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Pesquisador da Fundaj assina capítulo de livro que aborda o ativismo negro na América Latina
Lançado em Los Angeles no mês de março, o livro “Black lives matter in Latin America", da editora Palgrave MacMillan, traz capítulo assinado pelo pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) Carlos Sant’Anna Guimarães. A publicação reúne um panorama sobre as ações do movimento negro na América Latina, no campo sociológico e político. Carlos Sant’Anna, que faz parte da Diretoria de Pesquisas Sociais, assina o artigo “A formação da agenda da política de igualdade racial em municipalidades”.
Com mais de 500 páginas, o livro se debruça sobre as formas de atuação do ativismo negro em várias frentes. Na primeira parte, o livro aborda o movimento "Vidas negras importam” nos estudos acadêmicos, dados governamentais e na política. O foco da segunda parte é o impacto do ativismo negro nas políticas e na legislação no Brasil, na Colômbia e no Peru. A última seção do livro trata como as redes sociais moldaram o ativismo negro no Brasil e em Cuba.
No artigo, Sant’Anna Guimarães aborda os processos de criação de agências de institucionalização da política de igualdade racial em três prefeituras de capitais brasileiras: Belo Horizonte (MG), Recife (PE) e Salvador (BA). O ponto de partida para essa discussão, aponta o pesquisador, é a Marcha contra o Racismo, pela Igualdade e a Vida, que ocorreu em 1995 para marcar os 300 anos da morte de Zumbi, líder quilombola.
“A Marcha Zumbi, 300 anos equivale à Marcha sobre Washington por Empregos e Liberdade, liderada por Martin Luther King, em 1963, nos Estados Unidos. A marcha não era apenas para fazer a denúncia do racismo realmente existente no Brasil, mas também entregar um programa de medidas e ações de combate ao racismo e de promoção da equidade racial”, diz o pesquisador da Dipes/Fundaj.
Era então o ano do início da presidência de Fernando Henrique Cardoso, que, após receber lideranças negras, declarou que o Estado e a sociedade brasileira eram racistas. “O início de um novo governo sempre traz expectativas de mudanças. Pela primeira vez, um presidente reconhecia a existência do racismo no país. No mesmo dia, ele assinou o decreto que criou o Grupo de Trabalho Interministerial de Valorização da População Negra, que ficou conhecido pela sigla GTI. Mesmo que ainda de forma incipiente e institucionalmente inconsistente, o que ocorreu naquele dia foi uma inflexão na política racial brasileira, pois o Movimento Negro era conhecido como um interlocutor legítimo”, explica Carlos Sant’Anna Guimarães.
O artigo do pesquisador faz um histórico dos fatores que, depois da criação do GTI, levaram essas três prefeituras de capitais importantes do Brasil a montarem equipes voltadas para o trabalho de equidade racial. É uma pesquisa que mostra a relevância e também as limitações das prefeituras no desenvolvimento de políticas para a população negra. “A “política racial” não existe do ponto de vista formal: é o reflexo do conjunto das decisões e ações de governos, instituições públicas e privadas com efeitos e impactos na vida cotidiana das pessoas brancas, negras, indígenas, ciganas e outras tantas. O nosso federalismo reconhece o município como um ente permanente da federação. Prefeitos são detentores de autonomia política, administrativa e financeira. Eles podem aderir ou não a uma política nacional. O poder local é importante porque a política para chegar a todos, para efetivamente ser implantada e implementada faz-se necessário o envolvimento das prefeituras”, destaca.
Em uma contribuição para melhorar as ações de políticas em prol da equidade racial nas prefeituras, Carlos Sant’Anna Guimarães cita a professora e pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP) Martha Arretche para afirmar que uma política pública, que na sua maioria é iniciativa do governo federal, precisa ter um desenho institucional capaz de seduzir os municípios a aderirem a estas novas políticas.
“Para isso é preciso regras bem definidas de funcionamento, que sinalize na redução de incertezas quanto aos custos de adesão e demonstre capacidade de coordenação. Acrescentaria também a preocupação de aumentar a capacidade institucional das prefeituras de implementar políticas públicas. Muitas políticas precisam das prefeituras para acontecer. Ela é quem faz a prestação dos serviços públicos. Algumas políticas são do tipo down-top, de baixo para cima, e precisam funcionar na base do sistema, no chão do município”, aponta o pesquisador.
Para Carlos Sant’Anna, os avanços no campo da promoção da igualdade racial no Brasil ainda são lentos. “É preciso entender que o racismo é ubíquo. Ele está em toda parte, em todos os lugares, o tempo todo”, diz. “Desde a gestação, pois as mulheres negras têm menos consultas de pré-natal, passando pelo parto, quando recebem menos atenção e anestesia, passando pela infância, até a morte com o número expressivo de jovens negros assassinados. As resistências são inúmeras e silenciosas”, ressalta Sant’Anna Guimarães.
O livro “Black lives matter in Latin America” ainda não tem previsão de edição em português, mas uma prévia da publicação pode ser lida no Google Books (link: https://books.google.com.br/booksd=HWb8EAAAQBAJ&lpg=PA359&lr&hl=ptBR&pg=PA373#v=onepage&q&f=true)