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A Psicologia por trás dos golpes: Como vieses comportamentais alimentam a engenharia social.
Você já se perguntou por que pessoas inteligentes, experientes e bem instruídas acabam caindo em golpes que, à primeira vista, parecem óbvios? Essa questão revela uma realidade desconfortável, mas profundamente humana: não é apenas a falta de informação que nos torna vulneráveis a fraudes, mas sim os atalhos mentais que usamos diariamente para tomar decisões rápidas. Esses atalhos, conhecidos como heurísticas, e que podem levar a vieses cognitivos, estão no cerne da manipulação psicológica utilizada em esquemas de engenharia social.
A engenharia social pode ser entendida como o conjunto de técnicas que exploram vulnerabilidades humanas, como a confiança, o medo, a curiosidade e a esperança, com o objetivo de induzir as pessoas a tomar decisões contrárias a seus próprios interesses. Ao contrário dos ataques puramente tecnológicos, que dependem de falhas em sistemas e códigos, a engenharia social explora falhas humanas. O alvo é a mente, e não a máquina. Quando aplicada ao campo das finanças, essa manipulação assume contornos ainda mais críticos, pois afeta não apenas o patrimônio individual, mas também a confiança coletiva que sustenta o funcionamento do mercado.
As vulnerabilidades humanas tornam-se ainda mais evidentes quando associadas aos aspectos financeiros, pois, ao lidarmos com o dinheiro, ativamos um campo emocional muito mais amplo do que percebemos. Decisões financeiras não são apenas racionais: elas são atravessadas por emoções e sentimentos como ganância, medo, urgência, confiança e até solidão. É justamente nesse território emocional que os fraudadores encontram espaços para agir e construir suas estratégias. Para compreender melhor essa dinâmica, é necessário analisar como alguns vieses cognitivos favorecem a manipulação psicológica em golpes financeiros.
Entre os vieses cognitivos mais explorados nesse contexto está o da escassez. A percepção de que uma oportunidade é limitada no tempo ou restrita a poucos privilegiados desperta a sensação de urgência e pode levar as pessoas a tomar decisões impulsivas, sem a devida reflexão crítica. Esquemas fraudulentos que prometem "investimentos exclusivos” ou “últimas vagas” exploram exatamente esse mecanismo psicológico. Diante do medo de perder algo valioso, o indivíduo reduz sua capacidade de análise racional e acaba tomando decisões precipitadas.
Outro viés frequentemente manipulado é a aversão à perda. Da perspectiva psicológica, a dor de perder é sentida de forma mais intensa do que a satisfação de ganhar, mesmo quando o ganho é significativo. Golpistas exploram esse aspecto ao criar narrativas em que a vítima acredita que precisa agir rapidamente para não perder um benefício ou para evitar um prejuízo. Mensagens de supostos bancos ou corretoras alertando sobre movimentações suspeitas exploram esse mesmo mecanismo: diante do medo de perda, muitos agem imediatamente, sem questionar a veracidade da comunicação.
Também não se pode ignorar o papel da autoridade e legitimidade percebida. O viés de autoridade nos leva a confiar mais facilmente em figuras que parecem ter legitimidade, seja por títulos, uniformes, cargos ou simplesmente pela forma de comunicação. Em golpes financeiros, essa autoridade é simulada com símbolos de bancos, empresas conhecidas, linguagem técnica ou nomes de supostos especialistas. Essa manipulação se torna ainda mais eficaz quando a vítima já possui uma forte predisposição a obediência e a seguir condutar sociais que são consideradas corretas.
O viés da reciprocidade é outro viés cognitivo comumente explorado por criminosos. Pessoas tendem a sentir a necessidade de retribuir quando recebem algo, mesmo que seja apenas atenção, gentileza ou um benefício simbólico. Golpistas manipulam este viés em abordagens prolongadas, criando um vínculo inicial de confiança antes de apresentar uma proposta financeira. Muitas fraudes conhecidas como “romance scams”, ou estelionato emocional, começam com longos períodos de interação, nos quais a vítima sente que recebeu cuidado e atenção, criando uma dívida emocional que a leva a transferir recursos posteriormente.
Há ainda a influência do viés da familiaridade. Quanto mais somos expostos a uma informação, maior a tendência de desenvolver familiaridade e de acreditar em sua veracidade. Repetições de mensagens, propagandas fraudulentas em redes sociais e insistência em narrativas de investimentos falsos, mas que parecem verídicas, acabam criando um senso ilusório de verdade. O simples fato de uma informação ser repetida por diferentes canais aumenta a probabilidade de sua aceitação, mesmo sem evidências concretas, pois, com o tempo, o cérebro passa a percebê-la como familiar e, consequentemente, segura.
É importante destacar que esses mecanismos não atingem apenas indivíduos pertencentes a grupos vulneráveis, como os idosos. Pessoas com alto nível educacional e experiência no mercado financeiro também estão suscetíveis, pois os vieses cognitivos são universais. A diferença está na consciência e na capacidade de compreender os próprios aspectos emocionais, cognitivos e comportamentais, bem como aplicar o autocontrole, algo que exige treinamento constante e revisões. Além disso, em ambientes digitais atuais, onde a velocidade de comunicação é acelerada e a pressão por respostas imediatas é constante, as chances de cometer erros aumentam significativamente caso não se utilize o filtro crítico do próprio funcionamento comportamental.
No campo das finanças, cabe destacar que a manipulação psicológica em golpes tem consequências que vão além da perda individual. Ela corrói a confiança no sistema, afeta a credibilidade das instituições e cria um efeito cascata de desconfiança que pode prejudicar a dinâmica dos mercados. Quando investidores passam a acreditar que podem ser enganados em qualquer interação, tendem a reduzir sua disposição de investir, consumir ou arriscar, gerando impactos diretos no desenvolvimento do mercado.
Sob a ótica da economia comportamental, o grande desafio é alinhar mecanismos de proteção que considerem os limites da racionalidade humana. Não basta educar os consumidores e investidores apenas com informações técnicas, pois a simples posse do conhecimento não elimina os vieses. É necessário criar ambientes de decisão mais seguros, com alertas claros que evidenciem como nossas emoções e processos cognitivos são afetados diante de golpes, incluindo orientações sobre processos de verificação e medidas para garantir que qualquer decisão seja tomada de forma mais
racional. Além disso, é fundamental desenvolver e implementar políticas públicas que reduzam a assimetria de informações entre golpistas e potenciais vítimas.
A educação financeira, nesse sentido, precisa ser repensada. Em vez de apenas ensinar conceitos de juros, investimentos e orçamento, deve incluir uma dimensão psicológica, mostrando como emoções e atalhos mentais podem nos trair. Reconhecer que somos todos vulneráveis é o primeiro passo para desenvolver estratégias práticas de proteção. Exercícios de reflexão, simulações de golpes e discussões abertas sobre vieses cognitivos podem ser mais eficazes do que manuais de instrução tradicionais.
O papel das instituições financeiras também é central. Bancos, corretoras e seguradoras não podem transferir integralmente para o cliente a responsabilidade de evitar fraudes, já que conhecem melhor as estratégias utilizadas no mercado. Ao investir na segurança de seus sistemas e bancos de dados, adotar sistemas de monitoramento, manter canais de comunicação acessíveis e estimular outras medidas preventivas, essas organizações não apenas protegem seus clientes, mas também preservam a confiança que sustenta seu próprio negócio.
Por fim, é igualmente importante considerar os efeitos emocionais das vítimas de golpes. Além das perdas financeiras, há sentimentos de vergonha, culpa e isolamento que dificultam a denúncia e a busca por ajuda. Esse silêncio contribui para a perpetuação desse problema social, permitindo que os golpistas continuem atuando. Uma abordagem mais empática, pautada na alteridade e no reconhecimento das vítimas sem julgamentos, é essencial para romper esse ciclo.
A manipulação psicológica em golpes é um lembrete de que, por trás de cada transação financeira, existe um ser humano multidimensional atravessado por vulnerabilidades. Os vieses cognitivos, que frequentemente nos ajudam a tomar decisões rápidas no cotidiano, podem ser explorados por criminosos como instrumentos para manipular comportamentos e induzir erros. A única forma de reduzir esse risco é combinar conhecimento financeiro, consciência cognitiva e comportamental, e sistemas de proteção coletiva.
Para encerrar, propomos ao leitor a seguinte proposta de reflexão: sabendo que todos estamos sujeitos a vieses cognitivos e manipulações, como você pode fortalecer sua capacidade de análise para que suas decisões financeiras sejam mais conscientes e menos vulneráveis às armadilhas da manipulação social?
Referências:
· ABIN. Engenharia Social: Guia para Proteção de Conhecimentos Sensíveis. 2021. Disponível em: https://www.gov.br/abin/pt-br/institucional/acoes-e-programas/PNPC/boas-praticas-1
· Ariely, D. Previsivelmente irracional: as forças ocultas que formam as nossas decisões / Dan Ariely; tradução Jussara Simões. – Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.
· Cialdini, R.B. Influence: The Psychology of Persuasion, Harper Business, Manhattan. NY, 2009.
· Dove, M. The Psychology of Fraud, Persuasion and Scam Techniques: Understanding What Makes Us Vulnerable. Routledge, 2020.
· Kahneman, D. Rápido e devagar [recurso eletrônico]: duas formas de pensar / Daniel Kahneman; tradução Cássio de Arantes Leite. - Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.
· Thaler, R. H.; Sunstein, C. R. Nudge: the final edition. Penguin Books, 2021.
· Tversky, A.; Kahneman, D. Judgment under Uncertainty: Heuristics and Biases: Biases in judgments reveal some heuristics of thinking under uncertainty. Science, New Series, Vol. 185, No. 4157, Sep. 27, 1974, pp. 1124-1131.