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Agroecologia no Semiárido: Estratégias Inovadoras para Resiliência e Sustentabilidade em Tempos de Mudanças Climáticas
A resiliência desses sistemas pode ser explicada pela auto-organização social, dentre outros fatores - Foto: Divulgação/INSA
Após a Segunda Guerra Mundial, a agricultura no mundo passou a ser dominada por modelos capitalistas que priorizavam a concentração de capital e renda, em detrimento da segurança alimentar e da soberania dos povos. Esse modelo, voltado para a geração de lucro, agravou as desigualdades socioambientais, expulsou camponeses de suas terras e gerou desertos verdes, intensificando a degradação do solo e a pobreza rural. Esse processo de modernização agrícola levou à exploração insustentável dos recursos naturais, resultando em desertificação, mudanças climáticas e perda da biodiversidade, especialmente nas terras áridas que representam cerca de 47% da área continental do planeta.
Existem evidências concretas, com experimentos comprovados que a agroecologia, como novo paradigma, novo olhar da vida que articula ciência, prática e movimento, pode ser um meio adequado para encontrar as soluções a esses problemas e orientar a transição alimentaria necessária. Contudo, o alinhamento dessas evidências tem sido dificultado pela ausência de dados e informações baseadas em evidências científicas disponíveis sobre os efeitos das iniciativas agroecológicas.
Neste cenário, a agroecologia surge como um paradigma promissor. Integrando ciência, prática e movimento, ela oferece soluções para os problemas ambientais, econômicos e sociais enfrentados pelo mundo contemporâneo, promovendo uma transição alimentar sustentável. No entanto, a implementação das práticas agroecológicas ainda enfrenta desafios significativos, principalmente pela falta de dados e informações sistematizadas baseadas em evidências científicas disponíveis sobre os seus impactos e efetividade.
Foi com o objetivo de preencher essas lacunas de conhecimento que nasceu o Projeto "Mapeamento de Sistemas Agrícolas Familiares Resilientes às Mudanças Climáticas e Desertificação no Semiárido Brasileiro", financiado pelo CNPq (Processo Nº 408551/2022-4). Esta pesquisa, uma ação conjunta entre o Movimento de Pequenos Agricultores (MPA) e o Instituto Nacional do Semiárido (INSA/MCTI), objetivou avaliar os efeitos multidimensionais da agroecologia, abrangendo aspectos sociais, econômicos, técnicos e ambientais, tanto em nível local quanto regional.
O Projeto financiado pelo CNPq Nº Processo 408551/2022-4 tratou-se de uma iniciativa de pesquisa-articulação-ação entre o Movimento de Pequenos Agricultores (MPA) e o Instituto Nacional do Semiárido (INSA), congregando a ciência, tecnologia e inovação com a inclusão social, voltadas a construir alternativas de convivência produtiva e sustentável em zonas áridas e semiáridas.
A pesquisa foi conduzida em quatro etapas:
- caracterização dos sistemas agrícolas familiares;
- determinação do nível de agroecologização;
- análises das condições de desenvolvimento desses sistemas e
- processamento e avaliação das informações coletadas.
Nos locais estudados, os pesquisadores buscaram detalhar os manejos específicos que explicam a capacidade das comunidades em se adaptar e se recuperar após eventos de perturbação ambiental. Eles identificaram também as estratégias de organização social das famílias para enfrentar os desafios impostos pelos eventos climáticos extremos e como elas estruturam formas de permanência nas comunidades.
Os resultados mostraram que muitas famílias no semiárido brasileiro têm respondido positivamente aos desafios das mudanças climáticas e da desertificação. Elas demonstraram grande capacidade de inovação e resiliência, baseadas na intensificação da produção por meio da valorização dos recursos locais, do uso de tecnologias apropriadas e da diversificação dos sistemas produtivos. Essas famílias criaram redes de manejo integrado, utilizando sistemas complementares para a formação de estoques de água, forragens, alimentos e sementes, o que resulta em uma maior circulação de nutrientes, biomassa e energia dentro dos agroecossistemas.

- Entre os sistemas familiares mais eficientes e resilientes, destacam-se os quintais produtivos, a criação de animais, roçados e a reserva de caatinga. Fotos: Divulgação/INSA
Os sistemas agrícolas mais resilientes, caracterizados por uma base agroecológica sólida, apresentaram bons resultados em termos de resiliência, saúde do agroecossistema, desempenho técnico e econômico, e qualidade de vida. A resiliência desses sistemas pode ser explicada pela auto-organização social, pela regulação ecológica autônoma, pela diversidade funcional, e pela manutenção da saúde do solo, além do uso eficiente dos recursos e pela valorização do conhecimento local.
Verificou-se que os sistemas familiares diversificados, com mais de oito subsistemas produtivos, são mais eficientes e resilientes. Entre esses subsistemas destacam-se os quintais produtivos, a criação de animais (bovinos, caprinos, ovinos, suínos e aves), sistemas agroflorestais, roçados e a reserva de caatinga, todos integrados por tecnologias sociais como cisternas, silos, poços e biodigestores, que potencializam a produção e o trabalho nas comunidades.
A elevada biodiversidade e a redundância de componentes nos agroecossistemas analisados garantem um funcionamento contínuo e consistente, conferindo maior resistência a eventos climáticos extremos, como as estiagens prolongadas. A diversificação e a eficiência no uso dos recursos externos também são fundamentais para o bom desempenho técnico e econômico, com destaque para a criação de animais, que fornece alimentos e produtos para o mercado, além de promover a recirculação de nutrientes no sistema.
A adoção de tecnologias sociais, como cisternas e poços, tem garantido uma importante segurança hídrica para consumo doméstico e produção. A reciprocidade ecológica e social observada nas iniciativas agroecológicas foi alta, com mais de 80% de eficácia, o que fortaleceu a capacidade das comunidades de lidar com a escassez de água e melhorar sua produtividade.
Além dos benefícios produtivos, os sistemas agrícolas familiares de bases agroecológicas contribuíram para a geração de renda. As famílias comercializam seus produtos em diversos mercados locais, como feiras, o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Isso resultou em uma renda estável e crescente, que, somada à renda não agrícola, garantiu uma economia familiar mais robusta, com lucro entre 2 a 3 dólares para cada dólar investido, e uma maior soberania econômica.
A melhoria da qualidade de vida também se refletiu nos quintais produtivos, que desempenharam um papel crucial na alimentação das famílias, bem como na comercialização de produtos. Além disso, programas como o "Um Milhão de Cisternas" e "Uma Terra e Duas Águas" permitiram a estocagem de água da chuva, facilitando a produção de alimentos nos quintais e a criação de pequenos animais.
Entretanto, o estudo apontou desafios remanescentes, como a falta de empregos dignos, especialmente para os jovens, e a necessidade de fortalecer a capacitação das mulheres e sua participação nas decisões comunitárias. A gestão das rendas e o controle dos recursos também apresentaram limitações que precisam ser superadas para garantir um desempenho ainda mais eficiente dos agroecossistemas.
Em resumo, os sistemas agrícolas baseados em práticas agroecológicas promovem a soberania econômica, aumentam a eficiência na conversão de recursos naturais em bens econômicos e fortalecem a integração social. As trocas de conhecimentos e experiências dentro e entre as comunidades estimulam a inovação e ampliam a participação de mulheres e jovens, essenciais para o futuro da agroecologia no semiárido.
Por fim, é essencial fortalecer essas iniciativas com políticas públicas estruturantes e práticas agropecuárias inclusivas e integradoras, que promovam a reciprocidade comunitária e aumentem os impactos positivos da agroecologia, tornando as comunidades mais resilientes às mudanças climáticas e à desertificação.