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Setembro Amarelo e o papel do bem-estar financeiro na saúde mental.
O mês de setembro é marcado pela campanha Setembro Amarelo, um movimento global de conscientização e prevenção ao suicídio. Ao longo desse período, a sociedade é convidada a refletir sobre fatores que afetam diretamente a saúde mental, muitas vezes de forma silenciosa e cumulativa. Entre esses fatores, um dos mais negligenciados é a relação entre finanças pessoais e bem-estar psicológico. O dinheiro, ainda que frequentemente tratado como assunto estritamente racional, exerce papel central no equilíbrio emocional e na percepção de segurança e esperança no futuro. Nesse sentido, pensar em prevenção ao suicídio também passa por discutir como o bem-estar financeiro pode se tornar aliado da saúde mental.
A ansiedade financeira é uma das formas mais comuns de sofrimento psicológico contemporâneo. Em um contexto de incertezas econômicas, inflação, desemprego e endividamento crescente, milhares de pessoas convivem diariamente com a angústia de não conseguir honrar compromissos financeiros básicos. O peso das dívidas, aliado ao estigma social do fracasso econômico, contribui para sentimentos de vergonha, impotência e desesperança. Esses sentimentos, quando não reconhecidos ou acolhidos, podem intensificar quadros de ansiedade, depressão e, em situações extremas, levar à ideação suicida.
A relação entre dificuldades financeiras e saúde mental não é meramente casual. Estudos demonstram que pessoas endividadas apresentam risco significativamente maior de desenvolver transtornos emocionais e de experimentar sofrimento psicológico intenso. O estresse crônico gerado pela instabilidade financeira ativa mecanismos biológicos de defesa, elevando níveis de cortisol e impactando funções cognitivas essenciais, como memória, atenção e capacidade de decisão. Assim, a pressão por pagar dívidas ou manter padrões de consumo torna-se mais do que uma preocupação prática: transforma-se em gatilho emocional que afeta diretamente a qualidade de vida.
A economia comportamental ajuda a compreender como nossas decisões financeiras, longe de serem puramente racionais, são fortemente influenciadas por emoções, vieses cognitivos e contextos sociais. Muitas vezes, o endividamento surge não apenas da falta de recursos, mas também da dificuldade em lidar com impulsos de consumo, da busca de gratificação imediata ou da superestimação da própria capacidade de pagamento. Esses mecanismos psicológicos podem agravar a vulnerabilidade emocional de quem já enfrenta dificuldades, criando um círculo vicioso em que dívidas aumentam a ansiedade, e a ansiedade prejudica ainda mais a tomada de decisão financeira.
Outro aspecto importante é a percepção subjetiva de controle. Pesquisas indicam que a sensação de não ter domínio sobre a própria vida financeira é tão ou mais prejudicial do que a dívida em si. Uma pessoa que compreende sua situação, organiza seus gastos e estabelece metas realistas pode se sentir mais confiante, ainda que esteja endividada. Em contrapartida, alguém que evita encarar a realidade financeira, ignora contas ou teme abrir faturas do cartão de crédito, experimenta níveis muito maiores de estresse, justamente por não enxergar caminhos de saída. Essa percepção de impotência é um fator de risco considerável para a saúde mental e, por consequência, para a prevenção do suicídio.
É nesse ponto que o conceito de bem-estar financeiro se torna crucial. Ele não significa ausência total de dívidas ou riqueza abundante, mas sim a capacidade de lidar de forma equilibrada e consciente com os próprios recursos. Trata-se de sentir segurança no presente, ter clareza sobre obrigações futuras e perceber que há espaço para sonhos e objetivos a médio e longo prazo. Essa sensação de equilíbrio financeiro contribui diretamente para reduzir a ansiedade, promover resiliência emocional e fortalecer a esperança, elementos centrais no enfrentamento de ideação suicida.
O papel da educação financeira, portanto, é essencial na promoção de saúde mental. Compreender como funcionam os juros compostos, os impactos do crédito rotativo e a importância da reserva de emergência são conhecimentos básicos que podem reduzir drasticamente o estresse financeiro. Entretanto, mais do que ensinar números, a educação financeira deve abordar a dimensão psicológica do dinheiro: como lidar com impulsos de consumo, como negociar dívidas sem medo ou vergonha, como diferenciar desejos imediatos de necessidades reais e como alinhar escolhas financeiras a valores pessoais. Essa integração entre conhecimento técnico e autoconhecimento emocional é o que permite construir uma relação mais saudável com o dinheiro.
Não se pode ignorar também o impacto das desigualdades sociais. Em um país marcado por disparidades econômicas profundas, grande parte da população vive em permanente vulnerabilidade financeira, dependendo de crédito caro e com pouca margem para planejamento. Isso gera um cenário em que o estresse financeiro não é apenas individual, mas coletivo, afetando comunidades inteiras. Nesses contextos, políticas públicas que promovam inclusão financeira, acesso a crédito justo e programas de educação financeira são fundamentais para prevenir sofrimento psicológico em larga escala.
Outro ponto relevante é a cultura do silêncio em torno das finanças pessoais. Falar sobre dinheiro ainda é tabu em muitas famílias e ambientes sociais, o que dificulta a busca por ajuda. O medo do julgamento leva muitas pessoas a esconder dívidas ou dificuldades financeiras, o que intensifica a solidão emocional. Romper esse silêncio, abrir espaços de diálogo e criar redes de apoio são passos fundamentais para reduzir a carga emocional associada ao dinheiro. Isso vale tanto para o ambiente familiar quanto para empresas, escolas e instituições financeiras, que podem assumir papel ativo na promoção do bem-estar financeiro de seus públicos.
Além da dimensão coletiva, há práticas individuais que podem contribuir para fortalecer o bem-estar financeiro e, consequentemente, a saúde mental. Organizar as finanças pessoais, registrar entradas e saídas, criar metas claras de curto e longo prazo e reservar parte da renda para emergências são estratégias que oferecem maior previsibilidade e reduzem a ansiedade. Pequenos passos, como quitar uma dívida de menor valor ou evitar compras por impulso, produzem sensação de progresso que fortalece a autoestima e a confiança.
É importante destacar que, assim como na prevenção ao suicídio, a busca por apoio é elemento central. Assim como procurar ajuda psicológica pode salvar vidas, buscar orientação financeira profissional pode trazer clareza e aliviar pressões que pareciam insuportáveis. Consultores, educadores financeiros e até mesmo aplicativos de gestão podem funcionar como aliados, oferecendo ferramentas práticas para reduzir a confusão e promover organização. O simples ato de compartilhar preocupações financeiras com alguém de confiança já reduz significativamente a carga emocional associada a elas.
Setembro Amarelo nos lembra que cuidar da saúde mental é responsabilidade coletiva. No entanto, dentro dessa responsabilidade, está também a necessidade de repensar como lidamos com o dinheiro em nossas vidas. Ignorar a dimensão financeira do sofrimento emocional seria negligenciar uma das causas mais presentes de ansiedade, estresse e desesperança. Promover o bem-estar financeiro não é apenas um ato de organização econômica, mas também uma forma de autocuidado e de prevenção ao sofrimento extremo.
Ao refletir sobre essa interconexão entre dinheiro e saúde mental, percebemos que o bem-estar financeiro pode funcionar como uma rede de proteção emocional. Ele não elimina todos os problemas, mas reduz a intensidade do sofrimento e amplia a sensação de controle e segurança. O desafio está em quebrar o ciclo do silêncio, integrar educação financeira ao cotidiano e reconhecer que falar sobre dinheiro é também falar sobre saúde mental.
Nesse Setembro Amarelo, além das mensagens de acolhimento e da valorização da vida, é importante refletir: como está sua relação com o dinheiro? Suas escolhas financeiras têm sido fonte de segurança ou de sofrimento? De que maneira você pode reorganizar suas finanças para reduzir a ansiedade e ampliar a sensação de controle? Talvez o primeiro passo não seja resolver todos os problemas de uma vez, mas começar pela coragem de olhar para a própria realidade, buscar apoio e construir, pouco a pouco, um caminho de equilíbrio. Cuidar do bem-estar financeiro é também cuidar da saúde mental, e ambos são partes essenciais na construção de uma vida mais plena e significativa.
Referências
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- RICHARDSON, Thomas; ELLIOTT, Peter; ROBERTS, Ronald. The relationship between personal unsecured debt and mental and physical health: a systematic review and meta-analysis. Clinical psychology review, v. 33, n. 8, p. 1148-1162, 2013.