dados, ética e transparência”, que discutiu os eixos “Ferramentas públicas de coleta de dados” e “Falta de transparência das plataformas, algoritmização da vida e difusão da desinformação”. O auditório foi dividido em dois grupos, um para cada eixo, e os participantes foram instigados a refletir sobre os limites éticos dos métodos automatizados de coleta de informação em redes sociais, especialmente no desenho de uma eventual plataforma pública para acesso a esses dados.
Painel 1: Desinformação e seus impactos na ciência, na gestão pública e nas políticas públicas
Mediado por Luseni Aquino, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), o primeiro painel reuniu as debatedoras Letícia Cesarino, professora Adjunta de Antropologia e pós-graduanda em Antropologia Social na UFSC, e Renata Mielli, coordenadora do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) e assessora especial do MCTI.
Entre os principais pontos, elas debateram a regulação das grandes plataformas como instrumento de promoção da integridade nacional, os efeitos da difusão acelerada de conteúdos falsos sobre o ciclo de formulação de políticas públicas e a necessidade de estabelecer padrões mínimos de confiança — inclusive em áreas remotas, valorizando meios tradicionais como rádio e TV para disputar a atenção dos cidadãos.
Em sua fala, Letícia abordou como o ritmo “acelerado e não-linear dos meios digitais” interrompe o fluxo tradicional do ciclo de políticas públicas. Para ela, a digitalização não apenas fomenta a desinformação, mas altera toda a dinâmica de planejamento, execução e avaliação das políticas. “A gente vê isso, no processo legislativo, como as instituições têm uma dificuldade de acompanhar o ritmo e a não-linearidade dos efeitos do digital na sociedade”, afirmou, acrescentando que, ao competir com o Estado na oferta de serviços, as plataformas acabam erodindo garantias institucionais e direitos trabalhistas.
Renata Mielli, por sua vez, ressaltou a urgência de recriar uma esfera pública confiável em meio à “reorganização – ou desorganização, se preferirem – do debate público” provocada pelos algoritmos das grandes plataformas. “A gente tem passado por profundas transformações tecnológicas que trazem impacto na maneira através dos quais a sociedade constrói os seus consensos sociais”, explicou, questionando como enfrentar a desinformação em municípios remotos e destacando o papel da rádio e da televisão como meios potenciais para “disputar a atenção das pessoas com as redes sociais” com informações íntegras e de qualidade.
Antes de iniciar o debate com o público presente, a mediadora Luseni Aquino lembrou que o enfrentamento à desinformação exige não apenas competências técnicas, mas também “o redirecionamento de recursos públicos” e a organização de estruturas interinstitucionais para coibir conteúdo falso. “Existem recursos disponíveis que podem ser importantes nessa estratégia interinstitucional para o enfrentamento da desinformação”, concluiu.
Painel 2: Integridade da informação, políticas públicas e direitos difusos
No Painel 2, sob a mediação de Débora Menezes, diretora de Análise de Resultados e Soluções Digitais do CNPq, participaram Paulo Sellera, diretor da Secretaria de Informação e Saúde Digital do Ministério da Saúde; Fabrício Monteiro Neves, coordenador do programa de pós-graduação em Sociologia da UnB; João Guilherme Bastos dos Santos, diretor do Democracia em Xeque e pesquisador do Inct.DD e do Ibict; e Fábio Mallini, professor do Laboratório de Internet e Ciência de Dados da UFES.
Eles abordaram desde a priorização equitativa de recursos em saúde digital e a crise epistemológica imposta pela “infraestrutura digital neoliberal”, até a integração de algoritmos com validação humana para identificar ruídos informacionais.
Paulo Sellera abriu sua fala destacando a criação da Secretaria de Informação e Saúde Digital (CIDIG) como um marco para reforçar a equidade no SUS: em vez de distribuir recursos apenas no modelo per capita, o ministério cruzou indicadores de conectividade, vulnerabilidade social e densidade de médicos especialistas para classificar os municípios em cinco grupos de necessidade.
Sellera também apresentou os resultados iniciais do programa Saúde Digital: “100% dos 5.370 municípios brasileiros aderiram”, diagnosticaram-se 120 macrorregiões de saúde e já foram liberados R$464 milhões em repasses fundo a fundo. Ele ainda lembrou que, com a plataforma Meu SUS Digital e o portal Localiza SUS, os cidadãos poderão acessar de forma segura e integrada seu histórico de vacinas, exames e atendimentos em qualquer ponto do país.
Fabrício Monteiro Neves, por sua vez, apontou que vivemos um contexto neoliberal em que a “infraestrutura digital neoliberal” intensifica as transformações nas relações entre ciência, democracia e ordem social — especialmente após a pandemia de Covid-19. Segundo ele, essa dinâmica informacional “altera profundamente as bases epistemológicas da sociedade com consequências diretas […] para a própria democracia”, gerando um complexo de crises inter relacionadas.
Neves alertou para o risco de dependência do Sul global dos hubs de dados do Norte. “Estamos depositando nossos dados em plataformas do Norte global”, disse, defendendo a urgência de uma discussão séria sobre soberania dos dados científicos no Brasil.
João Guilherme destacou a importância de combinar algoritmos com validação humana para extrair insights relevantes de volumes massivos de dados e não apenas identificar “o que mais aparece”. Ele explicou que, no Ibict, são gerados relatórios diários, semanais e mensais que unem análise semi automatizada e categorização humana — garantindo que “o ser humano e o cientista estejam no loop” antes de qualquer conclusão.
Para ele, a integridade da informação é um desafio sistêmico. “A questão não é se está aparecendo uma informação falsa, mas se a nossa capacidade de resposta será suficiente”, afirmou.
Fábio Mallini traçou a trajetória histórica das ferramentas do Laboratório de Internet e Ciência de Dados da UFES, desde 2014, mostrando como cada projeto — Copa do Mundo, discurso de ódio, Enem, epidemias de Zika e vacinas — foi aperfeiçoando métodos de coleta, visualização e intervenção imediata.
“Muitas vezes a gente desenvolve uma ferramenta que vai ter essa função de dar aos pesquisadores a possibilidade de fazer os seus insights. Mas também existe uma linha histórica de como ela surge”, explicou.